Reuniões ocorrem há um ano no Palácio Anchieta. Escuta mais qualificada dos gestores é o principal resultado
“O reconhecimento de que temos grandes possibilidades de avanço com esse governo nos faz estar presentes nessa mesa”. A fala resume o clima de encerramento da primeira reunião do ano realizada no Palácio Anchieta entre o Coletivo Mães Eficientes Somos Nós (MESN) e o governador Renato Casagrande (PSB), juntamente com os secretários de Estado da Educação, Vitor de Angelo, e da Saúde, Miguel Paulo Duarte Neto, ocorrida nessa quinta-feira (23).
Dita por Waleska Timoteo, coordenadora do coletivo em Vitória, foi uma resposta a um pedido do governador para que as mães entendam as dificuldades do governo em atender com mais rapidez e eficiências as demandas apresentadas.
“Acolho as críticas que vocês fazem, aos nossos erros, é bom. Eu não respondo algumas coisas, porque tenho sensibilidade com a realidade de vocês. Eu reconheço as dificuldades de vocês, mas vejo pouco reconhecimento por parte de vocês das dificuldades do governo. Mas é um processo de construção que nós estamos fazendo. Eu quero fazer esse registro para que a gente possa fazer um debate humilde e não arrogante. São problemas graves, a vida de vocês tem muitas dificuldades e eu me coloco numa posição de ouvir. Estamos tentando resolver e tenho plena convicção que nós vamos dar passos adiante”, disse Casagrande, após quase duas horas de um debate intenso, diante de uma pauta extensa e que vem se arrastando há um ano, desde o início do processo de diálogo.
Em resposta, Waleska pontuou que era preciso discordar da falta de sensibilidade das mães. “Nós temos essa sensibilidade, tanto que em vários momentos tem coisas que nós discordamos, mas decidimos, não, não é o momento de criticar, de cobrar, vamos nos silenciar, observar, oportunizar, levar para uma reunião. Acreditamos que essa gestão tem potencial e acredita na necessidade de levar ao povo o seu direito de serviço público de qualidade. Mas muitas vezes, o que parece falta de sensibilidade nossa em relação às dificuldades do governo, é pelo tamanho da nossa angústia. Às vezes uma mãe fala com uma lágrima no olho porque não consegue mais segurar a lágrima e, às vezes, o tom de grito é porque cada uma tem a sua história de construção social, mas a sensibilidade e credibilidade que a gente tem pelo governo é de todas”, afirmou, seguida de um consentimento implícito das presentes de que a posição é de fato coletiva.
De fato, um ano depois do AcampaPalácioAnchieta, o acampamento de cinco dias realizado na sede do governo estadual por dezenas de mães e seus filhos, e das periódicas reuniões realizadas que se seguiram com o governador e seus secretários de Saúde e de Educação, o maior resultado concreto alcançado é certamente uma escuta mais qualificada por parte dos gestores. E isso, importante ressaltar, não é pouca coisa. As gravações das reuniões publicadas nas redes sociais do coletivo mostram esse avanço.
É claro que as demandas das mães de crianças e adolescente com deficiência são urgentes e tocam em direitos básicos que são negados diariamente, por isso a expectativa é sempre por um resultado mais imediato possível. Historicamente, no entanto, como já foi dito aqui, as pessoas com deficiência (PCDs) são “as mais invisíveis entre os invisíveis” e, quando quem luta por elas são mulheres humildes e periféricas, a visibilidade para suas pautas não costuma alçar degraus entre os gestores públicos. Assim, uma escuta mais qualificada e empática por parte do primeiro escalão de um governo estadual é um resultado a ser celebrado.
O desdobramento da escuta qualificada em resultados práticos nos sistemas de Saúde e Educação, infelizmente, é um pouco mais lento, mas se mostra promissor. No balanço desse primeiro ano de construção conjunta com o governo, as mães primeiramente mostraram as mesmas antigas demandas: faltam cuidadores e professores de Educação Especial nas escolas; faltam médicos especializados no Sistema Único de Saúde (SUS); falta respeito por parte dos trabalhadores do transporte público em relação às especificidades das mães e seus filhos. “A gente é chamada de repetitiva, que sempre diz a mesma coisa, mas é que nada mudou”, reclamou uma mãe.
Diante do repúdio e indignação, coube aos secretários e outros gestores presentes, em seguida, esclarecerem os motivos das estagnações e apresentar novas soluções que, efetivamente, atendam às necessidades.
Cuidadores e professores
O secretário Vitor de Angelo explicou que o Estado tramita com uma proposta de aumento do salário do cuidador de estudante com deficiência, de forma que fique equiparado ao que é pago atualmente pela Prefeitura da Serra, já que a Sedu observou uma dificuldade maior em conseguir o efetivo necessário de cuidadores nesse município, que tem o melhor salário e o melhor tíquete-alimentação no Estado. “Eu estou entendendo, como hipótese, que essa pode ser uma das razões de fuga dos cuidadores da rede estadual para a prefeitura”, disse.
A proposta, emergencial, de aumento do salário, está na pauta da Comissão Estadual de Finanças da Assembleia Legislativa, que se reúne quinzenalmente, e deve ser em breve formalizada, assegurou. Num segundo momento, uma empresa pública é quem cuidará das contratações de cuidadores, segundo orientação dada pela Secretaria de Estado de Gestão e Recursos Humanos (Seger) e a Procuradoria Geral do Estado (PGE).
