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Governador se compromete com pautas das mulheres quilombolas e sem terra

Reunião ocorreu após o Ato do dia 8 de março, que reuniu dezenas de coletivos em frente ao Palácio Anchieta

O governador Renato Casagrande se comprometeu a atender as pautas reivindicadas pelas mulheres quilombolas e sem terra, durante reunião realizada dentro do Palácio Anchieta com 22 mulheres, após o Ato de 8 de Março, organizado por dezenas de coletivos de várias partes do Estado.

No centro da mesa de debate, o direito à terra para as famílias quilombolas e sem terra, por meio da titulação dos territórios quilombolas certificados e a reforma agrária, além de pautas correlatas, como incentivo à Agroecologia, acesso à água e combate à violência contra a mulher. 

Em paralelo ao Ato do 8 de Março, a mobilização pela audiência com Casagrande foi organizada conjuntamente pelo grupo responsável pela Jornada de Luta Nacional das Mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pela Comissão Quilombola e as lideranças das comunidades que integram o território quilombola tradicional do Sapê do Norte, entre Conceição da Barra e São Mateus, no norte do Estado.

Leonardo Sá

O primeiro ponto de pauta, tanto de quilombolas quanto sem terras, foi prontamente atendido: o retorno imediato da Mesa de Resolução de Conflitos Fundiários, que foi suspensa em dezembro passado, “sem qualquer justificativa e diálogo com as comunidades”, como assinalam as lideranças femininas. A data da próxima reunião da Mesa foi anunciada pela secretária de Direitos Humanos, Nara Borgo: dia 23 de março.

Integrante da coordenação estadual do MST, Eliandra Rosa Fernandes destaca que o pedido é que essa primeira reunião do ano, após a suspensão inesperada de dezembro, seja presencial. “A secretária Nara Borgo disse que precisava desse tempo [de suspensão de 120 dias da Mesa] para fazer um relatório dos estudos feitos nesse período. Mas não sabemos que estudo são esses nem quais as conclusões. A Mesa foi suspensa sem nenhum diálogo com as organizações sociais. Não podemos mais ficar excluídos das decisões”, enfatiza. 

Além do retorno da Mesa, as lideranças femininas relatam que Casagrande se comprometeu a publicar um decreto para substituir a atual portaria, que cria e estabelece o funcionamento da Mesa de Resolução de Conflitos. “Vai dar mais segurança jurídica para todos”, assinala Josilene Santos, advogada da Comissão Quilombola do Sapê do Norte, acrescentando que também foi solicitado que a Defensoria Pública e o Ministério Público voltem a participar da Mesa e que as reuniões aconteçam em GTs separados, um para a causa quilombola e outro para a causa sem terra. 

Repactuação 

Outra pauta comum aos dois grupos de mulheres foi a repactuação do processo de gestão das ações de compensação e reparação dos danos advindos do crime da Samarco/Vale-BHP contra o Rio Doce, conduzido pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luiz Fux

Foi pedido um posicionamento do governador acerca dos recursos que passarão a vir diretamente das empresas para os governos do Espírito Santo e Minas Gerais, já que a tendência é que a Fundação Renova deixe de existir após a repactuação. 

“Algumas organizações discutem a necessidade de criação de um fundo para que parte desses recursos seja canalizada para o campo, educação, saúde, agricultura familiar e também obtenção de terras”, conta Eliandra.

Segundo as duas lideranças femininas, Casagrande se comprometeu a “acompanhar esse processo” com um olhar para as famílias quilombolas e sem terra. Na Assembleia Legislativa, ressalta Josilene, essa reivindicação foi acolhida pela deputada Iriny Lopes (PT) e outros membros de uma comissão específica sobre o assunto. “As comunidades quilombolas não foram reconhecidas nem incluídas nas ações de auxílio financeiro e indenização”, acentua.

Titulação quilombola

A advogada quilombola ressalta que essa é a primeira vez que as comunidades quilombolas são recebidas pelo governo do Estado, o que, por si só, representa um ganho de visibilidade histórico. Um ganho conquistado com muita luta, claro. “Só fomos recebidas pelo governador porque fizemos uma vigília em frente ao Palácio Anchieta”, expõe.

Leonardo Sá

Os pedidos de audiência vinham sendo feitos desde novembro passado, quando a primeira carta foi enviada, via Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e com reforço da secretária Estadual de Direitos Humanos, Nara Borgo. “Não tivemos resposta para nenhuma delas. Só conseguimos ontem [terça-feira], quando as comunidades quilombolas se uniram ao MST, ao Fórum de Mulheres [Fomes], ao Conselho Estadual de Direitos Humanos [CEDH], à Defensoria Pública Estadual e ao Conselho Estadual de Mulheres”, relata. 

Para todas as pautas, avalia Josilene, o governador respondeu com declarações diretas de comprometimento em encaminhar cada assunto junto às equipes responsáveis. “A gente entende as respostas dele como promessas feitas e fica então a expectativa de que cumpra o que foi acordado ali”. 

Os temas envolveram basicamente o direito das comunidades às terras herdadas de seus ancestrais. Em primeiro lugar, as mulheres retrataram os conflitos que têm ocorrido dentro do território, intensificados desde abril de 2020, quando loteamentos irregulares passaram a ser instalados dentro das áreas certificadas das comunidades em meio aos eucaliptais da Suzano (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose)

“Explicamos a diferença entre as nossas retomadas quilombolas e as invasões e loteamentos. Pedimos um olhar sensível do governador para essas questões, para que ele atue no sentido de retirar essas invasões do território quilombola”, conta Josilene. “A retomada é nosso direito de retomar o que é nosso agora, até que haja definição de titulação definitiva das terras certificadas”. 

