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Maria do Carmo Schwab: a primeira arquiteta capixaba

* Simone Neiva
 
Em 1894, Marion Mahony Griffin foi a primeira mulher no mundo a receber o título de arquiteta pelo Massachusetts Institute of Technology – MIT. Até meados do século XX foram poucas as mulheres que se aventuraram na profissão e menos ainda aquelas que alcançaram projeção no cenário profissional. Hoje, nomes como Denise Scott Brown, Zaha Hadid e Kazuyo Sejima ainda são raridade na lista de centenas de arquitetos homens que assinam os projetos que ilustram as publicações internacionais sobre arquitetura. Mesmo no Brasil, a arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi foi uma exceção entre os arquitetos modernistas dos anos 1940. Nesse sentido, a história da arquiteta capixaba Maria do Carmo Schwab não foi diferente.
 
Formada em 1953, Schwab foi a única mulher a integrar o seleto grupo de arquitetos de formação modernista, que nos anos 1950 atuou no Espírito Santo. Diante da inexistência de escolas de arquitetura no estado até 1979, Schwab formou-se na Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Na capital fluminense teve a oportunidade de acompanhar de perto o desenvolvimento da arquitetura moderna brasileira, atuando por três anos como estagiária de Affonso Eduardo Reidy, um dos precursores da arquitetura e do urbanismo modernos no Brasil. Com Reidy,  Schwab aprendeu a linguagem da arquitetura que se pretendia adotar no país, assimilou técnicas de conforto ambiental e compreendeu as sutilezas da boa relação entre a arquitetura e a paisagem.
 
Em 1958, aos 28 anos, já em terras capixabas, Schwab alcança o primeiro lugar no concurso do projeto para a Sede Social do Clube Libanês, com uma das primeiras obras modernistas no Estado e uma de suas obras mais conhecidas. Na época, Vitória ainda não dispunha de um meio cultural capaz de compreender as ideias geradas pela arquitetura moderna, como acontecia nos grandes centros. A proeza de Schwab torna-se ainda mais notável, se considerarmos que nos Estados Unidos, no mesmo ano, os registros de arquitetas eram de apenas 1%. A arquiteta viveu em um mercado mundial desfavorável, atuou em um contexto local provinciano numa época de sujeição intelectual feminina e, contudo, desenvolveu uma obra arquitetônica significativa.
 
Nos anos 1980 e início de 1990, no curso de arquitetura da Universidade Federal do Espírito Santo, o nome de Maria do Carmo Schwab era frequentemente mencionado em conversas sobre a arquitetura moderna capixaba. A imagem do Clube Libanês era recorrente nos carrosséis de slides apresentados nas aulas. Diante da imagem do clube, nós, estudantes, ouvíamos que Schwab fazia parte de um pequeno grupo de arquitetos modernistas que tanto primava pela correta utilização do repertório de elementos modernos – como pilotis, brises e cobogós – quanto protestava, escrevia e lecionava, atuando amplamente em favor da modernização do Estado em diversas frentes.
 
Depois dos cinco anos do curso de arquitetura eu, finalmente uma arquiteta, mudei-me para o Rio de Janeiro. Lá, na Pontifícia Universidade Católica (PUC), tive a oportunidade de estudar as obras dos grandes arquitetos modernistas brasileiros, como Affonso Reidy, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Nesse período, a ausência da representatividade feminina nas publicações sobre arquitetura e a importância da projeção isolada de Lina Bo Bardi em um panorama eminentemente masculino ficaram ainda mais claras. A partir de então a curiosidade sobre a atuação das mulheres na profissão me assaltou e a figura de Schwab, presente em minhas memórias de estudante, tomou outra dimensão. As questões surgidas eram muitas: Quem foi essa mulher? Quem foi essa arquiteta? O que produziu? Onde estão os registros dessa obra? Será que ainda existem? Que contribuições essa obra pode oferecer? Será que a profissão lhe exigiu concessões? E hoje, será que o número de mulheres na profissão permanece reduzido?
 
