Após atos em todo o Brasil, proposta perdeu força no Congresso. OAB critica teor “cruel e inconstitucional”
A possibilidade de a votação do Projeto de Lei (PL) 1904/2024, de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL/RJ) e que equipara aborto a homicídio, ser deixada para o fim do ano, não fará os movimentos de mulheres “baixar a guarda” nas mobilizações contra a proposta. A integrante da Frente pela Legalização do Aborto do Espírito Santo (Flaes), Leilany Santos Moreira, afirma que as mulheres irão se manifestar contra o projeto até que ele seja arquivado definitivamente.
A proposta equipara o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, inclusive nos casos de gravidez resultante de estupro. A proposta altera o Código Penal, que hoje não pune o aborto em caso de estupro e não prevê restrição de tempo para o procedimento nesse caso. O código também não pune o aborto quando não há outro meio de salvar a vida da gestante. A tramitação em regime de urgência foi aprovada na última quarta-feira (12), na Câmara dos Deputados.
Nesse domingo (16) foi realizada uma manifestação em Vitória, em frente à Assembleia Legislativa, organizada pela Flaes e pelo Fórum de Mulheres do Espírito Santo (Fomes). “Foi muito positivo. Para um domingo à tarde o número de pessoas foi bastante expressivo. Tivemos apoio da população, pessoas que passavam pelo local mas não sabiam do protesto se juntaram a nós, muitos motoristas que passavam pela avenida buzinavam em apoio”, afirma Leilany.
Também nesse domingo aconteceu, em Guarapari, a roda de conversa “Políticas Públicas para Mulheres e Controle Social: Nenhum Direito a Menos!” Nesta segunda-feira (17) também foi realizada, na Praça Costa Pereira, Centro de Vitória, uma banca de diálogo, na qual as pessoas puderam conversar e tirar suas dúvidas sobre o projeto de lei. Nesta terça-feira (18), no Metrópoles, na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), acontecerá o Cine Debate, com exibição do filme Levante, às 19h. Na terça da semana que vem, dia 25, o tema será debatido no Espaço Cultural Thelema, no Centro de Vitória, a partir das 19h.
O projeto foi assinado por mais de 30 parlamentares, entre eles, Gilvan da Federal (PL) e Evair de Melo (PP), ambos da bancada capixaba. A proposta ficou conhecida como PL da Gravidez Infantil, já que as meninas são consideradas as mais prejudicadas caso seja aprovado, pois, entre as pessoas que procuram abortamento legal acima de 22 semanas em caso de estupro, há um número considerável de crianças vítimas de abuso sexual. Isso porque, nessas situações, há mais demora em descobrir a gestação.
Para barrar o projeto, foi criada a Campanha Criança Não é Mãe, que coleta assinaturas para pressionar as lideranças da Câmara dos Deputados. De acordo com dados do Anuário Brasileiro da Segurança Pública, contidos no site, 74,9 mil pessoas foram estupradas no Brasil em 2022, sendo 88,7% do sexo feminino. Desse total, seis a cada 10 tinham, no máximo, 13 anos.
“O texto grosseiro e desconexo da realidade expresso no Projeto de Lei 1904/2024, que tem por escopo a equiparação do aborto de gestação acima de 22 anos ao homicídio, denota o mais completo distanciamento de seus propositores às fissuras sociais do Brasil”.
Além disso, destaca, ignora “aspectos psicológicos; particularidades orgânicas, inclusive, acerca da fisiologia corporal da menor vítima de estupro; da saúde clínica da mulher que corre risco de vida em prosseguir com a gestação e da saúde mental das mulheres que carregam no ventre um anincéfalo”.
“Todo o avanço histórico consagrado através de anos e anos de pleitos postulações e manifestações populares e femininas para a implementação da perspectiva de gênero na aplicação dos princípios constitucionais”, prossegue o parecer, “é suplantado por uma linguagem punitiva, depreciativa, despida de qualquer empatia e humanidade, cruel e, indubitavelmente, inconstitucional”.
Para a comissão, “ao equiparar o aborto a homicídio, mesmo que dentro das exceções legais, o texto afronta princípios constitucionais fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade familiar e o melhor interesse da criança. Além disso, a proposta viola os direitos das meninas e mulheres, impondo-lhes ônus desproporcional e desumano”.