Mobilização ocorre no dia de novo julgamento no Supremo e após acampamento que reuniu 6 mil indígenas em Brasília
As mobilizações são organizadas pela Comissão de Caciques Tupinikim e Guarani. A ideia é que os indígenas saiam de Aracruz em cinco ônibus com representantes de todas as 12 aldeias do município. Ainda não foi definido o trajeto da marcha, mas os protestos devem ocorrer no entorno da Assembleia Legislativa, na Enseada do Suá.
“A gente quer mostrar para o governo, para os deputados, para todos, o nosso vínculo com a natureza (…) Eles estão pensando no progresso da morte e não da vida. A gente tem que pensar no progresso da vida e fortalecer nossas tradições e costumes”, afirma o coordenador da Comissão de Caciques, José Luiz Ramos.
Os protestos dão sequência à mobilização que começou no dia 22 de agosto, em Brasília, que denunciou a ofensiva anti-indígena do Governo Bolsonaro. Um grupo com mais de 130 indígenas do Espírito Santo participou do acampamento Luta pela Vida, que chegou a reunir mais de 6 mil pessoas. A expectativa era acompanhar a votação do Marco Temporal ainda durante a programação, mas a análise foi suspensa há uma semana e adiada para esta semana.
Com o fim da programação do acampamento, os indígenas de Aracruz retornaram ao Espírito Santo no último sábado (28), mas cerca de mil lideranças de outras partes do país permaneceram em Brasília e ficarão até esta quinta (2). Em plenária, também foi decidida uma mobilização permanente nos territórios indígenas de todo o Brasil até o julgamento do Marco Temporal.
“Em memória a seus ancestrais e encantados, em defesa de seus corpos, terras e territórios, identidade e culturas diferentes, reafirmam a mobilização em defesa da vida”, diz nota da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
As lideranças que permaneceram em Brasília agora estão acampadas na Fundação Nacional de Arte (Funarte), Eixo Monumental. Nessa segunda-feira (30), estudantes indígenas realizaram uma roda de conversa sobre o Bolsa Permanência, auxílio financeiro do governo federal destinado a indígenas e quilombolas que estão na graduação de instituições federais de ensino superior.
Marco Temporal
Nesta quarta-feira (1), o STF analisa uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ. No entanto, a ação tem repercussão geral, servindo de parâmetro para outras decisões no País e só considerando terra indígena aquelas que estavam sob sua posse quando a Constituição Federal foi promulgada, em 1988.
“Eu nasci em 1963 em Olho d’Água [aldeia destruída pela então Aracruz Celulose e depois reconstruída pelos indígenas], onde tudo já era plantio de eucalipto, mas nós já ocupávamos aquele território […] Nós não entendemos o porquê disso. Pra que tem que ter uma lei pra rever nossas terras. O entendimento deles não é o mesmo que o nosso”, destaca José Luiz.
O Recurso Extraordinário (RE) 1017365 estava previsto para entrar em pauta na última quarta-feira (25), mas foi adiada por falta de tempo. Na quinta (26), o relatório inicial da ação foi lido, mas o ministro Luiz Fux, presidente do STF, afirmou que a suspensão era necessária em razão do número de sustentações orais [39] previstas para o caso.
Entidades como a Apib afirmam que a tese é injusta por não considerar as violências e expulsões sofridas pelos povos indígenas até 1988. Na última semana, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), organismo da Organização dos Estados Americanos (OEA), e representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) também se posicionaram contra o Marco Temporal. Francisco Cali Tzay, relator especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, apelou ao STF que rejeite a tese.
“A aceitação desse argumento resultaria em negação significativa de justiça para muitos povos indígenas que buscam o reconhecimento de seus direitos tradicionais à terra e, de acordo com a Constituição, os povos indígenas têm direito à posse permanente das terras que tradicionalmente ocupam”, disse
No Espírito Santo, a decisão pode afetar terras demarcadas em 1998, 2002 e 2008, após intensa luta com a atual Suzano – ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria. A ameaça aos territórios ganha uma proporção ainda maior quando se leva em conta o significado da terra para os povos originários. “A terra é da onde a gente veio e, futuramente, para onde a gente vai. Tem um vínculo com a vida e depois a morte também. É o que mantém a gente vivo, que mantém a nossa saúde. A terra é tudo na vida da gente”, declara o Tupinikim que mora na aldeia Caieiras Velha.