A violência não tem dado trégua aos moradores do bairro da Piedade, no Centro de Vitória. Neste ano, pelo menos, quatro jovens foram assassinados no morro, incluindo os irmãos Damião, 22 anos, e Ruan, 20, crimes que alcançaram grande repercussão no final de março deste ano. Nesse último final de semana, Walace de Jesus Santana, 26 anos, foi a vítima mais recente. Foi assassinado próximo ao projeto social Raízes da Piedade, cancelando um festa junina prevista para o domingo (10). Além do assassinato, os criminosos invadiram a casa da mãe do jovem, onde também morava sua avó de 93 anos, e colocaram fogo nos cômodos. Lucas Teixeira Verli, de 19 anos, por sua vez, foi assassinado no dia 28 de maio.
Os quatro homicídios expõem uma problemática que envolve o extermínio de jovens negros e moradores de áreas periféricas no Espírito Santo, o foi que atestado, inclusive, pelos dados do último Atlas da Violência, com números de 2016. De acordo com a pesquisa, divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública no último dia 5 deste mês, enquanto as taxas de homicídios caíram, de uma forma geral no Estado, negros têm 4,5 vezes mais chances de serem assassinados que brancos, amarelos e indígenas.
Em 2016, enquanto a taxa de homicídios a cada 100 mil habitantes para negros (pretos e pardos) foi de 42,3, a de não negros (brancos, amarelos e indígenas) foi de 9,3.
Outra questão abordada pelo Atlas da Violência 2018 foi de que não há redução para os índices de homicídios de negros ao longo dos anos. De 2006 a 2016, a taxa de homicídios de brancos diminuiu 6,8%. Já o índice de vitimização da população negra aumentou 23,1%, o que indica uma política de extermínio em curso.
Mudança de Foco
Para o presidente do Conselho de Direitos Humanos de Vitória e presidente da União de Negros e Negas pela Igualdade (Uninegro), Welington Barros, a política de segurança pública do Estado tem que ser revista, uma vez, que apesar da redução dos índices gerais, continua a dizimar uma parcela da população capixaba. “O que mais nos incomoda é a naturalização da violência, que tem se tornando seletiva, atingindo negros, a população periférica e os mais pobres”, disse.
Para Barros, essa mudança de foco inclui rever a política de combate ao tráfico de drogas nos morros, pano de fundo para os crimes, que está focada na repressão. “Precisamos mais de prevenção do que repressão. Os jovens da periferia precisam de alternativas econômica, cultural e educacional para não ingressar no tráfico. Quando esses meninos chegam à idade de 15 e 16 anos, precisam aumentar a renda da família e sofrem discriminação pela sua classe social e raça. Muitos não conseguem emprego quando dizem o endereço de residência. Além disso, está claro que a repressão ao tráfico no morro é sempre mais violenta do que em outras partes da cidade, mesmo com os usuários. O que existe também é discriminação e racismo”, explicou.
O militante ressalta ainda que a sociedade brasileira precisa refletir sobre sua política sobre drogas, colocando em pauta a legalização, a descriminalização e a tributação das substâncias, assim como outros países têm feito, alcançando êxito na redução da violência. “Sabemos que o mercado de droga tem um lucro de mais de 320 bilhões de dólares no mundo, mas não vemos esse dinheiro na favela, que fica com a pior parte, com o varejo, a repressão e as mortes. A sociedade brasileira precisa refletir porque a guerra contra o tráfico já está perdida, o que é gasto nesse modelo repressivo não surte efeito”, disse.
Respostas
Lula Rocha, coordenador do Círculo Palmarino, argumenta que o governo tenta justificar a maioria das mortes de jovens colocando na conta do tráfico de drogas ou tenta responsabilizar a própria comunidade por não denunciar pessoas ligadas ao crime. “Não podemos admitir que o Estado tire seu corpo fora. Precisamos exigir respostas urgentemente. Por isso, vamos construir essa articulação para potencializar as mobilizações pela vida da nossa juventude. Só com muita mobilização vamos conseguir denunciar esse cinismo do Estado”, disse.
Lula também utilizou as redes sociais para um desabafo: “Era pra ser um dia de festa. No grupo da bateria ritmo forte estávamos ansiosos pra fazer o que mais gostamos. Acredito que no das passistas, do grupo musical e dos demais segmentos da escola, o sentimento era o mesmo. Para o novo mestre sala e para o Danilo Cesar que seriam apresentados como os mais novos componentes da 'Mais Querida' a contagem regressiva para esse grande momento possivelmente era maior. Mas o extermínio da nossa juventude segue de forma implacável no Espírito Santo. Mais um jovem assassinado, uma vida interrompida precocemente, familiares chorando, uma comunidade amedrontada e centenas de vidas impactadas. O som da bateria foi interrompido pelo barulho dos helicópteros da polícia. O Estado mais uma vez chega tarde nos morros e da forma menos desejada. Até quando?”, escreveu Lula.