Acampados reivindicam assentamento; mediação foi iniciada após ação de reintegração de posse
Em Mimoso do Sul, no sul do Espírito Santo, cerca de 120 famílias estão acampadas há duas semanas às margens de uma estrada rural que dá acesso à localidade de Alto Pratinha, reivindicando que sejam assentadas. Nesta sexta-feira (26), foi realizada uma reunião de mediação na Prefeitura de Mimoso do Sul, após decisão de reintegração de posse favorável à gestão do prefeito Peter Costa (Republicanos).
A decisão do juiz Rafael Murad Brumana é do último dia 19 de janeiro, e estabeleceu prazo de cinco dias para a desocupação da área. Na reunião desta sexta-feira, participaram representantes da Prefeitura de Mimoso do Sul, da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPES) e de assessores dos deputados estaduais Iriny Lopes e João Coser e do deputado federal Helder Salomão, todos do Partido dos Trabalhadores (PT).
Na ocasião, segundo a assessoria de Iriny Lopes, a DPES afirmou que entraria com petição para anular a reintegração de posse, até que pudesse ser feita a audiência de custódia do caso, e também se estabeleceram os procedimentos pelos quais a Defensoria se comunicaria com a Prefeitura de Mimoso do Sul.
Antes da reunião de mediação, porém, no dia 17 de janeiro, o prefeito Peter Costa havia encaminhado um ofício à 15ª Cia Independente da Polícia Militar, pedindo para “adotar providências imediatas quanto à possível invasão de propriedade privada”. O ofício atribui o acampamento ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), apesar de a organização não ter vinculação com o acampamento.
“Não é admissível que o direito de propriedade, protegido pela Constituição, seja atacado abertamente sem que haja resposta das instituições nacionais” diz oficiais, sem abordar o fato de acampamento ter sido montado às margens de uma via pública.
Segundo o trabalhador rural Tiago de Castro, uma das lideranças da mobilização, o acampamento começou com 67 famílias, todas do município. Segundo ele, essas famílias têm tido dificuldades de manter as contas em dia, e muitos estavam vivendo em casas com fornecimento de água e energia cortados, à beira do despejo.
Observando que existem muitas áreas do município que, em sua visão, podem ser desapropriadas para constituição de assentamentos, ele e outras pessoas da região decidiram montar o acampamento, como forma de pressionar os órgãos públicos. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foi acionado para a realização de uma vistoria, mas, segundo ele, a resposta é de que a autarquia só conseguiria fazer ação no mês de abril.
Ainda de acordo com Tiago, o grupo de Mimoso chegou a ter contato com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no passado, e também buscou diálogo com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado do Espírito Santo (Fetaes), mas o acampamento não tem nenhuma vinculação com organizações de movimentos sociais.
Tiago também afirma que os acampados têm sido tachados de “terroristas” por lideranças políticas de âmbito local e estadual, apesar de contar com o apoio de alguns moradores do entorno. Ele também ressalta que a estrada de acesso a Alto Pratinha não está obstruída, uma vez que o acampamento ocupa uma parte menor da via.
“Tem lideranças falando que é para ‘meter bala na gente’, que não somos de Mimoso. Aqui são todos trabalhadores e moradores de Mimoso do Sul. Tem muitos idosos e crianças no acampamento, famílias que não estavam conseguindo se manter”, afirma o trabalhador rural.
Em um vídeo que circula em aplicativos de mensagem, o deputado estadual de extrema direita Lucas Polese (PL) classifica a decisão pela reintegração da posse como “vitória do agro” e “vitória de quem produz”, e que os acampados serão removidos “a base de borracha”, caso não saiam por conta própria. Polese ainda vincula o acampamento ao MST, o que é uma informação falsa.
O mesmo tom é usado pelo deputado federal Evair de Melo (PP) – acusado de ser financiadora por invasores de terras indígenas em dossiê publicado pelo De Olho nos Ruralistas – Observatório do Agronegócio no Brasil – em vídeos nas redes sociais, em que tenta criminalizar também um acampamento em Pinheiros, norte do Estado.
Procurado por Século Diário, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) afirmou, em nota, que recebeu representantes das famílias de Mimoso do Sul. A autarquia afirma que não há, atualmente, processo aberto para obtenção de imóveis e assentamento no local, mas que, diante da demanda, realizará um levantamento para identificar imóvel com potencial para esse fim, seja mediante desapropriação ou compra direta.
“Sobre a ação de reintegração, o Incra/ES recomendou uma reunião entre as famílias e a prefeitura, proponente da ação, na busca de alternativa ao iminente despejo das famílias. Além disso, a autarquia conectou as lideranças do acampamento à Defensoria Pública do Estado, no sentido de dispor o suporte possível no referido processo de reintegração”, completa a nota.
Século Diário também tentou contato com a Prefeitura de Mimoso do Sul, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.