Segundo o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – CAUBR, é cada vez maior o número de mulheres que atuam na área de arquitetura no país. Diferentemente do contexto vivido por Schwab ou Lina Bo Bardi, hoje as mulheres representam 65% dos 128 mil arquitetos registrados no país. Os dados apontam para um mercado cada vez mais feminino, contudo isso não significa que a igualdade de acesso aos espaços profissionais de maior prestígio esteja garantida. A realidade é outra. Desde a sua criação, em 1979, o Pritzker, mais alto prêmio da carreira, contemplou somente duas mulheres: Zaha Hadid, em 2004, e Kazuyo Sejima, em 2010. Em 2013, foi necessário que a arquiteta Denise Scott Brown exigisse seu reconhecimento retrospectivo no Prêmio Pritzker de 1991. Na ocasião o prêmio foi concedido apenas a seu marido, Robert Venturi, seu sócio durante 22 anos. Em seu discurso, Scott Brown alertou para o perigo de se ter a carreira interrompida pelo machismo.
 
“É triste porém verdadeiro que o melhor que uma mulher consegue na arquitetura é ser estudante. Mesmo que haja tantas mulheres quanto homens no início da prática da arquitetura, quando elas avançam na carreira, atingem o teto de vidro”. Denise acrescenta:. “Quando atingir, você pensará que é sua culpa, a menos que você conheça um pouco de feminismo”.
 
Em 2012, a situação ocorrida com Scott Brown se repete com Lu Wenyu, sócia e esposa de Wang Shu, arquiteto agraciado com o Pritzker naquele ano. Assim como Scott Brown, Wenyu não foi contemplada. Segundo Tamaki, o fato fez ressurgir a polêmica sobre o machismo na premiação internacional, considerando que o prêmio já havia sido concedido a duplas de arquitetos de um mesmo escritório, como Jacques Herzog e Pierre de Meuron, em 2001, e Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa, em 2010. O mais lamentável, no entanto, foi o posicionamento de Lu Wenyu. Segundo seu marido e sócio, “Lu não ligou”, e acrescentou: “Talvez [ela] queira ser um segredo atrás de mim”.
 
Apesar do otimismo dos dados, o caminho a ser percorrido por arquitetas é longo e árduo. Mas entre 1953 e 1981, período em que atuou profissionalmente, Schwab demonstrou que a jornada é possível. Em seu escritório, localizado no Centro de Vitória, a arquiteta projetou dezenas de casas e edifícios, e planejou o bairro Aribiri, em Vila Velha. Em 1954 trabalhou na Divisão de Obras Públicas do Estado do Espírito Santo projetando escolas, mercados e igrejas. Em 1956 foi aprovada no concurso para arquiteta do Ministério da Agricultura. Atuou ainda como fiscal de obras e como avaliadora para a Caixa Econômica Federal e, ao dirigir o Departamento de Planejamento e Obras, em 1963, acumulou a função de arquiteta da Universidade Federal do Espírito Santo, com uma série de projetos não concretizados pela instituição.
 
O currículo de Schwab é considerável. Somente seus projetos residenciais compõem um conjunto de cerca de 100 obras, somando cerca de 300 plantas arquitetônicas. Infelizmente, praticamente todas as residências foram demolidas, sobretudo entre os anos 1980 e 1990, durante o processo de verticalização da cidade de Vitória. Hoje, as plantas arquitetônicas dos projetos e a memória da arquiteta, uma elegante senhora de 85 anos, são um importante registro dessa parcela da história da nossa cidade e, ao mesmo tempo, carregam um significado especial para as novas gerações de arquitetas.
 
Maria do Carmo Schwab, a primeira arquiteta capixaba, não viveu como um “segredo”, mas sempre ocupou o primeiro plano em sua carreira. Durante 30 anos exerceu todo o seu potencial profissional, empreendendo uma obra arquitetônica com qualidades e particularidades que ainda merecem estudos mais aprofundados.
 

* Simone Neiva é arquiteta, professora na Universidade Vila Velha (ES) e pesquisadora do grupo ArqCidade/UVV. Doutora pela Universidade de São Paulo, com pós-doutorado pela Universidade Mackenzie. Mestre pela Universidade de Tóquio e especialista em História da Arte e História da Arquitetura pela PUC/Rio. Atuou como consultora da UNESCO.

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