Taíza agora luta por cuidadores e terapia pelo SUS para os filhos. Coletivo convoca para novo protesto na Serra
Depois de contar o drama que vivencia devido à falta de cuidadores nas escolas dos filhos em Século Diário, Taíza Amorim Soeiro Lopes conseguiu o emprego que reivindicava: cuidadora de crianças com deficiência em seu próprio bairro.
Chamada no início do ano para trabalhar em uma escola de Vila Velha, Taíza explicou à reportagem a impossibilidade do deslocamento diário e conseguiu uma vaga perto de casa dois dias após a publicação. “Eu acho que eles viram minha situação na matéria e decidiram me achar”, conta, satisfeita, com a renda fixa obtida.
Agora, conta, “faltam cuidadores para os meus filhos e conseguir as terapias que eles precisam fazer, pelo SUS [Sistema Único de Saúde]”, afirma, referindo-se à fonoaudiologia, terapia ocupacional e outros tratamentos que possam ajudar no desenvolvimento cognitivo dos meninos, um de três e outro de nove anos.
“Estou esperando vaga de fono na Apae [Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, rede de entidades que recebe recursos públicos para o atendimento gratuito de crianças e adolescentes com deficiência]. No posto de saúde daqui a fonoaudióloga não atende autista, ela fala que não sabe lidar com criança autista. E o neurologista é muito grosso com as crianças e com as mães. As famílias não querem mais consultar com ele”, lamenta.
Apenas o filho menor está indo para as aulas presenciais com certa normalidade, pois seu autismo é menos grave. Estudando na mesma escola em que a mãe trabalha – o Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Annodina Scarton Nunes, em Praia Grande/Fundão – o pequeno está sob constante risco devido à falta de cuidador, explica Taíza.
“Ele está ficando sozinho na sala. Daí ele sai da sala e a professora não vê. Pode acontecer alguma coisa, ele tem problema nos ossos, se cair, pode quebrar. Tinha que ter uma cuidadora para manter ele na sala de aula”, roga. Também falta professor de Educação Especial. “A escola não tem e na Apae ainda não começou”.
A escola tem outra criança autista e uma cadeirante, que não está indo porque está sem cuidador. “E a gente sabe de cuidadora que fez a inscrição, está desempregada precisando trabalhar. Por que não chamam logo essas cuidadoras? As crianças estão precisando!”, pede. No CMEI, Taíza presta assistência a duas, às vezes três salas. “Só tenho eu de cuidadora na escola”, diz, tentando transmitir a correria que é o dia a dia escolar devido à ausência de outros profissionais como ela.
O filho mais velho, que tem autismo mais severo, estuda numa escola estadual, a EEEF Virgínio Pereira, em Nova Almeida, na Serra, bairro vizinho. Lá tem mais de 15 crianças sem cuidador, a maioria sem estudar, como o filho de Taíza.
A única atividade que ele consegue ter acesso é a Educação Especial, feita três vezes na semana por uma hora cada. “O pai dele sai do trabalho para levá-lo na escola e fica lá esperando terminar. A consulta com o médico para dar o laudo necessário para ter um cuidador no transporte escolar está marcado para abril”, explica.
A alimentação é outro obstáculo. O leite especial recomendado pelos médicos, custa mais de R$ 50 a lata, sendo que na casa de Taíza seriam necessárias quase seis latas por mês, um custo que a família não tem condições de arcar. “Se a gente consegue consulta com nutricionista da prefeitura, consegue pegar o leite de graça, mas aqui em Praia Grande não tem nutricionista”.
Palácio Anchieta
A falta de acesso à escola e aos serviços de saúde especializados por parte de crianças e adolescentes com deficiência é um problema crônico em todo o Espírito Santo, assim como no Brasil. Buscando uma solução efetiva para a demanda, o coletivo Mães Eficientes Somos Nós realizou neste mês de fevereiro mais uma grande mobilização para forçar um diálogo com os gestores públicos.
No dia 14, um grupo de mães e seus filhos iniciaram um acampamento no Palácio Anchieta, reivindicando uma reunião com o governador Renato Casagrande (PSB) e os secretários estaduais de Saúde, Nésio Fernandes, e Educação, Vitor de Angelo. O encontro aconteceu ao final do quinto dia de mobilização e foi comemorado pelas mulheres, como um momento importante de visibilidade na luta pelos direitos das pessoas com deficiência.
Foram criados dois grupos de trabalho, para tratar de saúde e educação, cada um com três representantes do governo do Estado e três representantes do coletivo. As reuniões serão quinzenais, sendo a primeira marcada para esta quinta-feira (3), sobre saúde. E a cada 45 dias, haverá reuniões com o governador.
Mas ainda não foi feita nenhuma melhoria efetiva no dia a dia das famílias. A contratação dos cuidadores em número compatível com a demanda continua sem solução, devido à falta de interesse dos convocados em assumir o cargo, explicou o secretário de Educação, Vitor de Angelo. Um número maior de consultas com médicos especializados deve começar a valer a partir deste mês de março, segundo informou a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa).
Bulling e tentativas de suicídio
Tragicamente, a persistência da situação de escassez múltipla de profissionais foi apontada pela família como um dos fatores que levou uma criança de dez anos a tentar suicídio por não suportar mais o bulling que sofria na escola.
Na próxima sexta-feira (4), o coletivo organiza um “ato de protesto contra os sofrimentos e apagamento social dos estudantes com deficiência nas escolas municipais e estaduais”. Será feita uma caminhada da Secretaria de Educação da Serra até a prefeitura, aberta à participação de todos os movimentos sociais e pessoas que apoiam a luta pelos direitos das Pessoas com Deficiência (PCD).
“Na semana passada duas crianças da rede municipal de ensino, em um único dia, tentaram suicídio devido aos sofrimentos causados por bulling dentro de escolas. A sociedade e o poder público não podem mais ‘fechar os olhos’ para estas graves situações. Nós pedimos socorro! Tragam seus cartazes, faixas ou qualquer outra forma de apoio à nossa luta. E venha de preto”, pedem as mães.
Ao final do ato, anunciam, “será protocolado um documento direcionado ao gestor municipal com um pedido de socorro e solicitando ações conjuntas com o Estado para a erradicação do apagamento social dos estudantes com deficiência nas escolas municipais e estaduais”.
‘Não se trata crianças e adolescentes autistas apenas com neuro e psiquiatra’
Criança autista tenta suicídio por sofrer bulling na escola
https://www.seculodiario.com.br/direitos/crianca-autista-tenta-suicidio-por-sofrer-bulling-na-escola