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​O assédio e a sobrecarga das mulheres no chão de fábrica do Estado

Tratamento com trabalhadoras revelou situações de violência de gênero no ambiente de trabalho

Pxhere

Sobrecarga física, emocional, quadros depressivos e situações de assédio moral e sexual. Esse foi o cenário encontrado pela equipe do projeto Trilhando Novos Rumos, desenvolvido pelo Instituto Casa Lilás, com trabalhadoras fabris capixabas. Os relatos são de mulheres que estão no chão de fábrica de grandes empresas, que além de não receberem apoio psicológico durante a pandemia do coronavírus, são submetidas a violências de gênero cotidianas.

Simone Félix, 50 anos, é uma delas. De 17h à 1h da manhã, ela trabalha como auxiliar de produção em uma fábrica capixaba. Ela relata que, durante a pandemia, a sobrecarga de trabalho aumentou, agravando o quadro depressivo que ela já tinha desenvolvido. “É uma pressão muito grande que eu sofro. Essas semanas atrás eu não conseguia ir trabalhar, me arrumava, mas não ia”, relata.

Simone foi uma das participantes do projeto Trilhando Novos Rumos, que desde março oferece serviços de saúde mental gratuitos para trabalhadoras fabris do Espírito Santo. As ações são desenvolvidas em conjunto com o Sindicato dos Trabalhadores em Alimentação do Estado (Sindialimentação-ES), com o apoio da Secretaria Estadual de Direitos Humanos (SEDH).

Ao longo dos encontros, o que os profissionais perceberam foi um cenário de exaustão e violações. “As situações acontecem dentro das empresas. São mulheres que sofrem violência verbal, discriminação racial, invasão da vida pessoal, brincadeiras de cunho sexual, preconceito com a própria sexualidade, dentre outros problemas”, relata Déborah Sathler, vice-presidente do Instituto Casa Lilás, pesquisadora de gênero e mestra em Humanidades.

Tudo isso afeta diretamente as trabalhadoras. Além dos transtornos psicológicos, o projeto identificou problemas como o absenteísmo laboral, quando há falta de assiduidade sistemática no ambiente de trabalho. “Às vezes, a pessoa até está no trabalho, mas, na verdade, não está, porque esse estresse gera a perda de produtividade. Ou seja, a empresa perde com isso também”, afirma.

Pressão e silenciamento

Déborah lembra que, apesar de ser recorrente e ter se agravado durante a pandemia, a violência que mulheres sofrem no ambiente profissional ainda é um campo muito silenciado. “As empresas não prestam nenhum apoio emocional. Muitas delas estavam sob pressão por negociações do acordo coletivo e, além de estarem enfrentando a pandemia, passam por diversas situações de constrangimento”, destaca.

A auxiliar de produção Simone Félix conta que já passou por casos de pressões psicológicas, principalmente em épocas de negociação de direitos com a classe trabalhadora. “Sempre quando tem algum acordo coletivo sendo negociado, há ameaça de que a fábrica vai fechar”, denuncia.

Os relatos que ela ouve das colegas de trabalho são ainda piores. “Muitas falam de casos de gente que passa a mão nos seios ou na bunda delas, mas não reclamam por medo de perder o trabalho”, relata.

Essa não é uma realidade exclusiva das fábricas do Espírito Santo. Uma pesquisa realizada em dezembro de 2020 pelo instituto Patrícia Galvão, identificou que 76% das trabalhadoras já passaram por um ou mais episódios de violência e assédio no trabalho.

Desde março, o projeto Trilhando Novos Rumos tenta amenizar os impactos dessa violência sofrida de forma constante. Durante esse período, as participantes receberam atendimento psicológico e sessões de arteterapia. Nos encontros, o perfil das atendidas se repetia: a maioria era composta por mulheres negras e moradoras de bairros periféricos. “A maioria nunca tinha tido acesso a um apoio psicológico. Algumas não sabiam nem o que era terapia”, conta Déborah.

Divulgação

Para ela, além do apoio psicológico a essas mulheres, é preciso desenvolver ações de combate à raiz desses problemas: o machismo estrutural. “Enquanto você não bater na causa, vai continuar tratando os sintomas. É necessário uma mudança de cultura, para que as empresas possam investir em cursos e treinamentos, tendo noção do que é o machismo. Elas precisam entender que isso é um investimento humano, que causa prejuízos aos seus trabalhadores, perda cognitiva e a diminuição da capacidade laboral”, ressalta.

Rede de Proteção

A partir dos resultados observados durante o projeto, as organizadoras escreveram um manifesto denunciando os problemas vivenciados por essas mulheres e decidiram criar a Rede de Proteção às Mulheres Trabalhadoras Fabris do Espírito Santo. A ideia é acolher essas funcionárias, orientando sobre como agir em casos de violações.

Uma das assinaturas do manifesto é a promotora de Justiça Catarina Cecin Gazele, do Ministério Público do Espírito Santo (MPES). Para ela, a mobilização é extremamente importante para assegurar os direitos dessas mulheres.

“A Constituição Federal garante a dignidade da pessoa humana. Só que, na prática, quando o poder público não age, por muitas vezes nem saber dessas histórias, a dignidade dessa pessoa acaba não sendo respeitada”, pontua Catarina, que é coordenadora do Núcleo de Proteção aos Direitos Humanos (NPDH) do MPES.

A promotora também atuará na rede de proteção, oferecendo orientações e encaminhando casos de assédio e situações de violência sofridas pelas trabalhadoras. “Faremos o encaminhamento e iremos orientar a qualquer mulher que sinta seus direitos violados ou ameaçados”, aponta.

A rede de proteção será anunciada nessa quarta-feira (21), quando ocorrerá o encerramento do projeto Trilhando Novos Rumos. A ideia é que as diretoras sindicais e trabalhadoras fabris recebam um treinamento para que saibam identificar casos de assédio moral e sexual no ambiente de trabalho.

As organizadoras também planejam entregar um artigo à Secretaria de Direitos Humanos e ao MPES, para que os órgãos tenham ciência do cenário encontrado no Espírito Santo.

“A fábrica que exerce fascínio, configura um lugar de sofrimento do corpo e da mente, de cansaço moral, da alma e de violências de gênero […] Não iremos retroceder, reivindicaremos através da divulgação dos resultados do projeto Trilhando Novos Rumos e da resistência coletiva pela sensibilização. Vamos denunciar à sociedade e nos mobilizarmos”, diz um trecho do manifesto. 

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