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MST reivindica criação de novos assentamentos em nível estadual

[Podcast] Marco Carolino, dirigente do movimento camponês, considera que pandemia evidencia importância da reforma agrária

A quinta entrevista do podcast do Século Diário é com o dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Marco Antonio Carolino. Integrante da luta do movimento desde seus princípios no Espírito Santo, em meados da década de 1980, ele fala sobre as diversas demandas que os sem-terra têm pautado no Estado. Você pode ouvir a entrevista na íntegra pelo Spotify ou buscar outro serviço de streaming de sua preferência. Também pode ler uma síntese abaixo. 

Divulgação

Entre as questões levantadas por Carolino estão os acampamentos produtivos e a reivindicação pela criação de novos assentamentos pelo governo estadual, o combate à fome e o enfrentamento à pandemia, as estratégias para venda de alimentos, e a construção de um espaço de comercialização no Centro de Vitória.

O MST se reuniu meses atrás com o governador Renato Casagrande (PSB). Quais foram as principais demandas e questões que o movimento coloca para o governo do Estado?

Nós temos hoje 22 assentamentos criados pelo governo do Estado nos anos 80 e 90. São assentamentos vinculados à Secretaria de Agricultura e espalhados por vários municípios. Nesse contexto há uma demanda grande, uma defasagem grande, do ponto de vista de assistência técnica, de políticas públicas voltadas para construção de barragens e estradas, e na questão da moradia ainda há demanda em alguns casos.

E tratamos também da política de crédito, de comercialização e de renegociação de algumas dívidas. Isso foi um pouco da pauta que tratamos com o governador no dia 27 de maio deste ano. Desde 2019, nós vínhamos buscando essa audiência e, além de todas essas pautas que coloquei, também tem o debate da questão da educação, pois há várias escolas nos assentamentos vinculadas à Secretaria de Educação, a Sedu, com pautas que se arrastam há muitos anos do ponto de vista das diretrizes da educação do campo, da estrutura das escolas.

Também discutimos políticas públicas vinculadas à aquisição de alimentos tanto para escolas como política para que assentados e assentados produzam alimentos de forma que o governo possa adquiri-los e distribuir para quem precisa. As políticas a nível federal nesse sentido praticamente não existem mais. Então pautamos também ao governador a questão da aquisição dos alimentos, para garantir tanto a renda para os agricultores mas também o combate à fome no Estado, porque a fome voltou ao país, com muitas pessoas passando muita dificuldade nesse aspecto.

O movimento ocupa terras improdutivas reivindicando a construção de assentamentos para reforma agrária. Como estão hoje os acampamentos que existem e não viraram assentamentos?

Essa também foi uma das principais pautas tratadas com o governo. Desde antes deste governo a gente já vinha tratando disso, do papel que o governo do Estado cumpriu na criação dos 22 assentamentos. Hoje vemos como única possibilidade o governo estadual retomar o processo de criação de alguns assentamentos, diante da ausência de responsável da política de reforma agrária do governo federal. 

Todas as organizações do campo apostam nos governadores para salvar aquilo que as organizações e pessoas construíram. Do ponto de vista da agricultura familiar, camponesa, as políticas públicas para os povos do campo, indígenas quilombolas, ribeirinhos, sem-terras, acampados, não existem mais. Existe ao contrário, uma política de invasão aos territórios indígenas, a não continuidade da regularização das terras quilombolas e a abertura com medidas legais inclusive para que empresas multinacionais aumentem a concentração de terras nesses territórios de comunidades históricas no país. Então, de fato, é uma política contrária aos povos do campo.

No Espírito Santo, fazem praticamente 10 a 11 anos que não se constrói um novo assentamento, os últimos foram Adão Pretto e Carlos Lamarca, em Nova Venécia. Mas temos acampamentos com cindo anos. Hoje estamos com oito acampamentos. Desses, sete estão em áreas devolutas, patrimoniais, e que são muito dúbias se são da Suzano ou não. A Defensoria Pública tem nos ajudado a desvendar esse processo, temos pautado a Secretaria de Agricultura, o Idaf [Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal] e o governo do Estado para se posicionarem em relação a essa questão.

Todo esse processo está em torno da aquisição de terra para os oito acampamentos. Apenas um, em Nova Venécia, não estão em área da Suzano. Os outros estão em Conceição da Barra, Pinheiros, Montanha, Linhares e Aracruz. São acampamentos de três a cinco anos que estão com um nível de produção muito grande, chamamos de acampamentos produtivos, com pessoas produzindo sua vida ali, comercializado nas feiras locais e nas políticas de cestas que o MST tem entregue na Grande Vitória.

Produção no acampamento produtivo João Gomes. Foto: Divulgação

Mesmo sem política de reforma agrária a nível nacional, com o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] sucateado do ponto de vista de recursos humanos e financeiros, não basta apenas o governo dizer que não vai fazer reforma agrária que o conflito não vai estar instalado. O conflito vai existir, porque não se resolveu o problema da reforma agrária, da terra e nem do desemprego. As pessoas desempregadas vão procurar no campo ou na cidade um meio para sobreviver e os acampamento produtivos estão sendo esses espaços de luta, mas também de perspectivas para as pessoas.

