O jovem Evaldo Florentino, de 24 anos, foi assassinado no final da tarde dessa segunda-feira (29) por dois homens encapuzados que chegaram em um carro preto (Honda Civic) à entrada do sítio onde ele morava, em Sayonara, Conceição da Barra (norte do Estado), e dispararam sete tiros contra a vítima.
No momento, Evaldo estava com o irmão Almir, que conseguiu fugir e se salvar do ataque, segundo os familiares, claramente direcionado para Evaldo. O irmão foi quem registrou o Boletim de Ocorrência. Evaldo e Almir são filhos de Berto Florentino, 68, Mestre do Ticumbi de São Benedito de Conceição da Barra.
A irmã de Evaldo, Maria Florentino, disse que a família desconhece a motivação do crime. “Ele não era de bagunça, de bebedeira, nada. E ele estava muito tranquilo esse tempos. O domingo foi tão bom, em família, brincamos juntos. Não dá pra entender”, lamentou.
A família, no entanto, acredita que um fato ocorrido em 2016 pode ter relação com o crime. Em outubro daquele ano, Evaldo foi preso, suspeito de participar do assassinato de um cabeleireiro de Pedro Canário. Chegou a ficar 40 dias preso no Centro de Detenção Provisória de São Mateus, porém, não tendo sido levantada nenhuma prova, foi libertado em dezembro.
Na ocasião, além de um advogado particular, que se ofereceu no dia da prisão para cuidar do caso, Evaldo e sua família foram assistidos pelo Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH), na época ainda vigente no Espírito Santo.
A atuação do Programa foi essencial e reconhecida pelo advogado, Wistonrus de Paula Alves. “É muito importante esse trabalho de apoiar os quilombolas. Eu, como profissional, era mais cético com relação a isso. Você só vai perceber o quão vulnerável essas etnias são quando se depara com uma situação como essa”, declarou Wistonrus, no dia da soltura de Evaldo.
Perseguição e criminalização históricas
O então advogado do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH) do Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), Jacenildo Reis, que há muito acompanha os casos de criminalização dos quilombolas da região, alertou na época que essa é a estratégia mais utilizada pela Aracruz Celulose (Fibria) nos últimos anos para enfraquecer a luta quilombola no Sapê.
“Ela direciona a Polícia a imputar fatos delituosos a alguma liderança ou defensor dos direitos humanos e os leva presos, sob suspeita de algum crime. Até que respondam ao processo e sejam soltos, ficam aniquilados. Muitas vezes, após passar por esse trauma de prisão, pela vergonha de serem algemados dentro da sua comunidade e levados em camburões, deixam de fazer militância, atingindo-se então o objetivo de enfraquecer a luta quilombola”, explicou.
A família de Mestre Berto é nativa do Córrego São Domingos, uma das comunidades que integram o Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte, entre Conceição da Barra e São Mateus.
As comunidades da região sofrem, historicamente, com a perseguição do Estado e, nos últimos 50 anos, também do poderio econômico – Aracruz Celulose (Fibria), Suzano, Disa e outras sucroalcooleiras, proprietárias dos monocultivos de eucalipto e cana-de-açúcar – que devasta todo o norte e noroeste do Estado, e que encontra entre quilombolas, indígenas e camponeses, frentes de resistência contra a devastação ambiental, social e cultural por elas promovida.
Mestre Berto é uma das principais lideranças quilombolas a se opor à destruição ambiental do Território pelas indústrias, sendo um dos principais guardiães das nascentes e córregos. Já foi processado e agredido mais de uma vez por isso, sempre recebendo apoio do PPDDH e outros instrumentos afins.
Programa Estadual foi encerrado autoritariamente
O PPDDH, no entanto, foi encerrado pelo governo Paulo Hartung em março de 2017, de forma autoritária, sob a justificativa formal de “falta de interesse público”. O defensor público estadual Pedro Pessoa Temer discorda absolutamente da alegação oficial e reclama, ainda, por uma resposta da Secretaria Estadual de Direitos Humanos sobre seus questionamentos.
Na época, o secretário Julio Pompeu disse que o Programa sofreria uma reformulação e voltaria a funcionar. Mas, passados dez meses, nenhuma data foi anunciada para essa retomada.
Enquanto isso, as vítimas que eram atendidas pelo PPDDH só contam com o Programa Nacional, em Brasília, que não consegue atender com a mesma eficiência. “É evidente que o programa federal não consegue atender da mesma forma que o estadual”, afirma Pedro Temer, citando questões como a distância geográfica e o número de profissionais à disposição das vítimas, além da dificuldade de acesso a telefonia, pela qual passam muitas pessoas que eram atendidas pelo programa estadual – muitas não possuem recursos tecnológicos e financeiros para sequer telefonarem para Brasília e comunicarem as ameaças que sofrem.
O governo estadual, conta o defensor, alega não haver comprovações de que o programa federal não está atendendo a contento, fato que a Defensoria está se empenhando em comprovar, por meio de dados, relatórios e depoimentos. “A nossa luta é para que o Programa retorne”.
Velório
O velório de Evaldo está previsto para acontecer na quarta-feira, a partir das 8h.