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Frente denuncia violações de direitos humanos no sistema penitenciário

Detentos relatam agressões físicas, alimentação ruim, revista vexatória e problemas de saúde

Agressões físicas, má qualidade da alimentação e revista vexatória são algumas das denúncias feitas pelos detentos da Penitenciária Estadual de Vila Velha I (PEVV I) por meio de uma carta anônima que foi encaminhada à Frente Estadual Pelo Desencarceramento do Espírito Santo. Diante disso, a Frente oficiou a Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), O Ministério Público do Espírito Santo (MPES), a Secretaria Estadual de Direitos Humanos (SEDH) e a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Espírito Santo (OAB/ES).

As denúncias de maus tratos, conforme consta no ofício, aumentaram no final de 2021, mais precisamente após a fuga de 21 detentos da PEVV 1, em três de dezembro. Segundo a Frente, ciente da “responsabilidade do estado do Espírito Santo com a vida das pessoas que estão sob sua custódia, que inclui o acesso digno à alimentação, à saúde e à prevenção e o combate à tortura dentro de suas unidades prisionais”, conta com “encaminhamentos para sanar esta situação”.

A carta que os detentos conseguiram fazer com que chegasse aos integrantes da Frente tem oito páginas escritas a mão. “Narram fatos criminosos, que precisam ser apurados, e as pessoas que o cometem, responsabilizadas. Tem mortes constantemente nos presídios, a comida continua horrível, está vindo em quantidade insuficiente, cheia de água”, diz um dos integrantes da Frente, Fernando Colombi.
Na carta, os detentos relatam diversas agressões por parte dos inspetores penitenciários, como tapas no rosto, além de jogar “gás de pimenta em celas de pessoas que estão sendo tratadas com tuberculose”. Além dessa doença, conforme narrado pelos apenados, há casos, dentro do presídio, de pessoas com Covid-19. “E não estão recebendo a atenção devida com medicação e atendimento médico. Diversos presos estão em condições degradáveis (sic), com corpos esqueléticos devido às diversas doenças que existem aqui no PEVV 1 e devido à falta de atendimento e atenção dos inspetores penitenciários”, denunciam.
Suas famílias, segundo os presos, também passam por violência, uma vez que, ao ir visitá-los e serem revistadas, as mulheres, entre elas, esposas, mães e irmãs, têm que levantar a blusa e mostrar o sutiã. Além disso, conta a carta que os inspetores ficam “falando das partes íntimas das mulheres, insinuando que estão inchadas, mesmo tendo passado diversas vezes pela revista do Boriscam [Body Scan, um aparelho de inspeção corporal]”. Os detentos classificam o tratamento dado às mulheres como “crime de assédio”. Quanto à alimentação, os detentos relatam que a quantidade foi reduzida, “está vindo só água e legumes e não está suprindo a necessidade do nosso corpo”.
No ofício que encaminhou para as autoridades competentes, a Frente trata, em tópicos, de cada uma das denúncias feitas na carta. Em relação à revista vexatória, ressalta que a Portaria de nº 1578, de 2012, que estabelece diretrizes e procedimentos para a realização de revista em visitantes para acesso aos Estabelecimentos Penais vinculados à Secretaria de Estado da Justiça do Espírito Santo (Sejus), veda, em seu artigo 4º, “o uso de espelhos, a prática de agachamento, desnudamento parcial ou total e/ou qualquer outra forma de tratamento desumano ou degradante ao visitante, durante o procedimento de revista”.
A Frente destaca ainda que nessa mesma Portaria consta que a revista eletrônica é a regra, sendo que a revista manual e/ou mediante uso de cães detectores treinados devem ocorrer somente em casos excepcionais em exceções, mas “garantindo-se o devido respeito à preservação da integridade física, psicológica e moral da pessoa revistada”. Diante disso, a Frente reivindica por meio do ofício que as familiares “sejam tratadas com o respeito devido enquanto tiverem exercendo o seu direito à visita”.
No que diz respeito à alimentação, a Frente salienta “a importância de que providências em relação a este assunto sejam tomadas em todo o sistema prisional capixaba, principalmente sobre as empresas dos convênios”. Segundo o grupo, “muito nos preocupa os convênios alimentares estabelecidos pela Secretaria de Justiça do estado do Espírito Santo com empresas como a Serv-Food Alimentação e Serviços Ltda, cujo sócio está sendo denunciado exatamente por utilizar da referida empresa em um esquema de corrupção na Secretaria de Administração Penitenciária do estado do Rio de Janeiro, sendo, tal empresa, inclusive, proibida de contratar com a Administração Pública do referido estado”.
Em relação à saúde, a Frente aponta que esse direito é garantido pela Constituição Federal, pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e pelo marco legal que o regulamenta. Diz ainda que a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional [PNAISP], de 2014, estabelece que é responsabilidade do estado do Espírito Santo, por meio da Secretaria Estadual de Saúde (Sesa), “implantar e implementar protocolos de acesso e acolhimento como instrumento de detecção precoce e acompanhamento de agravos, viabilizando a resolutividade nos procedimentos referentes aos agravos e doenças diagnosticados”.
Também destaca que é responsabilidade da Sejus “considerar estratégias de humanização que atendam aos determinantes da saúde na construção e na adequação dos espaços das 18 unidades prisionais; garantir espaços adequados nas unidades prisionais a fim de viabilizar a implantação e implementação da PNAISP e a salubridade dos ambientes onde estão as pessoas privadas de liberdade; garantir o acesso, a segurança e a conduta ética das equipes de saúde nos serviços de saúde do sistema prisional”.
Por fim, a Frente se pronuncia sobre as agressões físicas e psicológicas. “As denúncias recebidas apontam práticas que, infelizmente, tem se tornado corriqueiras no cotidiano prisional capixaba, o que já foi devidamente encaminhado ao Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT)”, diz.
Familiares confirmam
Familiares de detentos, que não quiseram se identificar, confirmam os fatos narrados na carta encaminhada à Frente. De acordo com eles, houve tempo em que, durante a revista, era preciso somente balançar a blusa, não havendo necessidade de mostrar o sutiã, mas isso mudou. Eles também relatam a falta de respeito com pessoas que estão indo visitar pela primeira vez e não sabem como proceder para entrar na Penitenciária. “As pessoas têm dúvida, mas em vez de esclarecem, os inspetores são grosseiros”, diz uma familiar.
Os familiares também afirmam que, de fato, “a comida é uma lavagem”. “Já serviram arroz com chuchu, e a marmita, no fundo, veio cheia de água. Era impossível de comer. Tem preso que está ‘sumindo’, pois não está comendo”, relatam. Eles destacam que não são autorizados a levar comida para os presos, o que foi possível somente em dezembro passado, por ocasião das festas de fim de ano. “Pudemos levar torta, bolo, barra de chocolate e refrigerante”, conta a familiar de um detento.

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