quinta-feira, novembro 21, 2024
24.4 C
Vitória
quinta-feira, novembro 21, 2024
quinta-feira, novembro 21, 2024

Leia Também:

Protesto contra ato de racismo no Carone é convocado para esta quinta

Unidade Negra repudia violência física sofrida por homem no estabelecimento de Laranjeiras, Serra

A Unidade Negra Capixaba marcou para esta quinta-feira (23), às 17h, a manifestação contra o ato de racismo registrado na semana passada no supermercado Carone, em Laranjeiras, na Serra. Na ocasião, os seguranças agrediram fisicamente um homem negro, acusado de roubo. Toda a violência foi filmada pelo professor Demian Cunha e o vídeo ganhou repercussão nas redes sociais.

O integrante da Unidade Negra Capixaba, Gilberto Campos, o Gilbertinho, informa que, durante o ato, serão feitas falas, manifestações culturais e performances. “Vamos mostrar nossa indignação com a violência praticada contra um homem negro e que contém todos elementos de crime de racismo”, diz, destacando que houve ainda crimes de tortura, cárcere privado e abordagem ilegal. Além da manifestação, serão tomadas medidas jurídicas.

O advogado André Moreira informa que o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) será acionado para denunciar criminalmente tanto os funcionários que cometeram a agressão quanto a direção da unidade. Também será movida Ação Civil Pública (ACP) por parte das entidades do Movimento Negro e de defesa dos direitos humanos, denunciando o Carone por racismo institucionalizado.

A ação, segundo André, é pautada no fato de que o supermercado “tem precedentes da mesma natureza”. O advogado relata que seu escritório vai mover ação judicial individual, porque em 24 de dezembro de 2020, um menino de 12 anos foi agredido por seguranças no Carone de Jardim da Penha, em Vitória. André recorda que a criança vendia bombom na frente do estabelecimento, quando foi informada de que deveria sair dali, mas se recusou, sendo agarrada pelo pescoço pelos seguranças.
A agressão à criança, como afirma, será inclusa na ação civil pública com a violência dessa última sexta-feira. Este último episódio, avalia o advogado, é marcado pela confusão entre espaço público e privado. “O supermercado é espaço privado de acesso público, quem está lá não pode adotar medidas que devem ser praticadas por servidores públicos, nesse caso, pela Polícia Civil [PC] e Militar [PM], pelos agentes da segurança pública”, explica.
André recorda que em casos semelhantes ocorridos em supermercados, no desenrolar do processo judicial, o Movimento Negro chegou a tirar o reconhecimento do ato de racismo. Um deles foi o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, morto a pancadas por seguranças do Carrefour em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em novembro de 2020. “Não há possibilidade de a gente fazer isso. Vamos lutar para que isso não aconteça. Queremos levar o caso até o final”, garante.
O crime ocorrido no Carrefour do Rio Grande do Sul motivou manifestações do Movimento Negro em todo o país, inclusive no Espírito Santo, onde foi feito um protesto no Carrefour do Shopping Vila Velha.
Foto: Marco Antônio

A agressão filmada não foi o único ato de racismo ocorrido em supermercado neste ano. Em 20 de janeiro, o padre Manoel David fez um desabafo nas redes sociais sobre a discriminação que sofreu dentro do supermercado Casagrande, no bairro Aeroporto, em Guarapari. Ele relatou perceber que estava sendo seguido por um segurança dentro do estabelecimento. Para confirmar sua suspeita, mesmo depois de ter escolhido os produtos dos quais precisava, continuou a andar pela loja, sendo seguido durante todo o tempo.

O segurança, segundo ele, o acompanhou até o caixa. O sacerdote relata que, nesse momento, irritado, ele tirou o boné, jogou no caixa, falou com o segurança que iria pagar as compras, mostrou sua carteira sacerdotal e declarou sua percepção sobre o comportamento anormal do funcionário. Ainda de acordo com o padre, um outro segurança, ao ver a cena, se aproximou e disse que ele havia celebrado o casamento de sua mãe, apaziguando a situação.

Manoel David relatou na época ter passado por essa situação por causa da maneira como estava vestido, além de estar com a barba por fazer. “Me vejo vivendo essa situação somente pelo fato de estar de bermuda, camiseta e boné de uma loja de material de construção de Guarapari. Ou será porque não tenho porte de turista branco? Preconceito? Racismo? Supermercado Casagrande de Guarapari segue o caminho do Carrefour”, disse, indignado.
O padre disse, na ocasião, que se colocou no lugar de muitos que não ocupam a mesma posição social que ele e não são conhecidos. “O outro segurança me reconheceu, mas quem não é conhecido, como fica? Será que se fosse outra pessoa, mostrando o RG, conseguiria se defender? Um RG não iria significar nada para eles, já a carteira sacerdotal dá respaldo”, acrescentou.

