Mobilização no Centro de Vitória também marcará o primeiro feriado do Consciência Negra
Novembro, considerado o mês da Consciência Negra, chegou. Como acontece anualmente, no dia 20 será realizada a Marcha Contra o Extermínio da Juventude Negra, organizada pelo Fórum Estadual da Juventude Negra do Espírito Santo (Fejunes). Este ano, a marcha terá como tema “Movida pela raiva e pelo amor, para mim, oficial não é senhor”, e volta para o Centro de Vitória, já que no ano passado foi em Feu Rosa, na Serra.
A edição de 2024, que é a 17ª, contará com um trajeto um pouco mais longo para reafirmar a importância da pauta e do Dia da Consciência Negra, que, neste ano, pela primeira vez será feriado nacional. A concentração será na Casa Porto das Artes Plásticas, às 14h, de onde os manifestantes sairão rumo ao Palácio Anchieta. Em edições anteriores, o ponto de chegada era o mesmo, mas o de partida era a Praça Costa Pereira.
O tema, ressalta o presidente do Fejunes, Felipe Gutemberg, é resultado das abordagens da Polícia Militar (PM), principalmente no Território do Bem, em Vitória, consideradas truculentas. “É uma crítica direta à atuação da PM, que atua como exterminadora da população negra, e não defensora”, diz Felipe.
No Palácio Anchieta, informa o presidente do Fejunes, serão fincadas cruzes. A programação se encerrará com um festival cultural no Museu Capixaba do Negro (Mucane), no Centro, a partir das 17h30.
Felipe destaca a importância do feriado do Dia da Consciência Negra para dar mais visibilidade às pautas raciais, como o fim do extermínio da juventude negra. “As pessoas param por um dia e vão ouvir, nos meios de comunicação, o porquê dessa data. Ganha destaque, é elevado a outro patamar, alavanca nossas pautas na mídia”, ressalta.
Casos recorrentes
Os recentes casos ocorridos na Capital ratificam a fala de Felipe quanto à atuação policial em relação à juventude negra. No dia 24 de outubro, ocorreu a agressão e detenção de dois ativistas de direitos humanos, no Território do Bem. Durante a ação policial, as vítimas foram Luiz Adriano, que tem denunciado a violência policial na região, e sua tia, Marly Rodrigues Gabriel, coordenadora do Centro de Referência das Juventudes (CRJ) do bairro Itararé e ganhadora do Prêmio Estadual de Direitos Humanos 2023.
Em vídeos que circulam nas redes sociais, é possível ver três policiais jogando o jovem no chão enquanto moradores tentam socorrê-lo, mas são agredidos pela polícia com empurrões e balas de borracha. Ambos foram detidos. Marly, inclusive, foi alvejada com balas de borracha ao tentar ajudar o sobrinho.
Diante da violência, a sociedade civil voltou a cobrar reunião com o governador Renato Casagrande (PSB) para tratar da política de segurança pública no Espírito Santo. “Sem reunião com o governador não vamos chegar a lugar nenhum”, enfatizou a presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH), Galdene dos Santos. A reivindicação foi reiterada à secretária Estadual de Direitos Humanos, Nara Borgo, em reunião realizada na sexta-feira (25).
A proposta de diálogo com Casagrande surgiu em reunião da qual também participaram a Defensoria Pública Estadual do Espírito Santo (DPES); as deputadas estaduais Camila Valadão (Psol) e Iriny Lopes (PT); e o vereador de Vitória, André Moreira. Em setembro último, a violência policial causou oito óbitos. O primeiro foi de Breno Passos Pereira da Silva, de 23 anos, e Matheus Custódio Batista Quadra, de 26, alvejados em São Benedito no dia 9. Breno, de acordo com moradores do bairro São Benedito, foi assassinado em um beco, quando a polícia chegou atirando. Matheus foi alvejado cerca de 30 minutos depois, quando, ao fugir da polícia, entrou na casa de uma moradora. Os policiais, então, adentraram a residência, o algemaram e disparam contra ele.
