No Espírito Santo, trabalhadores tentam se organizar para cobrar de empresas e prefeituras por relações mais justas
Sufocados pela inflação e aumento dos preços dos combustíveis, motoristas de aplicativos capixabas participaram nessa quarta-feira (17) do ato nacional SOS Motoristas por Aplicativos, que luta por melhores condições de trabalho, tendo como uma das principais bandeiras o reajuste do valor recebido, que segundo eles não têm aumento desde 2016, data do início das operações da empresa Uber no Espírito Santo.
Cálculos dos motoristas indicam que, para repor as perdas, seria necessário um reajuste de 23,82%, sem considerar os aumentos constantes dos combustíveis nos últimos meses, devido ao preço flutuante de acordo com o mercado internacional. O movimento SOS Motoristas por Aplicativo considera que isso não precisa implicar aumento do valor pago pelos passageiros, já que a empresa aumentou as tarifas mas manteve o mesmo valor pago aos motoristas, desconsiderando os custos operacionais.
Pede também a exclusão de categorias como a Uber Promo e 99 Poupa, que pressionam os motoristas pagando valor muito baixos, reduzindo o ganho dos trabalhadores ao invés de sua margem de lucro.
Outra demanda é sobre a maior transparência das empresas como Uber e 99 Pop em relação aos critérios de bloqueio, já que não possuem direito de defesa, podendo ser bloqueados imediatamente após denúncia de passageiros. Também reclamam da falta de visibilidade das informações de passageiros e destinos da cada viagem.
“Temos limites de aceitação de corridas para continuar trabalhando. Se não tiver um mínimo de 40% de aceitação, o aplicativo te bloqueia e pode até te banir”, diz Luis Fuscão, integrante do Motoristas Unidos Fortes (Mufes), um dos grupos que participou das manifestações. Ele aponta a contradição das empresas, que alegam que os motoristas não são funcionários, mas sim livres colaboradores.
Muitos dos motoristas pagam financiamento de carros ou aluguel mensal em locadoras. Para começar a ganhar algo, precisam primeiro pagar essas contas, o que faz com que a maioria da categoria trabalhe muitas vezes até 12 horas por dia, o máximo permitido pelos aplicativos, ou em alguns casos até mais que isso, usando os apps de forma alternada. Isso implica tanto na perda da qualidade de vida como aumento do risco de acidentes.
Motoristas querem aumentar pressão
Segundo o Mufes, uma das estratégias deve ser pressionar as prefeituras dos municípios da Grande Vitória para agirem de modo a mexer na regulamentação para impedir o que consideram abuso das empresas. “As empresas de aplicativo não prestam o serviço de transporte, logo, não devem poder precificá-lo dentre tantas outras coisas relacionadas ao serviço de transporte”, diz, apontando mais uma contradição entre o discurso e a prática das empresas.
Luis Fuscão aponta a necessidade de seguir realizando mobilizações em níveis local e nacional. Mas, ressalta, estas não devem acontecer nas próximas duas semanas, devido ao período de quarentena, “em respeito aos motoristas que precisam rodar”, já que a tendência é que haja queda na procura dos transportes devido, resultado da expectativa de maior confinamento e menor circulação de pessoas, como determina as novas normas emitidas pelo Governo do Estado em decorrência do momento de iminente colapso do sistema hospitalar.
A nível nacional, o SOS Motoristas por Aplicativos afirmou que o 17 de março marca “apenas o inicio de um movimento constante em defesa de nossos direitos e por mais respeito”. Além do Mufes, existem no Estado outras organizações como a Associação dos Motoristas de Aplicativo do Espírito Santo (Amapes), Sindicato dos Trabalhadores de Aplicativos do Espírito Santo (Sintappes) e Entregadores Antifascistas ES, este já voltado para aplicativos de entrega para o delivery. Todos de criação recente e enfrentando desafios de organização dos trabalhadores e comunicação com as bases e sociedade em geral
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes a 2019 informam a existência de mais de 1 milhão de motoristas de aplicativos, número que deve ter crescido ainda mais durante a pandemia e a crise econômica brasileira, quando muitas pessoas perderam empregos e encontraram no trabalho autônomo com aplicativos uma alternativa, o que também aumentou a oferta de motoristas e afetou o valor das tarifas. Isso coloca a categorias de motoristas de aplicativo como uma das maiores categorias profissionais do país e os aplicativos entre os maiores empregadores, embora tal vínculo não seja reconhecido.
Uma notícia recente aponta que, após briga judicial, o Uber terá que reconhecer o status de trabalhadores de seus motoristas, garantindo salário mínimo e férias remuneradas, algo inédito a nível internacional.
Cooperativa capixaba apoia manifestações
Nessa quarta-feira, os motoristas se reuniram na Praça do Papa, em Vitória, de onde dois grupos saíram em carreata por destinos diferentes. Na Capital capixaba, o ato contou com apoio de um grupo de motoristas e trabalhadores de um aplicativo, o Podd, que funciona desde outubro no Espírito Santo.
Trata-se de um serviço pioneiro no Brasil, pois se organiza no modelo de cooperativa, no qual os motoristas são sócios e participam das decisões, inclusive das que envolvem os valores das tarifas. A taxa cobrada hoje pelo Podd por corrida é de 15%, enquanto as empresas de apps cobram entre 25% e 45%.
Em nota, a Podd, reconhece a dificuldade dos motoristas, considerando que com o aumento do valor dos combustíveis, há categorias criadas por aplicativos em que o valor do quilômetro rodado fica abaixo do valor do litro da gasolina. “Eles não querem que haja aumento para o passageiro, mas sim uma abertura de serem ouvidos pelas plataformas para que algo mude e entendam que os custos operacionais não estão sendo considerados”, diz a Podd em defesa dos motoristas.
A cooperativa afirma que mantém canais diretos de comunicação, treinamentos, reuniões e assembleias com motoristas e uma sede própria para recebê-los, e considera que grande parte das demandas dos motoristas em relação às empresas de aplicativo já está total ou parcialmente atendida no modelo cooperativista.
“O principal, acima de tudo, é a organização dos motoristas. Desta forma eles são ouvidos e podem manifestar posicionamento, pois de fato quem sabe sobre essa modalidade são eles. É o motorista que transporta, que sente na pele a realidade da rua, da mobilidade urbana por meio do transporte por aplicativo. Tem que ter a palavra e precisa participar de tudo. Somente por meio da organização dessa categoria, são ouvidos e os anseios atendidos com equilíbrio, para que atenda a necessidade real e, em contrapartida, o atendimento justo ao passageiro”, resume José Aparecido Ferreira, presidente da Coopertran, criadora do Podd.