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Mães que lutam pela inclusão dos filhos e contra diversas formas de violência

Conheça a história de mães que se organizam contra o preconceito vivido por seus filhos e os de outras mães

“Mãe é tudo igual, só muda de endereço”, diz o ditado popular. Porém, o que dizer quando a própria diferença de endereço faz com que algumas mães tenham determinadas preocupações com seus filhos que outras não têm? Será mesmo que, de fato, mãe é tudo igual? Muitas estão aí para provar que não. Orientação sexual, identidade de gênero, cor da pele, local de moradia e outros fatores influenciam em como lidar com os filhos, como prepará-los e preparar a si mesmas para enfrentar adversidades, preconceitos e, também, promover transformação em uma sociedade excludente. 

A professora Darlete Gomes do Nascimento, negra, mãe do arquiteto Pablo Davi, é uma prova de que mãe não é tudo igual. “Ser mãe de jovem preto é difícil em um contexto de racismo institucionalizado, de extermínio da juventude negra. Toda vez que o filho sai de casa é uma apreensão”, relata. Darlete afirma que essa realidade influencia diretamente na criação dos filhos, nos cuidados que uma mãe precisa que ter com eles. 

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“A gente tem que ensinar como se portar na rua para não chamar atenção da polícia e ser visto como suspeito, pois sabemos que o simples fato de ser um jovem preto, periférico, muitas vezes já faz de nossos filhos suspeitos”, conta a professora, que já passou pela situação de ter Pablo Davi colocado contra a parede, com uma arma apontada para a cabeça. “Independentemente de qualquer coisa, o jovem negro é suspeito. É uma punhalada no coração ver um filho passar por isso. A gente ensina o filho a não transgredir as leis, ele não transgride e, mesmo assim, é abordado de maneira violenta”, desabafa.

Darlete declara que quando uma mãe preta perde um filho para o racismo é um pedaço de toda mãe preta que se vai. “Não tem como ficar alheia a isso. A gente começa a pensar que o próximo pode ser o nosso”, relata a professora, que viu no diálogo dentro de casa uma forma de preparar Pablo Davi para enfrentar o racismo cotidiano, o que fez, por exemplo, com que ele desde cedo se reconhecesse como negro. “Quando criança Pablo tinha uma quantidade menor de melanina, o que não fazia dele menos negro. Quando alguém chegava para ele e dizia que era branco, ele falava: ‘não, eu não sou branco, eu sou negro”, recorda.

Darlete fez da luta contra o racismo uma prática não somente dentro de sua casa, mas também no seu local de trabalho, já que, como aponta, a realidade de negros e negras na escola é muito cruel. A professora destaca que o debate sobre o racismo no ambiente escolar não deve se resumir às atividades do Dia da Consciência Negra, pois a discriminação é vivida cotidianamente, sendo necessárias ações de promoção da equidade, de combate ao racismo, o tempo todo.

“O aluno chega na escola, diz que foi colocado contra a parede, agredido, está magoado, ofendido. Se ele tem dor, sofrimento, como aprende? O aluno não é um balde vazio que a gente vai jogar conteúdo e encher”, questiona Darlete, que costuma dar palestras sobre a temática racial em escolas, unidades prisionais e outros espaços. 

Outra pessoa que enfrenta cotidianamente o preconceito e luta para que seu filho e os de outras mulheres sejam respeitados é a professora Mônica Alves de Faria, mãe de um rapaz homossexual. “Cada um é o que é. A gente tem que aceitar. Não é uma questão de escolha, mas de ser”, é o que defende Mônica ao se referir aos filhos da diversidade, que é como são chamados pelo coletivo Mães pela Diversidade aqueles que fazem parte da comunidade LGBT+. De âmbito nacional, o coletivo existe há três anos no Espírito Santo, onde é coordenado pela professora.

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O coletivo, explica Mônica, recebe mães de filhos da diversidade para que, juntas, possam se fortalecer e lutar contra os preconceitos vividos por todos eles. De acordo com ela, o grupo conta com mais de 40 mães e não há impedimento para participação dos pais. A professora afirma que, na família, normalmente são as mães que têm uma aceitação maior diante da orientação sexual e identidade de gênero dos filhos.

São elas, também, segundo Mônica, que são responsabilizadas pelo fato dos filhos ou filhas fazerem parte da comunidade LGBT+. “Quando as pessoas acham que algo deu errado, elas responsabilizam as mulheres, dizendo que não soubemos criar, que não demos limites, não batemos. Mas nossos filhos não estão errados, não deu nada errado. A orientação sexual é algo natural, a transexualidade tem que ser encarada como algo normal”, ensina.

Mônica relata que muitas mães procuram o grupo angustiadas, sem compreender o que está acontecendo, mas o acolhimento e o escutar a história das outras fazem “com que enxerguem nelas o seu par”. “As mulheres se fortalecem, veem que seus filhos não têm nada de errado, que são maravilhosos. Ficam com a certeza de que não podemos abrir mão de nossos filhos, que não devemos deixar que ninguém os violente”, relata. 

Por causa das atividades desenvolvidas pelo grupo, muitas mães passam a falar com naturalidade sobre alguns assuntos. “Quando alguém pergunta se o filho tem namorada, a gente fala com naturalidade que ele tem namorado. Muitas mães passam a ter facilidade para falar, por exemplo, filha, em vez de filho, quando se trata de transexuais”, exemplifica Mônica. A coordenadora do Mães pela Diversidade afirma que o coletivo tem estabelecido parcerias com a Universidade Federal do Estado (Ufes), Defensoria Pública e outros, para fornecer, por exemplo, apoio psicológico e amparo jurídico em casos de violência.

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Na batalha pelo respeito e pela inclusão também está Lúcia Mara dos Santos Martins, coordenadora do Mães Eficientes Somos Nós, que organiza mulheres que têm filhos especiais. O grupo surgiu na Serra, onde Lúcia mora, foi crescendo, e hoje conta com mães de outros municípios também.

“A gente percebia, por exemplo, que no sistema educacional faltava profissionais com foco na educação especial e passamos a nos mobilizar”, relata Lúcia, que afirma que as barreiras a serem enfrentadas pelas crianças e jovens especiais e suas famílias são muitas, por exemplo, a não compreensão por parte de usuários e trabalhadores do transporte coletivo em relação ao direito dos autistas de utilizar o assento preferencial.

Contudo, todo o esforço empreendido não foi em vão, conta Lucia, que aponta algumas conquistas obtidas pelo movimento, mais precisamente no município da Serra. Entre elas estão o aumento significativo nas escolas de profissionais com foco na educação especial e a disponibilização de fraldas descartáveis por parte da prefeitura, já que muitas pessoas especiais precisam usá-las constantemente.

Entretanto, assim como Darlete, Mônica e o Mães pela Diversidade, a luta não cessa. “A organização das mães é algo constante. Só este ano fomos duas vezes ao Palácio Anchieta e só saímos de lá quando fomos atendidas e conseguimos mostrar nossas reivindicações”, relata Lúcia.

E aí, você continua achando que mãe é tudo igual, só muda de endereço? 

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