Heraldo Pereira relata temor dos pacientes do Hospital Pedro Fontes de serem levados para casas asilares
“Eles não querem sair de lá. E é o direito legal deles”. O apelo é do defensor dos direitos das pessoas afligidas pela hanseníase e presidente do Educandário Elzira Bley, Heraldo José Pereira. Atualmente, relata o ativista, os pacientes do Hospital Dr. Pedro Fontes, localizado no bairro Padre Mathias, em Cariacica, temem serem transferidos para casas asilares para o fechamento total da colônia hospitalar.
O grupo em questão é formado majoritariamente por idosos que residem há mais de meio século na colônia do Pedro Fontes, desde que sofreram internação compulsória, determinada pelo Estado brasileiro na década de 1930, para tratamento de hanseníase, doença na época conhecida como lepra. Havendo também pacientes de projetos psiquiátricos desenvolvidos no espaço.
“Faço parte do conselho gestor do hospital, sou presidente do Educandário e da associação dos filhos [Associação dos Ex-Internos do Preventório Alzira Bley], morei ali dentro. Não vou deixar fazerem essa covardia. Mesmo com ordem do Ministério Público [MPES]”, desabafa Heraldo, referindo-se a uma ação do órgão ministerial exigindo que o governo do Estado transfira os moradores. “Soubemos que a Justiça já determinou o fechamento e que o prazo vence nos próximos dias”, declarou.
Buscando alertar para o risco de fechamento do hospital, pacientes e lideranças sociais e religiosas locais realizam um protesto no Pedro Fontes na manhã deste sábado (5), com apoio do Movimento de Reintegração de Pessoas Afligidas pela Hanseníase (Morhan, na sigla em inglês) em âmbito nacional e municipal e do Movimento dos Filhos Separados pelo Isolamento Compulsório por Hanseníase.
Segundo o presidente do Educandário e da Associação, assistentes sociais do Estado têm feito entrevistas com os pacientes, tentando convencê-los a aceitarem a transferência. “Foi uma manifestação em respeito aos últimos pacientes do Hospital Pedro Fontes. Eles não querem desocupar os pavilhões, não querem deixar suas moradias onde viveram por tantos anos”, reforça.
Recomendações internacionais
“Eles estão protegidos por lei federal e estadual. Enquanto existir um paciente egresso do confinamento por hanseníase, o Estado é obrigado a manter o hospital aberto e assistir esse paciente”, sublinha, citando também o entendimento internacional em vigor sobre os direitos das pessoas afligidas por hanseníase, conforme consta no relatório do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas referente à eliminação da discriminação contra pessoas atingidas pela Lepra e seus familiares, publicado após visita feita ao Brasil entre junho e julho de 2020.
No documento, a relatora especial do tema, Alice Cruz, lembra que o “isolamento profilático como política do Estado para controlar a Hanseníase” durou, na prática, até 1986. “O processo de desativação e a reintegração social das pessoas que haviam sido segregadas não foi simples e atualmente permanecem cerca de 30 colônias com residentes da geração de pessoas que foram segregadas como resultado da política do Estado”.
Durante a visita, relata, foi possível verificar que “algumas das antigas colônias desenvolveram excelentes práticas nos campos da pesquisa, cuidados, assistência, regulamentação da terra e preservação da história, enquanto outras, especialmente nas periferias dos centros administrativos, sofrem de negligência institucional alarmante”.
As principais “questões pendentes” encontradas foram em relação “à situação dos indivíduos que foram colocados em instituições de confinamento quando crianças devido ao fato de seus pais terem sido atingidos pela doença”, o que exige “uma ação urgente para a implementação um programa complexo de reparação baseado na reparação simbólica e material, memorialização e garantias de não recorrência”.
Entre as recomendações feitas ao governo federal e aos estaduais, a Comissão da ONU pede sugere “utilizar as antigas colônias de hanseníase como locais privilegiados para implementar um processo de memorialização e a preservação histórica. Garantir que os residentes gozem de direitos de propriedade e de saúde, assim como acesso a infraestruturas e serviços básicos”.
Tombamentos
Em novembro passado, a Prefeitura de Cariacica publicou no Diário Oficial o Decreto nº 274/2021, que “institui o tombamento do Sítio Arqueológico Pedro Fontes, compreendendo a área do cemitério São Francisco, capela e entorno“, no bairro Padre Mathias.
Para viabilizar o tombamento, o governo do Estado enviou para a Assembleia Legislativa um projeto de lei de doação da área onde se situam o cemitério e a capela, aprovado em 2020 com três emendas de Doutor Hércules (MDB). Uma delas estabelece que o município restaure a capela até dois anos após a sanção da lei. A outra, que seja asfaltada a estrada que dá acesso ao local. A última, que seja feita exumação dos cadáveres na entrada do cemitério, em diálogo com as famílias dos mortos, para ajustes estéticos no local.
O Hospital Pedro Fontes foi criado em 1937 para isolar pacientes com Hanseníase, doença também conhecida como Lepra, normalmente retirados de maneira violenta do convívio familiar e social. Os filhos dos internos, por sua vez, eram encaminhados para o Educandário Alzira Bley, também em Cariacica, criado em 1940.
Outros internos do Pedro Fontes não têm Hanseníase. Grande parte deles são pacientes oriundos de manicômios que encerraram suas atividades. Segundo o integrante do Movimento da Luta Antimanicomial no Espírito Santo, André Ferreira, essas pessoas vieram principalmente do Adauto Botelho, em Cariacica, mas também há egressos do Santa Isabel, em Cachoeiro de Itapemirim, sul do Estado.
Uma das reivindicações do movimento que defende os direitos desses pacientes e seus filhos é a regularização dos imóveis localizados ao redor da unidade hospitalar, para que a posse seja passada às pessoas curadas que ainda vivem no local, garantindo também o direito dos herdeiros. Em 2007 foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Lei nº 11.520, oriunda da Medida Provisória (MP) 373/2007, que instituiu pensão vitalícia às pessoas atingidas pela hanseníase e que foram submetidas a isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônia até 31 de dezembro de 1986.