O problema principal do atendimento à criança e ao adolescente em conflito com a lei não é a falta de vagas para mantê-los internados, mas sim a falta de trabalho socioeducativo para os infratores que são atendidos em regime semiaberto ou de liberdade assistida. O assunto foi discutido, nesta semana, em reunião extraordinária da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa (Ales), quando foi anunciado por representantes do Governo do Estado que, até 2022, serão instaladas seis novas unidades de semiliberdade, sendo duas em cada ano a partir de 2020.
“Atualmente, são 36 vagas, distribuídas entre Vila Velha e Serra, quando deveríamos ter 240 em todo o Estado. Há poucas vagas de semiliberdade, justamente a espécie socioeducativo mais eficaz”, avaliou o presidente do Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases), Bruno Pereira Nascimento. “O sistema está sendo realinhando para atender a toda política socioeducativa do Estado, além do Iases”, explicou.
Da mesma opinião é a secretária estadual de Direitos Humanos, Nara Borgo. Para ela, não há necessidade de novas vagas de internação, “mas sim de vagas de atendimento à semiliberdade, para que o adolescente possa se desenvolver em sociedade. Não podemos confundir a socioeducacão com o sistema prisional”, explicou. Segundo Borgo, é importante o adolescente não se afastar de sua comunidade, de seu município, e o trabalho deve ser em parceiras com os vários órgãos públicos. “Quando a gente fala de sistema socioeducativo, é importante que todos os atores estejam reunidos”.
Gilmar Ferreira, do Centro de Defesa dos Direitos Humano da Serra (CDDH-Serra), explica que os movimentos sociais continuam se opondo à construção de novas unidades exclusivamente de internação e puxadinhos como forma de ampliar vagas de caráter punitivista no sistema socioeducativo e que também atende aos interesses de empreiteiras. “Consideramos que medidas de meio aberto devam sempre ser a prioridade. Também exigimos o cumprimento da decisão do ministro Edson Faccin, que limitou a superlotação em até 119% e melhorias, pois as atuais unidades continuam sendo análogas a presídios juvenis”.
A decisão liminar do Habeas Corpus coletivo (n°143.988) do Supremo Tribunal Federal (STF) foi conquistada pela Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) em 2018, limitando a taxa de ocupação nas unidades capixabas de internação socioeducativas em 119%. A medida foi direcionada, inicialmente, a adolescentes internos da Unis Norte, localizada em Linhares, que deveriam ser remanejados para o meio aberto (regime de liberdade assistida ou prestação de serviço à comunidade) até que a superlotação da unidade, que variava na ocasião entre 270% a 300%, caísse para 119%. Em seguida, passou a valer para todas as unidades socioeducativas capixabas. Na ocasião, o ministro chegou a dar um prazo de 30 dias para que a decisão fosse cumprida pela Justiça capixaba.
Nara Borgo afirma que o Governo do Estado está cumprindo as determinações procurando não ultrapassar a lotação acima dos 119% determinados pelo STF. Com pouco mais de 700 vagas, atualmente, há 763 adolescentes no sistema educativo e somente a unidade de Linhares está acima dos 119% da ocupação permitida por lei, com 136%, informou, por sua vez, o presidente do Iases.
A defensora pública e representante do Núcleo da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado do Espírito, Adriana Pereira dos Santos, ressaltou que no atendimento socioeducativo “existem muitas medidas a serem feitas, como a profissionalização com qualidade, o atendimento à saúde mental. Nós deparamos com adolescente com problemas de autismo, depressão”, revelou.
Por proposta do deputado estadual Lorenzo Pazolini (sem partido), a Comissão de Defesa da Cidadania e dos Direitos Humanos vai refazer o convite ao secretário estadual de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social, Bruno Lamas, e também convidar a Associação dos Municípios do Estado (Amunes) para participar do debate. Da mesma forma, será reiterado o convite à presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Criad), Alessandra Zardo Venturim, que igualmente não compareceu à comissão.