sábado, novembro 23, 2024
23.9 C
Vitória
sábado, novembro 23, 2024
sábado, novembro 23, 2024

Leia Também:

Juventude negra capixaba vai às ruas contra racismo e extermínio

Apesar da chuva, marcha mobilizou centenas de pessoas nos bairros do Território do Bem, em Vitória

Pela décima quarta vez, a Marcha Contra o Extermínio da Juventude Negra marca o 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, no Espírito Santo. Apesar da chuva e da pandemia, mais de 500 pessoas compareceram ao ato, que no final da tarde deste sábado percorreu as ruas de diversos bairros da região do Território do Bem, em Vitória.

“Nossa missão hoje é falar para além de nós. Hoje a gente quer dialogar com as casa desse território. A gente sabe que a fome, a bala da política, o desemprego e o vírus tem endereço certo e o endereço e a casa de nós que somos mais pobres”, disse ao microfone Ana Paula Rocha, do Círculo Palmarino, uma das diversas entidades que apoiaram o ato, tradicionalmente construído a partir do Fórum da Juventude Negra do Espírito Santo (Fejunes).

“A existência do Fejunes possibilita a formação política, crítica, cidadã, que muitas vezes o jovem não acessa dentro da escola pública. É um espaço para a juventude se encontrar e pensar novas possibilidades que infelizmente às vezes as políticas públicas não nos proporcionam”, disse Filipe Lima, atual presidente do fórum.

Leonardo Sá

Tradicionalmente, a marcha acontece no Centro de Vitória, mas este ano a opção foi levar às comunidades, passando por Gurigica, Jaburu, Consolação, Floresta, Bonfim, Bairro da Penha e Itararé. Uma van seguia à frente com o som, seguida de uma sequência de pessoas e guarda-chuvas coloridos, subindo e descendo ruas estreitas e trazendo discursos, músicas e poesias apresentadas por jovens negros refletindo a realidade de suas vidas e os impactos do racismo, da pobreza e das ações policiais violentas.

Gritos como “a juventude negra quer viver, “povo negro unido é povo negro forte”, “fora Bolsonaro” e “eu quero o fim da Polícia Militar”, ecoaram pelas ruas que conectam os bairros, onde a despeito do estigmas, criminalização e altos índices de violência, os movimentos comunitários e de juventude se fazem presentes e atuantes na luta por justiça social.

“Tínhamos muitas expectativas em dialogar com a periferia. A gente acha que deu conta do recado. A chuva atrapalha mas costuma chover sempre no mês de novembro, que é quando ocorre o ato”, disse Ramon Matheus, diretor do Fejunes e presidente do Conselho Estadual de Juventude (Conjuve).

Desmonte das políticas públicas

Ela aponta que está em curso no país um desmonte das políticas públicas. “Mesmo quando tivemos maior investimento em políticas de direitos, não tivemos uma diminuição drástica do índice de violência. Mas nesse momento em que as políticas de direitos humanos e promoção da vida estão sendo destruídas, isso vai incidir de maneira muito mais intensa para a juventude negra”

Filipe vê em questões como alimentação, educação e emprego alguns dos maiores desafios atuais para a juventude negra e periférica no Brasil. No Espírito Santo, ele vê avanços como o início da implantação de Centros de Referências das Juventudes (CRJs) em vários municípios a partir do governo do Estado, mas critica o abandono do equipamento pioneiro dessas políticas por aqui, o CRJ de Vitória, de responsabilidade da prefeitura, atualmente fechado e com obras inacabadas e sem previsão de reabertura. Porém, o presidente do Fejunes cobra melhores políticas de inserção no mercado de trabalho e também se mostra preocupado com os impactos da reforma do Ensino Médio e falta de novos concursos para o magistério.

“Basta do Estado nos matar. Não queremos mais mães pretas chorando toda semana por seus filhos, as mulheres sendo mortas dentro de casa por seus companheiros, que pessoas sejam condenadas por sua forma de amar, por seu corpo e por sua forma de viver”, protestou Ana Paula, que falou da necessidade de “dar nome aos bois”, apontando a responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), do prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos), e do governador Renato Casagrande (PSB) e do Coronel Ramalho, atual secretário de Segurança Pública do Estado, estes dois responsáveis por comandar a Polícia Militar, que executa diversos operativos questionados por comunidades, inclusive no Território do Bem.

Branco sai, preto fica


Sobre a data, Édson Bonfim, do Quilombo Raça e Classe, lembrou que nesta ano marca-se 50 anos do início das comemorações da data de morte de Zumbi dos Palmares como Dia da Consciência Negra, a partir da sugestão do poeta e professor gaúcho Oliveira Silveira, do Grupo Palmares.

A iniciativa alcançou repercussão nacional a partir do movimento negro, questionando o 13 de maio, data da abolição da escravatura, que até então era uma data comemorativa no país. Assim questionou-se tanto o significado do pós-abolição, que não representou de fato inclusão do povo negro, enfrentamento ao racismo e redução significativa das desigualdades. Também substituiu a figura de Princesa Isabel, uma monarca branca, como protagonista dessa luta por liberdade, exaltando em seu lugar Zumbi, líder que organizou o maior quilombo do país, como um símbolo de resistência.

Outra lembrança feita durante a marcha foi do militante Lula Rocha, falecido em fevereiro deste ano por complicações de saúde. Atuante no movimento negro, de direitos humanos e em diversas causas sociais ele foi um dos fundadores do Fejunes e um dos principais articuladores da marcha em suas primeiras edições. “Saudemos a memória desse guerreiro que dedicou sua vida à luta contra extermínio da juventude negra. É a primeira marcha sem Lula Rocha e vamos seguir marchando até derrotar fascismo, o racismo e machismo”, disse Ana Paula Rocha, sua irmã, que participou do ato junto ao irmão Winny e os pais Isaías Santana e Maria da Penha Silva.

‘Nada para nós sem nós’

Numa das falas do ato, a educadora social Djuly Karla, do Fórum da Juventude do Território do Bem, lembrou uma máxima que vem sendo repetida na luta dos jovens: “Nada para nós sem nós”. “Nada para a juventude sem a juventude. Não queremos nada sem dialogar com a gente, dialoguem, conversem com o fórum de juventude e os demais coletivos. Esse território está precisando de um alerta, porque a gente está morrendo, a juventude negra está morrendo. Dizemos chega, chega de extermínio!”, disse antes de puxar o tradicional funk Rap do Silva: “Era só mais um Silva que a estrela não brilha / Ele era funkeiro, mas era pai de família”, cantando junto ao coro.

Filipe lembrou o esforço de jovens de diversos municípios para construir a marcha coletivamente, apesar da dificuldade financeira de muitos. “Sempre escutei: neguinho, isso não vai dar certo nunca. Mas deu. A gente tá aqui, a juventude pode, a periferia pode, a luta continua!”

Mais Lidas