Caso ocorreu nessa quarta-feira, quando o filho autista passou por um surto psicótico
Uma moradora do bairro Bela Aurora, em Cariacica, denuncia um caso de maus-tratos em uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), nessa quarta-feira (1). Após um surto psicótico do filho de 13 anos, autista, o serviço foi acionado, mas profissionais responsáveis pelo atendimento não teriam feito a abordagem adequada, desferindo tapas, gritos e ameaças ao adolescente. A mãe registrou um boletim de ocorrência na Polícia Civil.
A ambulância estava a caminho do Hospital Estadual Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves (Himaba), em Vila Velha. Andreia Felix dos Santos, mãe do adolescente, diz que os atendentes bateram na criança com uma prancheta, deram tapas na cabeça e jogaram álcool no rosto do adolescente, ameaçando jogar nos olhos também.
“Quando colocaram na ambulância, achei que iriam aplicar alguma medicação, fazer algum procedimento, mas estavam maltratando. Quando eu entrei, ele já estava com os pés e as mãos amarrados, porque realmente estava agitado, mas estavam até ameaçando de morte, aí eu falei que estava errado”, conta.
A mãe questionou o tratamento que dado ao filho, perguntando se não havia nenhum tipo de treinamento para esses casos. “Um deles respondeu dizendo para ligar para o Samu, porque esse era o procedimento mesmo, e falando que ainda estava calmo”, descreve.
Andreia afirma que todo o trajeto foi marcado por gritos e ameaças por parte dos profissionais, que já chegaram ao local estressados. “Um deles já chegou ignorante, dizendo que odiava pegar caso de psiquiatria e que, nesses casos, tinha que bater mesmo. A gente só teve paz quando entrou no Himaba”, relata.
A moradora de Cariacica afirma que o filho também ficou marcado com tinta porque, ao longo do trajeto, os atendentes pressionavam uma caneta na barriga do adolescente. Ela diz que nunca tinha passado por uma situação parecida. “Eu fiquei horrorizada, porque achava que eles tinham algum tipo de treinamento, um curso, para essas situações. Tem que ter uma investigação desses casos, porque você já está em uma situação que não queria estar passando, e ainda acontece isso”, aponta a mãe, que registrou um boletim de ocorrência online sobre o ocorrido.
Ryan ainda está internado no Himaba. O coletivo capixaba “Mães Eficientes Somos Nós”, que luta pela inclusão de crianças com deficiência, repudiou o caso. A fundadora e coordenadora-geral do grupo, Lúcia Mara Martins, define a situação como absurda.
“É um caso chocante para gente que lida com direitos humanos, com o direito da criança e do adolescente com deficiência. Para gente, que convive com essa realidade na pele, que temos filhos com deficiência e que algum dia também poderia estar em situações como a do Ryan, é chocante”, reitera.
Apesar de ter ficado horrorizada com a situação, Lúcia afirma que este não se trata de um caso pontual. Ela conta que uma pesquisa realizada com mães do coletivo, identificou uma série de relatos sobre a falta de preparação de profissionais quando vão atender pacientes em surto.
“Um surto é um processo de adoecimento mental de uma pessoa e é uma questão recorrente na criança que tem alguma deficiência, que tem autismo. Em muitas dessas crianças, algum gatilho desencadeia essa questão do surto (…) O profissional tem que estar ali preparado para atender essa pessoa”, enfatiza.
Lúcia lembra o caso de uma senhora que foi agredida por policiais em Guarapari durante um surto. Na ocasião, um vídeo mostrava os agentes de segurança desferindo socos, joelhadas e tapas na idosa que sofre de transtornos mentais.
“Nós vimos, há alguns meses, que quem não estava preparada era a Polícia Militar. Desta vez, o próprio profissional da ambulância, que deveria estar preparado, que deveria ter condições, uma formação, para lidar com esses casos, está fazendo isso. Essa criança foi torturada dentro de uma ambulância do Samu. Isso é inadmissível”, protesta.
Ela ressalta que medidas judiciais precisam ser acionadas para combater esse tipo de situação. “A gente não aceita, não pode naturalizar que pessoas com deficiência, ou em situação de adoecimento mental, tenham este tipo de tratamento pelo Estado, que tem o dever, a obrigação, de garantir a saúde para essas pessoas, que tem o dever de garantir o cuidado pra essas pessoas com prioridade”, enfatiza.