De acordo com a nota, o suposto processo de transformação, alardeado pelo governo, que se resume exclusivamente a construções emergenciais de novas unidades, não teve início em 2003. As entidades lembram que ocorreram grandes rebeliões em 2006, com mortes e o terror espalhado pelas ruas da Grande Vitória com ônibus queimados e a intervenção da Força de Segurança Nacional.
Depois que foi exposto o caos no sistema, o governo – capitaneado, também naquela época pelo governador Paulo Hartung (PMDB) – optou pela implementação de celas em contêineres, que só foram inutilizadas depois de toda a repercussão internacional por conta das graves violações que esse modelo de encarceramento representava.
Além disso, durante boa parte do primeiro governo de Hartung (entre 2003 e 2010), as entidades de direitos humanos foram impedidas de entrarem em presídios, em decisão revogada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) apenas em 2010 e, durante o período de proibição ocorreram as piores violações, o que fez com que o País fosse denunciado internacionalmente pela barbárie ocorrida nos presídios do Estado.
A nota lembra que as medidas adotadas no sistema carcerário, que agora projetam o Estado no cenário nacional, aconteceram exclusivamente por pressões internas e externas junto ao governo, que se recusava a ouvir as denúncias feitas pela sociedade civil organizada, e não por capacidade de gestão ou consciências política e social para humanização do sistema carcerário.
Somente depois do constrangimento internacional o governo passou a construir presídios em caráter emergencial e sem licitação. Segundo a nota, mudou-se a estrutura física, mas permaneceu a violadora. O sistema continua sobrecarregado, com encarceramento indiscriminado de jovens e adolescentes negros, pobres e de periferia em vez de adoção de políticas públicas adequadas para a redução da criminalidade e o desencarceramento de quem não deveria estar no cárcere.
O novo modelo permitiu que, em 2013, 52 internos da Penitenciária Estadual de Vila Velha III (PEVV III) ficassem sentados em uma quadra de concreto no sol e alguns deles tiveram queimaduras de terceiro grau nas nádegas. Além disso, permitiu que o interno Wesley Belz Guidoni fosse morto por espancamento no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Colatina, no noroeste do Estado, em 2015. Também permite que as unidades permaneçam superlotadas e que a maioria dos internos não trabalhem nem estudem.
As entidades apontam que entre 2012 e 2013 foram contabilizadas, via Comissão de Enfrentamento e Prevenção à Tortura do Tribunal de Justiça do Estado (TJES), 396 denúncias de tortura no sistema prisional capixaba, sendo destas 118 casos em que os procedimentos operacionais e uso desmedido de armamentos não letais foram utilizados. Em 2014 o Ministério Público do Estado (MPES) arquivou 395 denúncias em um único ato sob a alegação que não havia indícios de autoria e materialidade, ainda que algumas denúncias estivessem endossadas até mesmo com mídias e datas. Apenas o caso dos internos queimados na PEVV III se transformou em processo judicial. “O novo modelo prisional capixaba é pautado no aniquilamento dos sujeitos, pela prática aprimorada da tortura e pelo uso de armamentos menos letais como método de tortura”, diz a nota.
O MNDH e as entidades signatárias garantem que continuarão protagonizando ações e denúncias necessárias às mudanças no sistema carcerário do Espírito Santo, até que o Estado cumpra com seu dever de guardar e proteger, em sua plenitude, os universais e sagrados direitos da pessoa humana.
Nota de Esclarecimento
O Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) no Estado do Espírito Santo e as entidades parceiras, vêm a público, a bem da verdade, esclarecer as notícias veiculadas nas últimas semanas, pela imprensa local e nacional, sobre os fatos e acontecimentos que envolvem a população carcerária e o sistema penitenciário capixaba.
Com a carnificina nos presídios do Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte, um crime lesa humanidade e não um mero acidente desastroso, como declarou o presidente da república Michel Temer, o sistema carcerário do estado do Espírito Santo tem sido apresentado como modelo para as demais Unidades da Federação e o governo do Estado tem se colocado como o protagonista do processo que, desde 2003, teria provocado profundas transformações, fazendo das “masmorras capixabas”, como ficou mundialmente conhecido o cárcere do Espírito Santo, verdadeiras escolas vivas, de ressocialização dos apenados, condenados e adolescentes tutelados pelo Estado.