O concurso público solicitado pelas mães não é aceito pelo governo, mas o coletivo entende que a contratação via empresa pública já vai representar um avanço. “Vai oferece alguns benefícios no crescimento da carreira, que também pode ajudar a atrair esses profissionais”, avalia Waleska.
A falta de professores da Educação Especial, segundo o secretário, será solucionada depois que o diagnóstico definido pela Sedu junto com o Coletivo for aplicado nas escolas. Aprovado em dezembro passado, ele ainda precisa ser repassado para os diretores e supervisores escolares e superintendências, por meio de capacitações, para que seja plenamente aplicado junto às famílias, mostrando o panorama do público-alvo da Educação Especial – tamanho e especificidades. “O diagnóstico vai servir para criar os novos parâmetros de atendimento dos professores, com redução do quantitativo de crianças para cada profissional”, explica a coordenadora do MESN na capital.
Neuropediatras
Sobre a “tragédia da saúde para as pessoas com deficiência”, denunciada em Século Diário e em outros veículos do Estado, foi cobrada uma solução efetiva do secretário Miguel Paulo Duarte Neto.
À falta de profissionais soma-se o sofrimento exigido das mães para a marcação de consultas de acompanhamento médico, que precisam dormir na fila para conseguir vaga. Na reunião dessa quinta-feira, as mães voltaram a relatar a falta de dignidade a que são submetidas, ao tratamento desrespeitoso que recebem nos hospitais, muitas vezes pela gerência, e às informações truncadas que tentam incutir nos profissionais de saúde a culpa pela falta de organização do sistema.
“O Hospital Infantil não tem neuropediatra e não tem previsão. A médica neuropediatra de lá agora está emendando férias com licença maternidade e depois vai ter redução de carga horária. Eles falam para a gente que, nem adianta, que não vamos conseguir consulta”, denuncia uma mãe. “Tem que ter uma solução, porque se não coloca a população contra uma profissional que está exercendo seu direito de férias, de licença, de redução de carga horária, a culpa não é dela”, alertou Waleska.
Em resposta, o secretário afirmou que trabalha nos últimos vinte dias, desde a última reunião com o coletivo, para atingir uma oferta de 1,5 mil consultas por mês, quantitativo que, segundo cálculos da Sesa, atendem à demanda estadual.
A ideia é levar 900 consultas para o Hospital Estadual Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves, em Vila Velha (Himaba), e 600 para o Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, em Vitória. “Parte dessas consultas, 900, serão presenciais e outras 600 serão feitas à distância”, detalhou o gestor, alegando a dificuldade em conseguir profissionais que venham para o Espírito Santo fazer o atendimento presencial. Atualmente, há apenas 300 vagas por mês no Himaba.
O secretário disse que estaria nesta sexta-feira (24) em reunião com o Himaba para tratar do assunto. Em nota, a Sesa informou que “ainda está em tratativa junto à direção da Organização Social que faz a gestão do Hospital Estadual Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves (Himaba) para que haja ampliação no número de profissionais de neuropediatria e, como consequência, a ampliação no número de consultas para 900/mês” e que, “para incrementar a oferta da especialidade, considerada escassa no Espírito Santo, a Sesa informa ainda que lançará licitação para 600 consultas em neuropediatria no Hospital Estadual Infantil Nossa Senhora da Glória (HINSG) no dia 06 de março”.
Para melhorar o serviço de marcação de consultas, Miguel Paulo disse ainda que negocia a contratação de uma empresa que ficará responsável por todo o serviço, não só de neuropediatria, mas de todas as demais especialidades oferecidas na rede estadual. A promessa é de que será feito um sistema que reduza o sofrimento das famílias.
Transcol
Também houve um encaminhamento de uma reunião com a Companhia Estadual de Transportes Coletivos (Ceturb) para que os motoristas recebam treinamento para atender às mães de PCDs que precisam de assento prioritário ou de entrar pela porta do meio do coletivo, quando as poltronas antes da roleta já estão ocupadas. As mães relataram diversas situações de constrangimento devido à postura atual de alguns profissionais.
“Eu estou com crise de ansiedade, porque tenho que andar de ônibus todos os dias com minhas filhas e todos os dias eu passo por muita coisa, sempre ouço ‘gracinhas’ dos motoristas. Eu já entro no ônibus com medo”, relatou emocionada uma delas.
Investigação sobre morte
As mães também retomaram um assunto que já havia sido exposto na última reunião com a Sesa, que foi a morte da jovem PCD Indiana Cristina, de 22 anos, no dia 24 de dezembro, por falta de atendimento médico.
Segundo relatos das integrantes do coletivo, a mãe de Indiana procurou atendimento para a filha por mais de um mês, sendo empurrada de uma unidade de saúde para outra, incluindo UPAs e hospitais. O problema, que começou com uma infecção dentária, acabou se espalhando e atingindo os pulmões, levando a jovem a óbito.
As mães contam que ela chegou a ser atendida em um hospital na Serra, mas lá teve a informação de que não havia anestesista que pudesse fazer a sedação necessária para o tratamento de dente dela, e foi mandada de volta para casa, onde faleceu. “É uma culpa que cai no Estado, porque é uma negligência do Estado. Essa mãe criou essa filha por 22 anos para perdê-la dessa forma? É desumano demais”, lamentou uma mãe.
Diante do relato emocionado, o governador se comprometeu a determinar investigação do caso. “Todo hospital tem anestesista. O caso vai ser apurado”, afirmou.