Gestão de Pazolini descumpriu condicionante para despejo ao não fornecer lares dignos às famílias
O juiz de Direito Mario da Silva Nunes Neto, da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde da Comarca da Capital, suspendeu a liminar que havia permitido à Prefeitura de Vitória realizar o despejo das famílias que integram a Ocupação Chico Prego, localizada no bairro do Romão.
A decisão se dá no âmbito da ação de reintegração de posse do imóvel impetrada feita pela gestão do prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) – processo nº 5021609-48.2021.8.08.0024 – local onde funcionou, até 2013, a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Irmã Jacinta Soares de Souza Lima, que foi desativada sob promessa de reforma do espaço, ainda não realizada, passados mais de oito anos.
Na sentença, o magistrado explica que a liminar de despejo havia sido concedida sob uma condição, que não foi cumprida: a “realocação das famílias que efetivamente não possuam moradia”, medida que também foi pedida pela Defensoria Pública Estadual.
Mário da Silva Nunes Neto destaca um trecho da justificativa do própria Prefeitura, de que “não conseguiu promover a desocupação que fora determinada, porque, apesar dos esforços envidados, o estudo de casos das famílias ocupantes do imóvel público em apreço, demonstra que as mesmas não perfazem os requisitos legais para fruição imediata de benefícios habitacionais”. Mas afirma que o não preenchimento dos requisitos observados pela gestão municipal não dá a permissão para que haja “violação aos direitos constitucionais das pessoas que ali se encontram”.
Comentando a decisão judicial, a vereadora Karla Coser (PT), que apoia o movimento das famílias por moradia, exclamou em suas redes sociais: “Vitória da moradia digna!”. E salientou que, “como a Prefeitura não inscreveu as famílias em nenhuma política habitacional e não garantiu o direito da moradia digna a elas, a Justiça suspendeu os efeitos da decisão liminar que autorizava o despejo”.
Audiência de conciliação
A audiência de conciliação designada pelo juiz também foi destacada pela vereadora, por atender a um “pedido de todo mundo e [que] nunca foi acolhido pelo Prefeito”. A orientação do magistrado é para que a audiência seja realizada pelo Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), contando com “representantes do Município de Vitória, Ministério Público, Defensoria Pública, dos demandados (no máximo três ocupantes) e do Estado do Espírito Santo”, sendo que esse último poderá participar caso se interesse em apoiar as famílias incluindo-as no programa habitacional “Nossa Casa”, consulta que será feita pela comarca.
A sentença também aborda a alegação de “grande probabilidade de haver risco estrutural” no imóvel, feita pelo prefeitura para justificar sua imediata desocupação. “Não ignoro [a alegação] (…), porém inexiste prova nesse sentido, não bastando para tanto tão somente a informação de que seria demolido para que outro fosse construído em seu lugar”.
Assim, o juiz determinou também que seja feita uma vistoria da Comissão Permanente de Vistoria do Município de Vitória (Copev) em todas as dependências do imóvel, para emissão de um relatório que deverá ser acostado aos autos do processo em até quinze dias.
Retomada da luta por moradia
A Ocupação Chico Prego no prédio da Emef Irmã Jacinta Soares de Souza Lima é formada por 21 famílias, totalizando mais de 50 pessoas, incluindo crianças e idosos. Teve início em setembro de 2021, marcando a retomada do movimento de luta por moradia na Grande Vitória, interrompido pela pandemia de Covid-19.
Inicialmente provocando estranheza dos moradores do bairro, a ação logo recebeu o apoio da comunidade, que participou de mutirões de limpeza, atividades infantis, torneio de futebol, construção de horta comunitária e outras ações.
No final de outubro, apesar da Lei 14.216/21, que impedia despejos até 31 de dezembro de 2021, a Ocupação Chico Prego foi ameaçada de reintegração de posse.
No documento de reintegração de posse, consta que em 2020 o município se tornou proprietário do imóvel mediante doação feita pela gestão estadual, cabendo à prefeitura demolir o prédio e construir uma nova sede da escola no prazo de cinco anos. Diz ainda que a Secretaria Municipal de Educação (Seme) “vinha realizando adequações no imóvel desde janeiro, com a construção de muro, estrutura para posto vigilante, e estava aguardando a ligação de energia da EDP, não se podendo afirmar que o imóvel estava arrombado”.
A militante do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) no Espírito Santo, Rafaela Regina Caldeira, relata que, entre as pessoas da ocupação, somente três ou quatro trabalham, mas ganham um salário mínimo. As demais, informa, estão desempregadas e muitas delas nem sequer recebem Bolsa Família. De acordo com ela, foram protocolados três ofícios na prefeitura em busca de diálogo, mas sem que houvesse abertura da gestão de Lorenzo Pazolini para isso. “Estamos em um prédio que estava há oito anos sem cumprir sua função social. Agora a prefeitura diz que estamos impedindo a obra, mas ela nem começou”, critica.