Diante das pseudo informações veiculadas, o MNDH e entidades parceiras sentem-se na obrigação moral de esclarecer que:
1 – O suposto processo de “transformação” do sistema prisional capixaba alardeado pelo Governo, que se resume exclusivamente a construções emergenciais de novas unidades, não teve início em 2003, ao contrário. Como apagar da história as rebeliões simultâneas de 2006, com mortes e o terror espalhado pelas ruas da Grande Vitória com ônibus queimados e a intervenção da Força de Segurança Nacional? Por que esconder agora que naquele momento de crise e superlotação a escolha do atual Governador foi pela implantação dos famigerados contêineres como “modelo”, só inutilizados depois da repercussão internacional? Por que escamotear em reconhecer que até 2011 as delegacias do Espírito Santo eram presídios e os investigadores de polícia carcereiros? E os micro-ônibus estacionados em 2010 nos pátios das delegacias servindo como celas itinerantes? E a proibição das entidades de Direitos Humanos de adentrarem nos presídios, só revogada por Decisão do STJ em 2010? Por que esconder que o senhor Governador só foi receber o Conselho Estadual de Direitos Humanos em 2015, durante o seu terceiro mandato?
2 – Foram apresentadas denúncias da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória ao Conselho Nacional de Direitos da Pessoa Humana e pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária que pediu a intervenção federal no Estado do Espírito Santo, tamanho eram as atrocidades cometidas no sistema carcerário e unidades sócio-educativas.
3 – As medidas adotadas no sistema carcerário, que agora projetam o Estado no cenário nacional, aconteceram exclusivamente por pressões internas e externas junto ao Governo do Estado que se recusava a ouvir as denúncias feitas pela sociedade civil organizada, e não por capacidade de gestão ou consciências política e social para humanização do sistema carcerário.
4- Após o pedido de intervenção no Espírito Santo, entidades de Direitos Humanos denunciaram o Brasil foi denunciado à Organização das Nações Unidas e à Organização dos Estados Americanos. As imagens das celas metálicas e dos ônibus prisões, conhecidos como forno de micro-ondas, circularam por todo o mundo denunciando a crueldade do sistema, da mesma forma que as imagens dos corpos torturados, mutilados e esquartejados causaram indignação e horror aos olhos que as viram. Só o governo do Estado não enxergava.
5 – Somente após tamanho constrangimento internacional, o Governo deu início ao “revolucionário processo de construção de novas unidades prisionais modulares”, diga-se de passagem, em caráter emergencial e sem licitação, ofuscando a necessária transparência típica de boa gestão pública. Mudou-se a estrutura física do sistema, permaneceu a estrutura violadora. Continua-se com um sistema sobrecarregado com prisões indiscriminadas de jovens e adolescentes, pretos, pobres e moradores de periferia, ao invés de adotar políticas públicas adequadas para a redução da criminalidade e o desencarceramento de quem não deveria estar no cárcere.
6 – Esse “novo modelo” implantado pós-denúncias da ONU permitiu, por exemplo, que em 2013 cerca de 60 detentos fossem submetidos à sessão de tortura permanecendo horas sentados ao sol em uma quadra de cimento até as nádegas derreterem no novo presídio de XURI. Esse “novo modelo” permitiu a morte por espancamento do interno Wesley Guidoni na nova unidade de Colatina em 2015. Esse “novo modelo” permite que unidades permaneçam hoje com o dobro de sua capacidade. Esse “novo modelo” permite que a imensa maioria dos presos não trabalha, nem estuda.
7 _ Durante o biênio 2012-2013 foram contabilizadas, via Comissão de Enfrentamento e Prevenção à Tortura do Tribunal de Justiça, 396 denúncias de tortura no sistema prisional capixaba, sendo destas 118 casos em que os procedimentos operacionais e uso desmedido de armamentos não letais foram utilizados. Em 2014 o Ministério Público do Estado do Espírito Santo arquivou 395 denúncias em um único ato sob a alegação que não havia indícios de autoria e materialidade, ainda que algumas denúncias estivessem endossadas até mesmo com mídias e datas. Apenas o caso dos 60 presos queimados em Xuri se transformou em processo judicial. O Novo modelo prisional capixaba é pautado no aniquilamento dos sujeitos, pela prática aprimorada da tortura e pelo uso de armamentos menos letais como método de tortura.
Enfim, as reclamações dos internos, tanto adultos quanto adolescentes, e seus familiares, aos membros da Pastoral Carcerária, Pastoral do Menor e do Conselho Estadual de Direitos Humanos, de constantes e sistemáticas violações de direitos, sem que as autoridades responsáveis tomem as devidas providências, demonstram que o sistema carcerário do Espírito Santo não é modelo para ser seguido por nenhuma unidade da federação.
O MNDH e as entidades signatárias repudiam com veemências as pseudo notícias veiculadas pela imprensa local e nacional e continuarão protagonizando ações e denúncias necessárias às mudanças no sistema carcerário do Espírito Santo, até que o Estado cumpra com seu dever de guardar e proteger, em sua plenitude, os universais e sagrados direitos da pessoa humana.
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