Ainda sobre as retomadas, as líderes quilombolas destacaram a necessidade de que a Polícia Militar respeite essas ações legítimas das comunidades. “Somos tratados pela Polícia como se fôssemos criminosos. Consideramos um ato de racismo e violência e cerceamento do direito legal de estar naquele território”. 

A Suzano, sublinha, “não apresenta soluções” para a violência que também decorre da postura dos vigilantes das empresas de segurança patrimonial contratadas pela papeleira. “Pedimos a Casagrande que fale com a Segurança Pública para orientar a Polícia a parar de nos agredir e nos tratar como criminosos. Porque somos nós os verdadeiros donos daquelas terras”.

Grilagem 

Outros fatos relacionados ao direito ao território quilombola tratados na reunião incluem “a lei que trata da concessão de títulos de propriedade de terras devolutas para as comunidades quilombolas” e a ação civil pública movida em 2015 pelo Ministério Público Federal (MPF) exigindo também a titulação das terras certificadas.

A ação (nº 0104134-87.2015.4.02.5003/ES) baseia-se nas investigações feitas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Aracruz, em 2002, na Assembleia Legislativa, que aponta processos de grilagem de terras feitas pela então Aracruz Celulose na região entre os anos de 1973 e 1975. 

Em sentença emitida em outubro passado, o juiz Nivaldo Luiz Dias afirma que “procede o pedido do MPF para que seja declarada a nulidade dos títulos de domínio de terras devolutas que foram outorgadas [à empresa], mediante fraude (…); bem como condenar o Estado do Espírito Santo (…) a titular as terras devolutas que reverteram ao patrimônio público estadual em virtude da declaração de nulidade, ocupadas tradicionalmente por remanescentes das comunidades de quilombos”. Na mesma sentença, o magistrado também acata o pedido do MPF de “condenar o BNDES a não conceder financiamentos à Fibria S/A destinados ao desenvolvimento de atividades nas terras públicas objeto da presente demanda”. 

Em resposta a essas demandas, relatam as lideranças quilombolas, Casagrande afirmou que irá chamar o Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) para levantar e identificar as terras devolutas que estão dentro do território quilombola, para proceder com a devida titulação do que é registrado no órgão como devoluta. 

Já para as áreas hoje em posse da Suzano de forma fraudulenta, conforme afirmam a CPI da Aracruz, o MPF e o juízo da 1ª Vara Federal de São Mateus, a postura política esperada pelas lideranças é que o governador também procure encaminhar os processos necessários para a devida titulação. “Essas terras devolutas em posse de terceiros precisam ser entregues aos quilombolas e aos sem terra”, frisa a advogada.

Leonardo Sá

Água

O acesso à água também foi cobrado. Primeiro, que as famílias que hoje sofrem com falta de água no Sapê do Norte tenham alguma assistência do Estado, já que estão sofrendo as consequências do mau uso do solo pela indústria de celulose, que provocou secamento de nascentes, córregos e lagoas, bem com contaminação de muitos que restaram. Algumas comunidades têm conseguido realizar trabalhos de recuperação de alguns corpos d’água, mas muitas estão em situação mais complicada. 

Em Conceição da Barra, relata Josilene, o governador afirmou que irá conversar com a Cesan [Companhia Espírito-Santense de Saneamento] para que viabilize o abastecimento, seja por carro-pipa ou abertura de poços artesianos. Em São Mateus, será preciso pedir medidas semelhantes ao município, que é quem opera o tratamento de água e esgoto. 

Também foi solicitado que o governo do Estado atue no sentido de proibir novos plantios de eucaliptos pela Suzano em áreas de nascentes e próximo às residências das famílias que vivem no Sapê do Norte. “Sobre isso, Casagrande disse que irá conversar com as equipes técnicas responsáveis, nos órgãos ambientais, o que deve demorar mais tempo para ser implementado”. 

Reforma agrária 

Na pauta específica das mulheres sem terra, a reforma agrária foi o ponto focal, com ênfase também nas terras devolutas. Integrante da coordenação estadual do MST, Eliandra Rosa Fernandes conta que as reivindicações da reunião deste 8 de Março já são conhecidas do governo Casagrande e que, mais uma vez, as promessas de realização foram feitas. 

“Ele não se colocou contra nenhum ponto de pauta. Mas, ao mesmo tempo, a gente tem experiência de pautas que foram para lá, prometidas, mas nunca cumpridas. Por exemplo, as terras patrimoniais e devolutas do Estado. Ele fala que vai conversar com o Idaf e com a Suzano, que tem a posse hoje de muitas dessas terras, mas são promessas que ainda não saíram do papel”, relata, reconhecendo tratarem-se de “temas emblemáticos que estão há muito tempo no governo”. 

Especificamente sobre o Acampamento João Gomes, que está com a ordem de despejo datada para esta semana, Eliandra explica que é um acampamento com dezenas de famílias produzindo alimentos de forma agroecológica, em uma antiga área da Petrobras. 

“Essa área voltou para o governo do Estado. Em tese, seria fácil liberá-la terra para fins de reforma agrária, mas eles alegam que o processo legal jurídico exige que o governo ofereça a terra primeiro aos antigos donos, para eles decidirem se compram ou não de volta”. Enquanto esse processo transcorre, a promessa feita por Casagrande, segundo as lideranças, é de “se empenhar para fazer os diálogos possíveis para não haver o despejo”.

Leonardo Sá

Fórum de Mulheres

As mulheres solicitaram ainda que o governador abra uma agenda para receber o Fórum de Mulheres do Espírito Santo (Fomes), para tratar da violência contra as mulheres e os fechamentos de delegacias especializadas no interior e na capital.

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