A Frente pela Legalização do Aborto do Espírito Santo (Flaes) e o Fórum de Mulheres do Espírito Santo (Fomes) darão início a mobilizações contra o Projeto de Lei (PL) 1904/2024, cuja tramitação em regime de urgência foi aprovada nessa quarta-feira (12), na Câmara dos Deputados. Estão programadas, até o momento, atividades no próximo domingo (16), em frente à Assembleia Legislativa; na segunda-feira (17), na Praça Costa Pereira, Centro de Vitória; e na terça-feira (18), no Cine Metrópoles, na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), campus de Goiabeiras.
O PL equipara o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, inclusive nos casos de gravidez resultante de estupro. A proposta altera o Código Penal, que hoje não pune o aborto em caso de estupro e não prevê restrição de tempo para o procedimento nesse caso. O código também não pune o aborto quando não há outro meio de salvar a vida da gestante.
A integrante da Frente pela Legalização
, Leilany Santos Moreira, afirma que, a partir das 13h, manifestantes estarão em frente à Assembleia para fazer panfletagem, colar cartazes e fazer falas com o intuito de dialogar com a população sobre o PL.
“Querem nos tirar um direito garantido com muita luta. Nossos corpos são violentados todos os dias, e em 23 segundos, que foi o que durou a votação, colocam nossas vidas em jogo. Estão querendo barganhar com o Governo Federal usando a vida das mulheres e meninas”, diz Leilany, referindo-se à fala do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), autor do PL, que afirmou que o projeto será um teste para provar se é verdade o compromisso assumido por Lula com os evangélicos, em carta apresentada durante as eleições 2022.
Na segunda-feira, na Praça Costa Pereira, haverá, das 11h às 13h, uma banca de diálogo, na qual as pessoas poderão conversar e tirar suas dúvidas sobre o projeto de lei. Na terça-feira, no Metrópoles, acontecerá o Cine Debate, com exibição do filme Levante. O horário ainda não foi definido. O longa- metragem conta a história de Sofia, uma jovem atleta que, às vésperas de um campeonato de vôlei decisivo para sua carreira, descobre estar grávida. Ela decide interromper a gravidez de forma clandestina, mas encontra a resistência de um grupo fundamentalista que a tacha de pecadora e tenta detê-la. Entretanto, por outro lado, ela conta com uma vasta rede de apoio.
O projeto foi assinado por mais de 30 parlamentares, entre eles, Gilvan da Federal (PL) e Evair de Melo (PP), ambos da bancada capixaba. A proposta ficou conhecida como PL da Gravidez Infantil, já que as meninas são consideradas as mais prejudicadas caso seja aprovado, pois, entre as pessoas que procuram abortamento legal acima de 22 semanas em caso de estupro, há um número considerável de crianças vítimas de abuso sexual. Isso porque, nessas situações, há mais demora em descobrir a gestação.
“O que a extrema direita quer, não é proteger as crianças, mas proteger quem comete violência contra elas”, critica Leilany.
Para barrar o projeto, foi criada a
Campanha Criança Não é Mãe, que coleta assinaturas para pressionar as lideranças da Câmara dos Deputados. De acordo com dados do Anuário Brasileiro da Segurança Pública, contidos no site, 74,9 mil pessoas foram estupradas no Brasil em 2022, sendo 88,7% do sexo feminino. Desse total, 6 a cada 10 tinham, no máximo, 13 anos.
Dados do Datasus, também expostos pela campanha, apontam que, em 2019, 72 gestações foram interrompidas legalmente em crianças e adolescentes menores de 14 anos. Em 10 anos, ou seja, no período entre 2013 e 2022, a média de nascidos vivos de meninas menores de 14 anos foi de 21,9 mil por ano. Ou seja, a cada ano, mais de 20 mil meninas deixaram a infância ou a adolescência para viverem a maternidade. Dessas, mais de 70% eram negras.
Em 2020, o caso de uma menina de 10 anos, de São Mateus, norte do Estado, ganhou repercussão nacional após a negativa do Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (Hucam), o Hospital das Clínicas, de fazer o abortamento legal, alegando despreparo técnico. A criança estava grávida de um tio que a estuprou. A saída encontrada foi ser encaminhada para Recife, Pernambuco, onde a gravide foi interrompida.
Em todo o Brasil, inclusive no Espírito Santo, grupos que se autointitulavam pró-vida se articularam para impedir a interrupção da gravidez. Por outro lado, muitos também se mobilizaram para garantir o direito da criança. No Estado, a Frente pela Legalização do Aborto divulgou uma nota assinada por cerca de 50 entidades do Espírito Santo, de outros estados e do exterior, na qual defendiam que a interrupção da gravidez da menina estava amparada pelo artigo 128 do Código Penal, pois se enquadrava nas duas hipóteses de abortamento legal previstas.
O Fórum de Mulheres do Espírito Santo, juntamente com a Flaes, também realizou um ato, no Hucam, para reivindicar estrutura digna de atendimento para abortamento legal, em Vitória, às mulheres, meninas, homens trans e pessoas não binárias. Com ursinhos de pelúcia nas mãos, simbolizando a infância, as manifestantes recordaram não somente a menina de São Mateus, mas tantas outras crianças vítimas de violência sexual.