Os relatos de tratamento desumano e degradante nas unidades prisionais do município são constantes e se repetiram na inspeção ocorrida na última quarta-feira (9), o que demonstra que, apesar de ser sistematicamente denunciada, a prática de tortura parece ser institucionalizada nas unidades de Colatina.
Os internos das unidades denunciaram que já houve casos de dedos e braços quebrados à força nas unidades, além do uso excessivo de armamento não letal, principalmente na unidade feminina.
Além disso, também houve denúncia que inspetores penitenciários abrem cápsulas de gás lacrimogêneo e colocam o pó contido no recipiente na comida dos internos.
Enquanto colhiam os depoimentos dos internos do CDP de Colatina, os membros da comissão notaram que a conversa estava sendo ouvida do lado de fora da sala, já que havia uma escuta no local. A prática pode prejudicar os presos, uma vez que as denúncias são feitas em caráter sigiloso.
Por isso, o presidente da comissão, Gilvan Vitorino, ao perceber que os relatos haviam sido ouvidos, comunicou à direção da unidade que, caso acontecesse algo com os nove internos com quem a comissão conversara, o colegiado voltaria à unidade e encaminharia o caso à Polícia Civil.
As inspeções vão gerar um relatório que será encaminhado ao Ministério Público do Estado (MPES) e à Secretaria de Estado da Justiça (Sejus).
Em março de 2015, o Grupo Especial de Trabalho em Execução Penal (Getep) do MPES instaurou procedimento para fiscalizar e acompanhar as denúncias de tortura no CDP de Colatina.
A denúncia que ensejou a abertura do procedimento partiu de um interno que relatou ter levado uma coronhada com uma espingarda calibre 12 e tiros de balas de borracha nas pernas ao dar entrada na unidade.
Tortura
Em 14 de janeiro do ano passado, o interno do CDP Wesley Belz Guidoni, foi encontrado morto na cela que ocupava na unidade. Mais de um ano após a morte, a mãe de Wesley, Necilda Simoura Belz, continua a cobrar providências da Justiça sobre o caso.
A perícia realizada pelo Serviço Médico Legal (SML) do município constatou que havia marcas compatíveis com espancamento no corpo de Wesley, além do pescoço quebrado. Na solicitação de acompanhamento pelo CNJ feita pela mãe de Wesley, ela afirma que o corpo do filho apresentava sinais de tortura, com hematomas; punhos quebrados; estrangulamento; marcas de amarrações nos punhos e tornozelos; queimaduras nas costas, pescoço e coluna; e costelas quebradas.
Wesley havia sido preso quatro dias antes da morte por desacato, resistência à prisão e danos. Durante os quatro dias em que ficou preso, foi levado duas vezes ao Hospital Sílvio Avidos, em Colatina, por estar passando mal. O interno foi encontrado morto na cela em que estava sozinho.
Necilda enviou comunicação para diversos órgãos, como o Ministério da Justiça; o Departamento doe Monitoramento e Fiscalização do Sistema Penitenciário (DMF) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP); a Secretaria Estadual de Justiça (Sejus); e a Defensoria Pública cobrando a solução para o caso.
No documento ela afirma que não tem conhecimento se a Promotoria Criminal de Colatina ofereceu denúncia no inquérito policial que apura a morte de Wesley (o processo corre em segredo de Justiça); se alguém foi detido, mesmo que provisoriamente pelos crimes praticados, já que quatro delegados pediram a prisão de 14 inspetores penitenciários, uma enfermeira e dois diretores do CDP de Colatina; se a Sejus e a Corregedoria do órgão concluíram os procedimentos administrativos que apuram o caso; e se as comissões de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e do Senado concluíram as investigações iniciadas.
Em novembro de 2015, o Departamento doe Monitoramento e Fiscalização do Sistema Penitenciário solicitou que o juiz corregedor dos presídios do Estado, com jurisdição sobre o CDP de Colatina, esclarecesse as providências e medidas tomadas a respeito da morte de Wesley. A mãe do interno também questiona se as respostas foram dadas pela supervisão das Varas de Execução Penal do Tribunal de Justiça do Estado (TJES).
Medidas
Em junho de 2015, 17 inspetores penitenciários foram indiciados pela morte de Wesley. No mês seguinte, a Vara da Fazenda Pública do município determinou que o Estado instalasse câmeras de videomonitoramento no CDP de Colatina. As câmeras deveriam ser voltadas para as celas dos internos, além das demais áreas comuns do presídio e arredores durante 24 horas por dia, sem a possibilidade de desligamento do sistema e garantindo a armazenagem das imagens pelo período mínimo de um ano.
Na denúncia inicial (0013361-92.2013.8.08.0014), a Defensoria Pública cita que uma sindicância realizada pelo órgão entre os anos de 2011 e 2013 coletou indícios de tortura na unidade após o relato de dez detentos. Eles alegaram a ocorrência do “emprego desarrazoado da força física pelos agentes penitenciários, utilização desnecessária e contínua de spray de pimenta, castigos corporais, ameaças, gás lacrimogêneo e de espancamentos na hora das revistas”.
O caso tramita na Justiça estadual desde o final de 2013. Em fevereiro do de 2014, o juiz Menandro Taufner Gomes indeferiu o pedido de liminar pela instalação do sistema de gravação. Entretanto, ele reconsiderou a decisão após a morte de Wesley. Esse fato novo teria revelado, de acordo com o juiz, a negligência do Estado na proteção das garantias dos detentos. Esse episódio está sendo apurado pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara dos Deputados que pediu informações ao Estado em abril de 2015.
“O fato novo, surgiu do lamentável óbito de um detento da Unidade, ao que tudo indica, vítima de assassinato, demonstra assim, indícios veementes de falha ou negligência estatal na realização da Política Penitenciária de proteção aos direitos e garantias individuais de seus custodiados. […] Acrescento, destarte, que em vista aos novos elementos de convicção, tornou-se a meu sentir, imprescindível que o Estado seja compelido em providenciar um sistema de monitoramento eficiente, que permita a gestão do estabelecimento prisional”, narra um dos trechos da decisão.
Necilda também questionou se as câmeras foram, de fato, instaladas e se a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) tomou providencias para combater os episódios de tortura frequentemente denunciados na unidade.