Governo assume controle da eleição para o Conselho de Segurança Alimentar
A convocação da eleição para a composição do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Estado do Espírito Santo (Consea-ES) para o biênio 2025-2026, publicada no Diário Oficial desta segunda-feira (3), provocou a exclusão da sociedade civil no processo de reativação do órgão, que está paralisado desde julho de 2024, alertam representantes do Fórum de Segurança Alimentar e Nutricional do Espírito Santo (Fosan-ES).
Eles criticam o formato de condução do processo eleitoral por uma Comissão de Transição, composta exclusivamente por representantes do governo, conforme estabelece o edital publicado pela Secretaria de Estado de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social (Setades), com base na Lei nº 1.109, de 30 de dezembro de 2024, e no Decreto nº 5936-R, de 29 de janeiro de 2025.
Isso significa que, em nenhum momento, a sociedade civil terá participação efetiva na condução do processo eleitoral, limitando-se apenas a inscrever entidades, coletivos e organizações para disputar as vagas, o que contraria a prática histórica de paridade no processo eleitoral do conselho, em que representantes dos grupos sociais tradicionalmente participavam da organização e fiscalização da eleição.
A medida da gestão estadual de Renato Casagrande (PSB) acirra ainda mais os tensionamentos entre o executivo estadual e a sociedade civil, somada à aprovação da lei que rege o conselho e a atualização da Política de Segurança Alimentar e Nutricional do Estado do Espírito Santo (Polisan-ES), ambas também realizadas sem debate público. Essa sequência de atos considerados autoritários, como descreve o o ex-presidente do Consea-ES e coordenador do Fosan, Rosemberg Moraes, representa retrocessos na participação popular em políticas públicas cujos principais beneficiários são populações negras, comunidades tradicionais e grupos vulneráveis.
Para o representante do movimento pela Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), a decisão do governo de excluir a sociedade civil da condução da eleição, gera novos questionamentos sobre a gestão do Consea-ES e o compromisso do Estado com a segurança alimentar e nutricional. Ele avalia que o formato enfraquece a participação popular nas decisões que afetam a segurança alimentar e nutricional da população capixaba. Para ele, a decisão do governo confirma os temores da sociedade civil sobre a falta de diálogo na reconstrução do Consea-ES.
“É aquilo que já imaginávamos, o edital foi publicado sem discussão popular. A Comissão de Transição foi nomeada pela Caisan, eles fazem a mudança da lei, convocam a eleição e vão presidir a eleição da sociedade civil, porém a Caisan não se reuniu para tomar essa decisão, então isso é um ato unilateral da Secretária de Assistência Social”, considera.
Na nova composição, de 20 vagas sociedade civil, seis serão destinadas a povos e comunidades tradicionais e grupos vulneráveis, como refugiados, pessoas com deficiência e LGBTQIAPN+. Três são para representantes de grupos de produtores e comercializadores de alimentos comprometidos com a sustentabilidade ambiental; três para categoria de entidades de ensino, pesquisa e conselhos profissionais que atuam na área e outras três para pessoas com restrições alimentares por motivos de saúde ou outras condições específicas. Organizações da sociedade civil, entidades religiosas, redes e fóruns atuantes pelo Direito Humano à Alimentação Adequada terão cinco cadeiras.
O edital estabelece o cronograma do pleito, aberto a entidades, coletivos, movimentos sociais e
organizações da sociedade civil, que poderão apresentar pedido de habilitação a partir desta segunda-feira (3), até o próximo dia 24 de fevereiro, para a a Comissão de Transição, que definirá os candidatos aptos a participarem da assembleia de eleição. A lista de organizações habilitadas será divulgada até o próximo dia 14 de março e a Assembleia de Eleição acontecerá no dia 20 de março, com a posse do novo pleno do Consea-ES marcada para o dia 10 de abril.
O número de vagas do Consea foi reduzido pelo decreto do governo do estadual no último dia 29, de 36 para 30 vagas, com duas cadeiras a menos de secretarias do governo e quatro a menos da sociedade civil do que no último biênio. Em relação às dez vagas destinadas ao poder público, o fórum também criticou a exclusão de várias secretarias que passarão a participar apenas mediante convite do presidente, e não da mesa diretora, além da substituição de secretarias por institutos sem poder de gestão.
A condução do processo eleitoral do Consea-ES exclusivamente pelo poder público contraria ainda as reivindicações do movimento, apresentadas em um ato político que reuniu diversas organizações da sociedade civil, movimentos sociais, pastorais, conselhos e associações, além de mandatos parlamentares em um “Banquetaço” em frente ao Palácio Anchieta, no último dia 21.
Na ocasião, os manifestantes exigiam a volta do Consea-ES, com a convocação imediata de eleições conduzidas pelo poder público e sociedade civil, e a revisão da Lei Complementar nº 1.109/2024, que reformula a Polisan, criticada por limitar a participação popular na gestão das políticas de segurança alimentar e nutricional do Estado.
Entre as reivindicações apresentadas pelo movimento em manifesto entregue ao governador no dia do ato, estava também a criação de um grupo de trabalho para a nova legislação estadual, que estaria em desacordo com a legislação federal e a realização de reuniões periódicas entre o governo e o Fosan-ES até que o Consea-ES volte a funcionar plenamente. No entanto, as demandas não foram atendidas pela gestão estadual.
Segundo Rosemberg, o Fosan-ES ainda decidirá se participará do processo eleitoral. “As entidades que compõem o Fórum vão se reunir para definir em conjunto, diante de mais essa falta de diálogo, qual será o caminho que iremos tomar. Porque é inadmissível uma reunião de sociedade civil convocada e presidida pelo poder público. Isso é o mesmo que pensar numa eleição de sindicato presidida pelo patrão”, critica. Ele defende que a participação da sociedade civil é crucial para garantir a representatividade e a legitimidade das políticas estaduais diante de um cenário marcado por desigualdades sociais e crises alimentares.