Anúncio do Dia Internacional dos Povos Indígenas utiliza imagem sem qualquer relação com etnias locais
O que era para ser uma homenagem se transformou em mostra de profunda ignorância ou no mínimo uma grande gafe por parte da Prefeitura de Aracruz, no norte do Estado. No anúncio publicado em jornais locais em referência ao Dia Internacional dos Povos Indígenas, nessa quarta-feira (9), a imagem utilizada é a de uma pessoa sem qualquer relação com as etnias presentes no município, aparentemente resultado de Inteligência Artificial (IA).
A intenção parece ser a de combater ideias errôneas sobre os povos originários, considerando a frase “Não deixe que seu preconceito te impeça de ver além”, aplicada no canto direito superior. A imagem, de um homem jovem, é dividida em duas partes: de um lado, o rosto é pintado de traços tribais com tinta de jenipapo e urucum; do outro, um piercing no nariz.
As feições do modelo, no entanto, fogem completamente às que caracterizam, em toda a sua diversidade, os indígenas que vivem em Aracruz e mesmo em outros municípios do Espírito Santo e da região Sudeste, quiçá do Brasil.
A gafe gerou comentários no dia da data comemorativa. Nesta quinta-feira (10), procurado para comentar como o fato repercutiu nas aldeias de Aracruz, Paulo Tupinikim, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), lamentou a falta zelo na produção do anúncio. “Com tanto indígena no município, a prefeitura faz essa montagem”, critica.
Perguntado se a atitude reflete a relação das comunidades com a gestão de Dr. Coutinho (Cidadania), Paulo ameniza. “Reconhecemos o apoio que o município tem dado às aldeias, ele á parceiro nosso. Mas é importante que ela valorize os povos locais”. A parceria se reflete em ações em áreas como saúde, educação e na Política Municipal dos Povos Indígenas (Lei nº 4.506/2022), sancionada em agosto passado, dispondo sobre o “reconhecimento, valorização e prestação de serviços públicos municipais adequados aos povos e populações indígenas de Aracruz”.
Mas a visibilidade, diz, ficou a desejar, na total falta de representatividade dos povos locais. A situação, avalia, acaba invisibilizando os povos indígenas de Aracruz. “Será que é porque não temos o estereótipo indígena idealizado?”, pergunta, refletindo um preconceito cotidiano sofrido pelas famílias em Aracruz, especialmente as Tupinikim, que chegam a afetar crianças dentro de escolas.
E invisibilizar os indígenas reais é tudo o que os grandes empreendimentos que se instalam irregularmente dentro e no entorno dos territórios, especialmente a Aracruz Celulose (ex-Fibria, atual Suzano), pioneira na violência, durante a ditadura militar, além de políticos ligados à bancada ruralista no Congresso, como o deputado federal Evair de Melo (PP), que é financiado por invasores de Terras Indígenas e foi um dos que votou a favor do PL Marco Temporal.
Censo indígenas 2022
Na antevéspera do Dia Internacional dos Povos Indígenas, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os dados sobre a população indígenas brasileira, de acordo com o Censo Demográfico de 2022, indicando haver 1,7 milhão de pessoas autodeclaradas indígenas no país, 14,4 mil delas no Espírito Santo.
Segundo o Censo, metade da população indígena capixaba (51,52%) vive em Aracruz, no norte do Estado, e dois terços (67,64%) residem fora de Terras Indígenas oficialmente delimitadas.
Foi verificada presença de população indígena em 77 municípios do Espírito Santo, excluindo apenas Governador Lindenberg. Os municípios com maior número de indígenas são Aracruz (7,4 mil) e Serra (1,3 mil), seguidos de Vila Velha (866), São Mateus (836), Vitória (642), Linhares (606), Cariacica (372), Anchieta (333), Guarapari (296), Conceição da Barra (182), Viana (150), Ibiraçu (127) e Cachoeiro de Itapemirim (103).