O cumprimento da decisão da Suprema Corte Brasileira, o Supremo Tribunal Federal (STF), que em 18 de agosto passado determinou que o governo do Espírito Santo adote medidas para reduzir a superlotação da Unidade de Internação Regional Norte (Unis Norte) em até 119%, tem gerado polêmica. Setores mais conservadores têm tratado a decisão, que, na prática, tem significado a mudança de medida socioeducativa de internação para meio aberto, como expor a sociedade ao “perigo dos adolescentes infratores que estão sendo libertados”.
Nos últimos meses, de acordo com a Defensoria Pública do Estado, a taxa de ocupação da Unis Norte tem ficado entre 270% a 300%, ou seja, três vezes acima da sua capacidade. Para adequação ao que determinou o STJ, cerca de 200 adolescentes vão ter que sair da unidade até o próximo dia 21. Na semana passada, 61 já foram liberados.
Isso porque, antes do início do cumprimento da decisão do STF, de acordo com informações do Tribunal de Justiça do Estado, o magistrado responsável pela execução das medidas requisitou informações ao Instituto de Atendimento Socioeducativo do Estado do Espírito Santo (Iases) sobre a capacidade instalada das unidades no Espírito Santo, sendo informado que o número de adolescentes internados supera a capacidade das unidades. Diante dessa informação por parte do Iases, que inviabilizou a transferência dos adolescentes para outra unidade, não restou alternativa ao magistrado senão a adoção das medidas de progressão ou extinção de medida socioeducativa.
Diante da situação de setores da sociedade capixaba que se colocaram contra a liberação dos adolescentes, como se tais representassem perigo à sociedade, entidades da sociedade civil capixaba se uniram e divulgaram uma nota sobre o tema. Assinada pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH-ES), com apoio do Comitê Estadual para a Prevenção e Erradicação da Tortura no Espírito Santo, Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CDDH Serra), Fórum Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, CDDH de Cachoeiro de Itapemirim, CDDH Marap e Coletivo Mães Eficientes Somo Nós, a nota diz que os dados trazidos, recentemente, pela fundação Abrinq e pela Unicef, não deixam dúvida de que “quem torna esta população vulnerável colocando suas vidas em risco são as fragilidades, precarização e a ausência de investimentos nas políticas sociais e de educação, bem como o modelo vingativo, segregador e excludente amparado no austericismo e desprezo dispensado pelo Poder Público”.
As entidades explicam que o Brasil dispõe de um arcabouço legislativo que se encontra entre os mais avançados do mundo para a temática, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal 8.069, e mais recentemente o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, Lei Federal Nº 12.594. No entanto, o Estado que institui e sanciona as legislações continua a ignorar esses instrumentos legais, que prevê a adoção de várias outras medidas e torna a internação como uma derradeira e excepcionalíssima medida.
“Ocorre que a excepcionalidade tem dado lugar à regra geral. Além disso, o Poder Público tem construído unidades socioeducativas em complexos prisionais e com estruturas físicas e tratamento análogos ao sistema penitenciário adulto, constituindo-se nos novos ‘presídios juvenis’”.
E completa: “A decisão do ministro é histórica e estabelece um novo marco com enorme significado e simbolismo e se torna o pilar de uma nova jurisprudência a ser seguida e adotada por todo o Sistema de Justiça Brasileiro e servirá para os magistrados que poderão ter um olhar diferenciado dos julgamentos infracionais e criminais, os quais atualmente ainda têm uma preponderância do viés punitivo. Exigiremos o cumprimento imediato e a implementação desta decisão na sua integralidade; não aceitaremos cumprimento parcial ou maquiagem e malabarismos para falseá-la e ou substituí-la e muito menos a utilização de subterfúgios que outrora foram propostos sob o argumento de proteger os adolescentes. Tampouco avalizaremos quaisquer tentativas de trazer à baila propostas não contidas na decisão, tais como a construção de ‘puxadinhos ou novas unidades”.
Administrada pelo governo do Estado por meio do Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases), a unidade tem sido palco de tratamento degradante, com superlotação excessiva, sendo comparada até a “minipresídio”, com rebeliões e mortes registradas. Apesar de impetrado pela Defensoria Pública do Estado em 2015, a decisão do STF, três anos depois, é considerada de extrema importância não apenas para o Estado, mas em âmbito nacional. A Unis Norte atende a 30 municípios da região norte e noroeste, desde 2013. A partir de 2015, no entanto, os defensores começaram a entrar com medidas judiciais para conter a superlotação, como a impetração de um habeas corpus.
A nota diz ainda que as entidades da sociedade civil e conselhos conclamam ao Poder Público, que, em uma agenda transversal e integrada, construa soluções que resguardem os direitos fundamentais, sobretudo da vida e integridade física e psíquica, dos adolescentes e jovens e servidores.
“A sociedade civil capixaba tem se esforçado para manter na pauta político e administrativa do poder público a adoção de medidas para cessar a lógica encarceradora sobretudo dos adolescentes e jovens no Espírito Santo. Para isso, precisamos que nossos os Conselhos de Direitos CRIAD – Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do adolescente, CEDH -Conselho Estadual dos Direitos Humanos e os conselhos municipais, o Cepet – Comitê Estadual para a Prevenção e Erradicação da Tortura no Espírito Santo sejam fortalecidos e considerados como atores na discussão/debate e elaboração de propostas relativas à socioeducação. É de fundamental importância observar os compromissos do Estado Brasileiro com os Organismos Internacionais de Direitos Humanos, dentre eles, a implementação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Erradicação à Tortura – Mepet e a implementação do Plano Estadual Socioeducativo, monitorado pelo Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente – Criad”.