O Ministério Público Federal no Espírito Santo (MPF-ES) arquivou a representação criminal da Organização de Estudantes Negros da Universidade Federal do Espírito Santo (Coletivo Negrada), denunciando a suposta prática do crime de falsidade ideológica por estudantes aprovados no Vestibular da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) 2016, que teriam autodeclarado no étnicorracial para ter o benefício da cota. O caso segue agora para análise na área cível.
No que se refere à natureza criminal, a representação argumentava que diversos candidatos teriam se declarado falsamente negros e pardos para usufruírem da reserva de vagas de cota racial, quando na verdade não se enquadrariam nessa categoria. Ressaltava, ainda, que “com uma simples verificação nas fotografias dos candidatos aprovados no vestibular (nas redes sociais), é totalmente possível notar que os candidatos denunciados não apresentam os fenótipos característicos de pessoas negras”.
O MPF. porém, se fundamentou na Lei nº 12.711/2012 – que normatiza a política de cotas para ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino – e com o edital do Vestibular da Ufes 2016, o critério para que se possa usufruir do sistema de cota racial é puramente a autoidentificação, por meio da autodeclaração do candidato. Não estão previstos – nem na lei, nem no edital – quaisquer critérios fenotípicos, genotípicos e de qualquer outra natureza, para a identificação de pardos, negros ou índios (PPI). Exatamente por isso não há etapa de comprovação de veracidade da declaração durante o processo, como ocorre nos casos de optantes por cota de renda.
Na decisão de arquivamento o MPF ressalta que, para que alguém pudesse ser acusado de prática de falsidade ideológica na autodeclaração, seria indispensável demonstrar que a declaração falsa fora feita dolosamente, ou seja, no intuito de concorrer em vagas destinadas a PPI. Mas como o critério eleito pela legislação e acompanhado pelo edital da Ufes é puramente a autodeclaração, e não há na lei nem no edital definição de critério a ser utilizado para enquadramento e comprovação nas categorias preto, pardo e índio, é impossível falar na prática de falsidade ideológica.
O procurador Flávio Bhering explica que dentro do critério de autodeclaração, na forma da lei e do edital, preto, pardo e índio é aquele indivíduo que se identifica como tal. “A pessoa pode ser loira dos olhos azuis. Mas se ela se autodeclara parda, por exemplo, não há irregularidade em âmbito criminal, uma vez que não há como confrontar o conteúdo dessa autodeclaração, quando utilizada como critério único num processo seletivo”, destaca.
Apesar do arquivamento no âmbito criminal, a representação apresentada pelo Coletivo Negrada será analisada pelo MPF/ES na área cível. Já está agendada, inclusive, uma reunião entre o MPF e um representante do Coletivo Negrada para tratar dessas questões nesta sexta-feira (4).