Em quatro das cinco oitivas da Justiça, consenso foi pela contratação imediata da Adai, eleita em 2018
Uma rodada de oitivas realizada pela Justiça Federal no Macroterritório Sul (Serra, Fundão e Aracruz) confirmou a preferência da maioria dos atingidos pela contratação imediata da Associação de Desenvolvimento Agrícola Interestadual (Adai), assessoria técnica eleita em 2018 e que já iniciou os preparativos para começar a atuar em outros seis territórios atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP no Espírito Santo. Em quatro das cinco oitivas desta semana, houve consenso pela Adai.
“O nosso pessoal está convicto que queremos a Adai e queremos imediatamente”, afirma o coordenador do Movimento Nacional dos Pescadores e Pescadoras (MPP) e presidente da Federação das Associações de Pescadores do Espírito Santo (Fapaes), Manoel Bueno dos Santos, o Nego da Pesca.
“Nós entendemos que tendo assessoria técnica implantada aqui, sendo nosso porta-voz, fazendo os estudos, a gente tem mais condições de ser ouvido pela Justiça. Queremos uma assessoria já legitimidada desde 2018. Estamos convictos que precisamos ficar com a Adai. Só queremos que ela inicie de imediato e que sejamos ouvidos”, posiciona.
Presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes), João Carlos Gomes da Fonseca, o Lambisgoia, concorda. “Era para a Adai ter sido implementada aqui junto com os outros territórios, porque essa demora não favorece os atingidos. O medo é chegar a repactuação sem as assessorias funcionando”.
As tratativas dos governos do Espírito Santo e Minas Gerais, por exemplo, vira e mexe circulam em torno de uma divisão desigual entre os recursos da repactuação, com Minas Gerais ficando com a maior parte. “Não vamos aceitar Minas Gerais ficar com 60% nunca! Lá continua sangrando o rejeito, que está ficando todo aqui no Espírito Santo”, compara Lambisgoia.
Litoral da Serra
Nego da Pesca ressalta ainda uma questão fundamental para os pescadores da Serra, que é o reconhecimento de todo o litoral serrano como atingido, e não apenas Nova Almeida. “A Fundação Renova, malandramente, reconheceu somente Nova Almeida e chegou para o Comitê Interfederativo [CIF] e para o juiz antigo [Mário de Paula Franco Junior] dizendo que tinha reconhecido a Serra. O juiz inocentemente não conhecia a aceitou. Então nós chegamos para o juiz e para o CIF e dissemos que tem que reconhecer o município inteiro, que tem menos de dez milhas de litoral”, conta.
Ele explica que de Carapebus, praia mais ao sul da Serra, até a foz do Rio Doce, onde o rejeito foi lançado ao mar, são menos de 30 milhas, dez delas no litoral serrano. Além disso, acrescenta, “em 80% do tempo a água corre para o nosso lado, para o sul do Rio Doce”, acrescenta, referindo-se à predominância do vento nordeste no litoral capixaba ao longo do ano, bem como as correntes marítimas, que na maior parte do tempo correm do norte para o sul. “Temos uma petição de 40 páginas explicando isso para o juiz e para o CIF”.
Ele compara a situação com o extremo norte capixaba, para ressaltar a injustiça da exclusão, até agora, do litoral serrano. “Itaúnas está a 70 milhas do Rio Doce e já foi reconhecido. E só em 20% só do tempo a água corre para lá”. Até mesmo na Bahia, relata, já há movimentação para que haja o reconhecimento e indenização.
“O estado da Bahia, através de alguns estudos de ONGs e secretarias de meio ambiente, foi constatado que já está contaminado e estão lutando para suas indenizações e reconhecimentos. E nós com 30 milhas e 80% do tempo a água correndo para o nosso lado, não fomos reconhecidos ainda. Baseado em tudo isso, nós entendemos que nós precisamos de um porta-voz diretamente para o juiz. Porque a Renova fala outra coisa”.
‘Farsa’
A afirmação de Nego, em uníssono com a maioria dos atingidos no Macroterritório Sul (território 11) em favor da contratação imediata da Adai, mostra o amadurecimento das discussões que foram levantadas por um grupo de Barra do Riacho que, na audiência de conciliação judicial de outubro passado, rejeitou a entidade e defendeu a contratação de uma empresa que realizou alguns trabalhos na região. “Hoje tenho uma visão diferente. Precisava mesmo era dialogar, o que aconteceu e hoje estamos convictos que a Adai é a melhor para nós”.
Na época, houve posicionamento firme contrário ao pleito dissidente. “Essa comissão é uma farsa. Não tem compromisso em defesa dos atingidos do nosso território”, afirmou o então presidente da Associação Comunitária de Barra de Riacho (ACBR), Herval Nogueira, referindo-se à Comissão de Atingidos de Barra do Riacho, formada por um grupo de moradores do balneário que, instruídos por advogados particulares, reivindicavam uma empresa para a assessoria técnica da região, rejeitando a Adai, que foi escolhida em 2018, em consultas e eleições coordenadas pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos, expert contratado pelo Ministério Público Federal (MPF) para assegurar a lisura do processo de definição das entidades que irão garantir a implementação desse direito basilar dos atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP.
Outros territórios
Devido a essa falta de consenso, o Território 11 não foi contemplado na sentença emitida no dia 13 de outubro pelo juiz Michael Procópio Ribeiro Alves Avelar, determinando a contratação imediata da Adai.
Após as oitivas, o magistrado irá tomar sua decisão em relação a qual entidade irá assumir os trabalhos também na Macrorregião Sul. Os seis territórios já definidos, onde a Adai já prepara as equipes que irão atuar, são: Baixo Guandu (T-9), Colatina e Marilândia (-T10), Regência (T-13), Povoação (T-14), Linhares (T-15) e Macrolitoral Norte (T-16).
Nas Terras Indígenas de Santa Cruz (T-12), também estão sendo feitas oitivas para definição da Assessoria Técnica. Na comunidade quilombola de Degredo, em Linhares (T-17), atua uma entidade local, a Associação dos Pescadores e Extrativistas e Remanescentes de Quilombo do Degredo (ASPERQD), a primeira contratada no Espírito Santo.
Em Minas Gerais, a área atingida também foi dividida em nove territórios, para os quais oito já estão com Assessoria Técnica definida, faltando apenas o processo de consulta com a Terra Indígena Krenak (T-18).