Trabalhadores debaterão o tema em assembleia e sinalizam paralisação de 18 horas
As mudanças na legislação portuária aprovadas pela Comissão de Juristas para Revisão Legal da Exploração de Portos e Instalações Portuárias (Ceportos), na Câmara dos Deputados, ameaçam o emprego de cerca de 50 mil trabalhadores em todo o Brasil e 1,6 mil no Espírito Santo. As propostas serão discutidas em assembleia nesta sexta-feira (1), Centro de Vitória, que reunirá trabalhadores representados pelos sindicatos dos estivadores, portuários, amarradores, vigias e conferentes.
A discussão é para deixar os trabalhadores a par dos acontecimentos para, futuramente, terem condições de deliberar sobre uma paralisação de 18 horas. A realização do protesto foi aprovada pela Federação Nacional dos Estivadores (FNE), Federação Nacional dos Portuários (FNP) e a Fenccovib, que representa conferentes, consertadores de carga e descarga, vigias portuários, trabalhadores de bloco, arrumadores e amarradores de navios, após a aprovação do anteprojeto na comissão.
Uma das modificações previstas é a precarização do Órgão Gestor de Mão de Obra Avulsa (Ogmo), ao qual os 1,6 mil portuários, que terão seu registro e o cadastro extintos, estão vinculados. O anteprojeto de novo arcabouço legal para o sistema portuário seguirá para a análise do presidente da Câmara, deputado federal Arthur Lira (PP-AL).
O Ogmo, explica o presidente da Intersindical da Orla Portuária do Espírito Santo e integrante da Federação Nacional dos Estivadores, José Adilson Pereira, é um órgão sem fins lucrativos, gestor de mão de obra, tendo como algumas de suas responsabilidades a seleção de trabalhadores e a gestão do trabalho. De acordo com o anteprojeto, o órgão passaria a ter a concorrência da Empresa Prestadora de Trabalho Portuário (EPTP), a ser criada.
A EPTP poderá atuar tanto com trabalhadores avulsos quanto com os de vínculo empregatício, enquanto o Ogmo ficaria restrito ao fornecimento de trabalhadores avulsos e apenas para seus associados. O sistema de trabalho avulso, que garante direitos e proteções específicas aos trabalhadores portuários, poderá desaparecer, sendo substituído por um com menor segurança jurídica e menos garantias.
“Essa condição levará à ampliação da terceirização e à precarização das condições de trabalho, uma vez que a EPTP terá ampla liberdade para contratar trabalhadores, inclusive terceirizados. A busca por menores custos e maior flexibilidade por parte da EPTP poderá resultar em contratos de trabalho mais precários, com salários mais baixos e menos benefícios”, destaca José Adilson.
A situação piora, afirma, com a possibilidade do fim da negociação coletiva, já que o anteprojeto prevê que o setor de trabalho é quem vai definir salário e composição de equipe. Além disso, informa José Adilson, a iniciativa da Comissão de Juristas limita o que é o trabalho portuário, estabelecendo que são os exercidos no navio e na faixa de cais do navio. Assim, fragmenta a categoria e a enfraquece, inclusive, em termos de mobilização sindical.
Há, ainda, o fato de que algumas funções serão extintas, como os vigias portuários e os consertadores de bloco, o que, aponta José Adilson, resultará na queda na qualidade dos serviços prestados pelos portos do Espírito Santo, que destaca como referência no Brasil. O dirigente sindical pontua que a Comissão de Juristas tem um direcionamento a favor do setor patronal, não havendo, na elaboração do anteprojeto, participação de representantes do Governo Federal e dos próprios trabalhadores.
Na véspera da votação na comissão, em outubro, os trabalhadores portuários capixabas participaram de uma paralisação nacional de 12 horas da categoria. A mobilização foi na entrada da Vports, em Capuaba, Vila Velha, onde a Intersindical da Orla Portuária do Espírito Santo organizou um ato político. A Federação Internacional dos Trabalhadores em Transporte (ITF, na sigla em inglês) enviou ofício, em 14 de outubro, ao ministro de Portos e Aeroportos do Brasil, Silvio Costa Filho, pedindo providências contra as propostas apresentadas.
“Estas proposições vão gerar desemprego dos portuários, precarização da mão de obra e extermínio das organizações sindicais de portuários do Brasil. Por isto, fomos comunicados que dia 22/10/2024 os portuários brasileiros farão mobilização de 12 horas no período diurno nos portos, e terão toda a solidariedade dos sindicatos de transporte do mundo afiliados à ITF”, diz o documento.
Ofensiva contra portuários
De acordo com a Lei dos Portos, a contratação de trabalhadores de capatazia, bloco, estiva, conferência de carga, conserto de carga e vigilância de embarcações com vínculo de emprego por prazo indeterminado precisa ser feita exclusivamente dentre portuários avulsos registrados no Ogmo – dispositivo que agora é questionado por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).
A ação foi ajuizada em conjunto pela Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres (Abratec) e Federação Nacional das Operações Portuárias (Fenop). As entidades patronais querem que a “exclusividade” seja interpretada como “prioridade”, abrindo margem para contratar profissionais fora do Ogmo.
A Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestou contrariamente à ADI, reforçando o caráter literal da expressão “exclusividade”, dentro de uma lei que passou por todos os trâmites no Congresso Nacional. A Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos – Casa Civil da Presidência da República e o Senado Federal seguiram o mesmo entendimento, e requereram ao relator da ação no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, que a ADI seja julgada improcedente.
A ação ainda está em tramitação, mas a Câmara dos Deputados também reconheceu que a lei passou por todos os trâmites legais para ser validada e instituída em 2013. Sendo assim, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), instalou a Comissão de Juristas no último dia 12 de março, para revisar a lei.
Para as organizações dos portuários, na prática, o fim da exclusividade da mão de obra avulsa significaria o fim do Ogmo e dos sindicatos, e o início de uma era de trabalhadores portuários vinculados com baixos salários, sofrendo ameaças de demissão a todo momento.
“Os trabalhadores vão perder seu registro e cadastro, que foram conquistados por meio de seleções públicas, para se construir uma vida no porto. Colocar mão de obra terceirizada para trabalhar nos portos é o mesmo que colocar um médico sem registro para trabalhar em um hospital. Você aceitaria esse atendimento?”, questiona José Adilson. Os portuários já realizaram duas paralisações este ano por causa desse tema, em março e abril, e também aprovaram estado de greve em fevereiro.