Nós sempre fizemos luta pela reforma agrária com clareza de que ela é uma política social que de fato distribui renda, distribui terra e distribui liberdade. E nesse período da pandemia, estamos muito mais convencidos disso. Os camponeses, indígenas e quilombolas conseguiram enfrentar esse momento tão difícil com mais liberdade, mais capacidade de fazer isolamento, de trabalhar e se alimentar. E os dados vão mostrar isso. O povo na cidade não morreu porque quis e sim porque a estrutura organizativa das cidades nas periferias não permitam que as pessoas possam enfrentar a pandemia com isolamento, higienização, pois em muitos lugares falta água. Como o cidadão vai fazer isolamento se muitos têm que trabalhar e voltar para uma casa onde mora com até 8 a 12 pessoas?

Se for fazer debate da reforma agrária do ponto de vista da pandemia pelo vasto território que o Brasil tem, é uma das políticas que precisa ter um trato com mais seriedade pelo poder público. Porque é uma das políticas que permitem passar por um momento como esse perdendo menos gente, tendo em vista que podem surgir outra pandemias como essa, pois tem muito a ver com ações que o capital vem desenvolvendo a nível mundial e que estão trazendo essas mutações de vírus que nos colocaram numa condição muito difícil, de muitas perdas de pessoas. Muitos países e estados não estavam preparados e aqui no Brasil tivemos a maior infelicidade de ter um chefe de Estado que ignorou a pandemia em todos os sentidos.

A comercialização costuma ser um desafio grande para a agricultura familiar. Quais têm sido as estratégias do MST para fazer a produção chegar aos consumidores?

De fato essa questão da comercialização para o homem do campo sempre foi gargalo crucial. Primeiro porque não se tem seguro daquilo que se produz. Se plantou e não colheu ou vendeu tem que plantar de novo, começar tudo de novo, não tem um seguro agrícola no Brasil nem nos estados e municípios.

Então o primeiro desafio é produzir e o segundo é a comercialização. Sempre foi uma busca nossa e aí são vários instrumentos construídos. Não conseguimos ainda inserir a venda de nossos produtos na maioria dos municípios entre os 30% previstos para agricultura familiar na merenda escolar. É o mínimo previsto na lei, mas a maioria dos municípios não cumpre.

Tem as feiras livres em que os assentados e agricultores familiares participam nos municípios, depois construímos as feiras da reforma agrária a nível nacional e estadual, agora estamos a nível estadual e nacional com a comercialização de cestas, por meio da tecnologia, da internet, conseguimos ir organizando isso. É um exercício que a pandemia nos forçou a fazer com todos os cuidados. Estamos desenvolvendo a entrega das cestas a partir da Grande Vitória, entregando de 15 em 15 dias com produtos tanto dos assentamentos como dos acampamentos produtivos. Queremos trabalhar com entregas em todos municípios. É um processo ainda em construção, mas podemos avançar muito.

Produção no Acampamento Fidel Castro preparada para o envio nas cestas entregues na Grande Vitória. Foto: Divulgação

Na Grande Vitória há uma população muito grande, inclusive com gente de esquerda, que defende a reforma agrária, a produção de alimentação saudável. E com isso vamos ganhando mercado e fazendo a disputa. Mais do que fazer a venda, é fazer o debate da necessidade de reforma agrária, pois acreditamos que só se faz reforma agrária de fato com envolvimento da população. Por isso, temos o conceito de reforma agrária popular, que não pode ser só uma defesa do MST, mas tem que ser de quem come comida.

É um debate sobre a função social da terra. Se ela é para produzir alimento ou eucalipto, se é para produzir comida ou não. Então é esse debate sobre comida mais barata, acessível para todo mundo. Não queremos que só quem tem poder aquisitivo possa comer alimento saudável e quem tem dificuldade de renda coma qualquer coisa. Se a sociedade não entende esse debate, dificilmente conseguiremos fazer reforma agrária e garantir que pequenos agricultores continuem na terra.

Um sonho de muitos anos que temos é de como colocar nossa produção em alguns lugares estratégicos, centros de comercialização. Aqui no Estado, queremos iniciar uma experiência na Casa Verde, um espaço que estamos discutindo. O MST tem a tarefa de fazer com que aconteça, contando com outras parceiras também. É um desafio que almejamos há muito tempo e estamos nos empenhando para que isso de fato aconteça, que seja espaço de venda de produtos e um espaço de cultura, de encontro das pessoas. Essa relação campo-cidade tem que se dar do ponto de vista da cultura, da comunicação, mas também da produção de alimento, que é o que nos integra nessa relação do movimento campo e cidade, que está meio desarticulado, mas precisamos retomar. Essa é a relação que precisamos construir enquanto classe.

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