Vereadora de Vitória também afirmou em audiência pública que apresentará projeto de lei sobre o tema
A vereadora de Vitória Karla Coser (PT) solicitará à gestão do prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) a desafetação do prédio onde está a ocupação Chico Prego, no Centro da cidade. Karla também apresentará um projeto de lei sobre o tema para ser analisado e votado na Câmara Municipal.
Esses foram os principais encaminhamentos da audiência pública sobre a desafetação do prédio, realizada na noite dessa terça-feira (27), na Câmara. Além disso, a vereadora informou que questionará, em ofício à prefeitura, qual é o critério para o pagamento de aluguel social e auxílio-moradia no município, bem como o valor pago.
Outro questionamento será a respeito da existência ou não de apartamentos vazios no Residencial Santa Cecília, prédio localizado na região do Parque Moscoso, que foi reformado e destinado a famílias de baixa renda, em 2022.
“As famílias da ocupação Chico Prego são lutadoras, porque compreenderam, desde 2017, que têm direito de ocupar esses espaços”, discursou Karla Coser, citando também o projeto de lei em tramitação da Assembleia Legislativa que resulta na criminalização das ocupações.
A desafetação diz respeito à transformação da destinação de atividades que podem ocorrer no espaço. Com esse procedimento, a finalidade do prédio poderia ser trocada de algo vinculado à educação para um local destinado à habitação de interesse social às famílias da Chico Prego.
Isso porque, anteriormente, o imóvel abrigou a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) São Vicente. Abandonado a partir de 2021, passou a abrigar 40 famílias da ocupação em março de 2023 – atualmente, 15 famílias ocupam o prédio.
Durante a audiência, Gustavo Minervino, o advogado da ocupação, explicou que a desafetação precisa ser feita por meio de um projeto de lei da Câmara ou de um ato administrativo do Poder Executivo. Ele também apresentou um histórico da ocupação do prédio, que teve uma ordem de serviço para se transformar em um centro cultural a partir de 2014, objetivo que nunca se cumpriu.
“Aquele bem já está desafetado desde 2014, inclusive com orçamento público não executado. Cheguei a essa tentativa de solução diante da dificuldade de solucionar junto ao ente municipal. A última petição da prefeitura [no processo de reintegração de posse] foi para colocar as famílias, de fato, na rua, sem nenhuma solução”, relatou Minervino
O advogado destacou, ainda, que 90% das famílias da Chico Prego são representadas por mães solo. Ele também reclamou do fato de a prefeitura nunca ter apresentado a lista atualizada dos beneficiários de moradia em Vitória, e que, após os seis meses de aluguel social pagos entre 2022 e 2023, as famílias ficaram sem mais alternativas de moradia.
“Caso aquele prédio for desafetado, vamos fazer história na região Sudeste. Porque, hoje, nós temos políticas públicas federais que dão preferência para pessoas habitam o imóvel. O fato de as famílias estarem ocupando o prédio cumpre a função social da propriedade”, completou.
Representando as famílias da ocupação Chico Prego, Rafaela Caldeira também discursou na audiência. “Quando o Minervino surgiu com essa possibilidade, acendeu uma grande esperança para nós. Porque prédio, tem. Dinheiro a gente vai atrás. Às vezes, o que está faltando é uma oportunidade, uma chance de resolver o problema. Não queremos muito, não queremos manchar a imagem de nenhum prefeito ou secretário. Só queremos um lar”, afirmou.
A audiência também contou com a fala de Ivan Rocha, da Associação Onze8, assessoria técnica em arquitetura e urbanismo que realizou uma vistoria na ocupação e elogiou a forma como os ocupantes têm administrado o imóvel. Ele também citou a possibilidade de haver atividades para geração de renda no espaço, como comercialização de produtos, como acontece em outras ocupações no Brasil.
“A governança da Chico Prego é diferenciada. O espaço está limpo, organizado, e as pessoas têm consciência e preservam o patrimônio histórico. As ligações de água e energia estão estáveis, dentro do possível. Também existem regras na ocupação: não pode chegar depois das dez da noite, não pode ter consumo de drogas. Seguem os princípios do MNLM [Movimento Nacional de Luta por Moradia]”, contou Ivan.
A Prefeitura de Vitória foi representada pelo subsecretário de Habitação, Tiago Benezoli, e a gerente de Programas Habitacionais, Marcela Scalzer Delboni, que apresentaram as ações da administração municipal relacionadas à moradia.
“Eu ainda não estava na pasta na época do acordo com a Chico Prego. Mas o município não está alheio à ocupação e, pelo que eu tomei conhecimento, fez tudo o que estava acordado, inclusive mantendo o aluguel social por período superior aquele que foi acordado para algumas situações específicas”, defendeu o subsecretário.
Trajetória da ocupação
A ocupação Chico Prego teve início em 2016, quando as famílias ocuparam a Fazendinha, no bairro Grande Vitória. Depois, a Casa do Cidadão, em Maruípe. De lá, seguiram para o prédio do Instituto de Aposentados e Pensionistas da Indústria (IAPI), na Praça Costa Pereira, abandonado há décadas em pleno Centro de Vitória, bairro que passou a ser o principal ponto das ações dos movimentos de luta por moradia.
As famílias foram retiradas do prédio para que fosse reformado e destinado ao Programa Minha Casa, Minha Vida – Entidades, o que acabou não acontecendo devido aos cortes do governo federal durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL) a subsídios para a faixa mais baixa de renda do programa.
Do IAPI, as famílias seguiram para outras ocupações no Centro, a mais longa no edifício Santa Cecília, no Parque Moscoso, onde ficaram por mais de dois anos, até o local ser desocupado também com intuito de ser transformado em moradias populares. Porém, uma medida legal vinculou a saída das famílias ocupantes a uma solução, ainda que provisória, para sua condição de déficit de moradia. As famílias, então, tiveram um ano de aluguel social, embora afirmem que a promessa de cursos de capacitação para reinserção no mercado de trabalho não foi cumprida.
Entre abril e agosto de 2022, enquanto ocupavam a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Irmã Jacinta Soares de Souza Lima, no Morro do Romão, as famílias acamparam em frente à Prefeitura de Vitória. Começaram o acampamento determinadas a finalizar somente após serem recebidas por Lorenzo Pazolini (Republicanos) e com garantias de que seriam encaminhadas para um abrigo, conforme decisão do juiz Mario da Silva Nunes Neto, que, em decisão posterior, reconheceu que não houve cumprimento das condicionantes por parte da administração municipal.
Foi um período marcado por falta de diálogo por parte da gestão, que se recusava a receber os manifestantes e, em uma ação ilegal, chegou a enviar viaturas e guardas da Ronda Ostensiva Municipal (Romu) para a escola Irmã Jacinta, para efetuar o despejo das famílias, já que parte delas ficava na unidade de ensino enquanto outras estavam no acampamento.
O acordo que deu fim ao acampamento estabeleceu que, durante o período de seis meses, seria destinado o valor de R$ 600 mensais a cada uma das famílias como aluguel social. Também foi acordada a garantia de matrícula das crianças e adolescentes na escola e a realização de cursos de qualificação profissional. Entretanto, o benefício acabou em março de 2023, e por isso as famílias decidiram ocupar o prédio no Centro de Vitória.