Das mais de 100 comunidades capixabas, 50 estão certificadas, 22 tramitam e apenas uma foi titulada
Metas, mão de obra e orçamento específicos, dentro de um planejamento construído conjuntamente com quem vive dentro dos territórios. A implementação desses princípios para a titulação e oferta de políticas públicas para as comunidades quilombolas foi reforçada nessa quinta-feira (9), com a reinstalação da Mesa Quilombola do Espírito Santo, realizada no auditório central do campus de São Mateus da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), no norte do Estado, pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
“Todos os estados estão criando suas mesas estaduais, depois da volta da mesa nacional, no mês passado. Estamos cobrando as medidas que o governo precisa fazer. No Espírito Santo, assim como no sul da Bahia e norte de Minas Gerais, temos o problema dos monocultivos de eucalipto. Aqui, os relatórios das comunidades estão atrasados”, relata Domingos Firmiano dos Santos, o Chapoca, liderança nacional da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) e membro da Comissão Quilombola do Sapê do Norte.
Os documentos a que ele se refere são os Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTID), peças-chave no processo de titulação dos territórios quilombolas já certificados pela Fundação Cultural Palmares (FCP), que envolvem um trabalho multidisciplinar por parte do Incra. Após concluído, o RTID é publicado oficialmente por meio de portaria federal, permitindo que as terras estabelecidas no relatório sejam tituladas em nome da comunidade.
Essa entrega das terras pode ocorrer por variadas formas, como doação, em caso de terras patrimoniais, por meio de compra, em caso de posse ou propriedade privada, ou mediante decisão judicial, quando fica comprovado que a posse da terra quilombola se deu de forma ilegal por particulares. Essa última situação ocorre, por exemplo, com terras atualmente sob domínio da Suzano (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose) dentro do território quilombola tradicional do Sapê do Norte, localizado em São Mateus e Conceição da Barra, e que foram alvo de grilagem por parte da multinacional, segundo acusação do Ministério Público Federal (MPF). A ação civil pública movida pelo órgão ministerial em 2013 já obteve uma primeira decisão favorável, em 2021, da qual a empresa recorreu em segunda instância.
Como liderança nacional, Chapoca conta que a cobrança pela agilidade nos processos é feita também junto os ministérios envolvidos. Em abril, em Brasília, durante o lançamento da Mesa Nacional, a 15ª mesa, após um longo período de hiato, durante os governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), foi cobrado um orçamento condizente com a demanda.
“Eu propus que nós fizéssemos reunião com ministro [da Fazenda], [Fernando] Haddad. Porque o dinheiro que está sendo posto no orçamento para titulação é muito pouco, R$ 132 milhões. Precisa de R$ 2 bilhões em 2025, no mínimo, para titular parte dos territórios. Alguns estão com RTID mais avançados, pedimos que titule logo esses, que já foram publicadas as portarias”.
No caso do Espírito Santo, acrescenta, algumas das comunidades que devem entrar nessa primeira leva de titulações estão no Sapê. “O relatório de Linharinho já está em ponto de publicação. E em São Cristóvão, a Justiça já deu ganho de causa, tem que pagar lá também”.
O momento, celebra, é de retomada dos compromissos e das ações. “Em Brasília assinei como testemunha no protocolo de intenção do governo, de dar continuidade aos processos, às Mesas, às titulações, a tudo o que o Incra tem que fazer. Nossa função é cobrar”, explica.
‘Agilidade’
Advogada popular quilombola presente na reinstalação da Mesa capixaba, Josi dos Santos também comemora. “Foi momento da reinauguração e de escuta das comunidades”, diz. De forma semelhante, se posiciona a diretora da Câmara de Conciliação Agrária do Incra nacional, Maíra Coraci Diniz. “O objetivo das Mesas é destravar qualquer empecilho. A burocratização do trabalho não facilita a resolução. A ideia é reunir todos, representantes das comunidades quilombolas e dos órgãos envolvidos, para agilizar os processos”.
Josi Santos conta que a produção dos relatórios e a titulação dos territórios foram um dos assuntos principais do evento. O caso de Linharinho, especificamente, tem uma questão judicial envolvida. “O RTID de Linharinho está prestes a ser publicado, ainda que a Suzano tenha ingressado com ações para derrubá-lo, contestando o tamanho da área estipulada. Mas está em vias de assinatura pelo superintendente nacional do Incra”.
A situação das demais comunidades continua em análise e busca de avanço. “A proposição é de que essa seja uma mesa itinerante, para atender as comunidades quilombolas do Norte e Sul do Estado, em razão da logística e dificuldade de locomoção. Portanto, a mesa será realizada de quatro em quatro meses, sempre depois da realização da mesa nacional”. A próxima nacional deve acontecer em agosto.
Em paralelo, segue o cadastro de todas as famílias do Sapê do Norte, um encaminhamento feito no âmbito da Mesa Estadual de Resolução de Conflitos Fundiários, coordenado pela Secretaria Estadual de Direitos Humanos (SEDH). “Até o momento, apenas 22 comunidades quilombolas do Estado têm processo administrativo aberto no Incra. Sendo que apenas a comunidade de São Pedro, em Ibiraçu, foi titulada”.
Aporte de profissionais
Para agilizar os relatórios, além da Força-Tarefa formada em 2023, que disponibilizou duas antropólogas de outras superintendências para atuar no Espírito Santo, um terceiro profissional está sendo trazida do Rio de Janeiro para atuar junto às comunidades quilombolas. Há também a previsão da vinda de uma procuradora federal do Incra em breve.
Essas transferências de profissionais se fazem necessário até que seja realizado o concurso público para o Incra, que estava previsto para agosto, mas foi adiado e talvez só aconteça em 2025, explica o conciliador agrário do Incra no Espírito Santo, Diogo Lima. “Estamos lutando para conseguir avançar”, afirma. Até o momento, de fato apenas São Pedro está apta a receber todas as políticas públicas federais destinadas a comunidades quilombolas regularizadas.
Segundo Diogo Lima, o Espírito Santo tem cerca de 100 comunidades quilombolas, sendo mais de 50 reconhecidas pela Fundação Palmares e apenas uma com território titulado.
Educação quilombola
Mas há políticas públicas que também avançam, como a educação quilombola. Das três propostas de cursos apresentadas pelas comunidades para serem implementadas dentro do Programa Nacional de Educação para a Reforma Agrária (Pronera), uma foi aprovada, que é a criação de um curso superior específico para comunidades quilombolas. “Depende agora de liberação de recursos da Presidência do Incra”, informa. A estimativa de custo é de R$ 3 milhões.
Mesa capixaba
A Mesa Quilombola foi instituída pela Portaria 188 do Incra, de 11 de outubro de 2023, e estabelece que cada estado deve criar sua mesa estadual. A Mesa capixaba, instalada nessa quinta-feira, foi composta pela superintendente estadual do Incra, Penha Lopes; a procuradora federal Patrícia Rosato; o superintendente estadual do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Laércio André Nochang; a vereadora de São Mateus Ciety Cerqueira (PT); o representante da Conaq, Domingos Chapoca; a presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/ES), Hellen Tibúrcio; um representante da procuradora do MPF Gabriela Goes; e representantes das deputadas estaduais Camila Valadão (Psol) e Iriny Lopes (PT) e do deputado federal Helder Salomão (PT).