Em Tabuazeiro foram mortos também Maycon, de 16 anos, e Rafael Cardoso Moreira, de 23, vitimados fatalmente dentro de casa, a tiros. Moradores afirmam que ambos estavam dormindo quando policiais militares entraram na casa, os sufocaram com travesseiro e depois deram os disparos. A ação policial motivou uma manifestação na comunidade no dia 13 de setembro. No dia 19, também em Tabuazeiro, Esmael dos Santos Lopes, de 21 anos, foi baleado na praça do Morro do Macaco. Foi internado no Hospital Estadual de Urgência e Emergência (HEUE), mas veio a óbito dois dias depois.
O comandante-geral da Polícia Militar (PM), Douglas Caus, disse, na ocasião, que a corporação recebeu a informação de que traficantes estavam processando drogas “em um parquinho, em via pública, na frente dos moradores”. Por isso, foram separadas duas tropas de força tática, fazendo com que fugissem para uma área de mata. Uma equipe que cercava a região e a força tática, segundo o comandante, foram recebidas a tiros e “houve o pronto revide, legítima defesa”. Douglas Caus apontou, ainda, que o jovem estava com uma arma israelense 9 mm. Entretanto, moradores da região negam a versão da PM, afirmando que Esmael não estava armado e que a Polícia chegou atirando.
No caso de Bruno e Vinicius, de Jesus Nazareth, a versão da PM é de que os policiais se depararam com cerca de seis homens em um beco, que dispararam, dando início a um confronto no qual os dois foram vitimados. Contudo, a comunidade apresenta uma outra versão. Moradores relatam que Bruno tinha acabado de sair do campo de futebol rumo a sua casa. Ao passar pelo beco, foi cercado por policiais.
“As pessoas que testemunharam disseram que Bruno caiu, mas não foi a polícia que derrubou. Talvez tenha se assustado. Com a queda, disse que tinha machucado o braço e começou a pedir ajuda. Aí os policiais atiraram na testa dele”, afirmaram, destacando que o jovem, levado ao Hospital São Lucas pela PM, morreu na hora. “Levaram somente para disfarçar. Tiraram o corpo do local para não haver perícia. Desfizeram a cena do crime”, denunciaram. No caso de Vinicius, ele tinha acabado de sair de casa depois de deixar o trabalho em um supermercado, onde era estoquista, para ir ao campo de futebol, quando foi alvejado. Os moradores não têm detalhes do crime, mas garantem que não houve confronto, pois o rapaz estava desarmado.
A última morte foi de Davi, de 16 anos, conhecido na comunidade como Dan, que levou um tiro na cabeça ao sair de casa para comprar refrigerante. Moradores, que preferem não se identificar por medo, afirmam que não houve confronto com a corporação. Os relatos são de que, por volta das 17h, as viaturas rondavam a parte de baixo do bairro Bonfim. Depois subiram a Escadaria do Trabalhador, foram para o Bairro da Penha e São Benedito. Alguns policiais se esconderam na mata. Ao ver as viaturas, um grupo de jovens correu. Davi, que tinha saído para comprar refrigerante, acabou correndo também. Foi quando os policiais que estavam na mata dispararam vários tiros em direção aos rapazes, acertando a cabeça de Davi.
Pessoas da comunidade, então, foram até o local, onde, afirmam, avistaram policiais com o pé na cabeça do rapaz. Elas relatam que pediram para enviar Davi para o hospital, mas os PMs ameaçaram atirar contra os moradores que estavam ali. “Quando pegaram o corpo e desceram com ele na escadaria, a cabeça batia nos degraus. Uma parte do cérebro do menino caiu. Jogaram no camburão como se fosse um lixo”, denunciam. O ocorrido motivou manifestações nas comunidades de Consolação, Gurigica e Bairro da Penha.