Testemunha
Uma das testemunhas da agressão ocorrida na última sexta-feira (17) na Serra é o professor Demian Cunha, que filmou a violência e divulgou o vídeo nas redes sociais, fazendo com que viralizasse. Ele contesta o posicionamento divulgado pelo supermercado sobre o assunto. De acordo com o Carone, houve tentativa de furto de uma bicicleta e, “conforme imagens do circuito de monitoramento, ao ser abordado por seguranças das terceirizadas do Carone Mall [que é o shopping, e não o supermercado], o mesmo [a vítima] resistiu”.
O supermercado prossegue relatando que “nesse momento, além de resistir, inclusive chutando a porta, estava gritando muito, bem como agredindo os seguranças, alguns clientes se aproximaram e tomaram partido do acusado, ameaçando os seguranças para soltá-lo. Assim, antes mesmo da chegada da polícia, evitando maior tumulto, o rapaz foi liberado pelos terceirizados”.
Demian relata que estava no local para fazer compras de Natal e, enquanto fazia o pagamento no caixa, avistou a vítima chegar com as mãos para trás, sendo carregada pelos seguranças, sem mostrar resistência. O rapaz foi levado para o banheiro. “Foi quando pensei que algo poderia acontecer e ameacei gravar. Disse: avisa aí, não pode fazer isso não, eu tô gravando aqui”, recorda Demian, que afirma que antes mesmo de a porta do banheiro fechar, as agressões haviam começado. “Nesse momento eu ainda não estava gravando, mas eu vi”, relata.
O professor relata que o guarda patrimonial impediu a entrada de outras pessoas no banheiro. As pessoas foram aglomerando e o rapaz conseguiu sair do recinto. “Ele não havia oferecido resistência antes, ele ofereceu resistência quando foi agredido. O Carone afirma no comunicado que tem imagens que comprovam que houve resistência. Por que não divulgam essas imagens para mostrar que fizeram o certo, se é que não apagaram?”, questiona.

Repúdio
Entidades e mandatos se pronunciaram sobre o ocorrido no Carone. O Conselho Municipal de Direitos Humanos da Serra (CDDH) e o Conselho Municipal do Negro (Conegro) classificaram a situação como “violação de direitos humanos, abordagem violenta, preconceituosa e desrespeito à dignidade do cidadão, que foi exposto à situação agressiva, vexatória e humilhante”.
As entidades defendem que “um estabelecimento aberto ao público não pode discriminar as pessoas que nele circulam, devendo tratar a todos com dignidade e respeito”, e solicitam que “a empresa assuma sua responsabilidade e execute ações de prevenção, enfrentamento, reparação dos direitos violados e adotem medidas que impeçam a recorrência de situações como esta”.
Charge: Mindu

Além disso, recomendam “o investimento em qualificação e formação continuada para seus funcionários e colaboradores, a fim de que os mesmos atuem respeitando os direitos humanos de todas as pessoas”. No que diz respeito aos órgãos estatais, exigem que “atuem com rigor e legalidade para apurar, trazer a verdade e responsabilizar os culpados”.
O Conegro e o CDDH reforçam que “é necessário que os governantes municipais e Estadual orientem as forças de segurança, principalmente a Guarda Civil Municipal e a Polícia Militar do Estado do Espírito Santo, para que atuem de forma exemplar, inspirando as forças de segurança privada a atuarem para a garantia de direitos e o respeito aos indivíduos”.

Defendem ainda que “é necessário que a mídia não reforce ou valorize afirmativamente comportamentos agressivos e violentos e que toda a sociedade atue para a promoção e a efetivação de uma cultura de paz e de respeito”. As entidades também se comprometem a “colaborar com toda a sociedade serrana nesse sentido”, além de se colocar à disposição “para apoio, orientação e proteção do cidadão que foi vitimado nessa situação e de sua família”.

A deputada estadual Iriny Lopes (PT) afirmou em suas redes sociais estar “estarrecida” com a violência praticada dentro do Carone e destacou que “a abordagem correta mediante furto seria chamar a polícia. Não há nada que justifique essa atrocidade”, além de ter informado que seu mandato já cobrou apuração do Estado sobre o caso por meio da Secretaria Estadual de Direitos Humanos (SEDH).

A vereadora de Vitória Camila Valadão (Psol) também se pronunciou em suas redes, dizendo que “nossos corpos continuam na mira da política de criminalização e extermínio. Esperamos respostas dos órgãos competentes. Nada justifica tamanha violência e atrocidade!”. A também vereadora de Vitória, Karla Coser (PT), defende que o vídeo “mostra como a estrutura da violência racista precisa urgentemente ser combatida. Nada justifica a agressão, ainda que o homem tivesse furtado”, destacando ainda que não parece que o furto tenha ocorrido, já que a vítima foi liberada pelos seguranças.

Karla defende que “não se faz justiça com as próprias mãos” e que “muito menos devemos aceitar injustiças”. Também se mostra “chocada” com “a sensação de ‘impunidade’ dos homens que estavam sendo filmados”. Ela termina com o seguinte questionamento: “normalizamos a violência cotidiana?”. 

Mais Lidas