Falas e projeto de vereadores de Vila Velha e Guarapari são repudiados
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A seccional capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES) e a Associação Diversidade, Resistência e Cultura (ADRC) vieram a público, nessa sexta-feira (7), para repudiar ataques à comunidade LGBTQIAPN+ nas Câmaras Municipais da região metropolitana. O primeiro caso se trata do vereador Devacir Rabello (PL), de Vila Velha, que proferiu insultos ao criticar a realização de um evento com dinheiro público. No segundo caso, o vereador Vinicius Lino (PL), de Guarapari, protocolou um projeto de lei para proibir a participação de crianças e adolescentes em paradas LGBTQIAPN+.
O discurso de Devacir Rabello ocorreu em sessão ordinária da Câmara de Vila Velha, realizada nessa quarta-feira (5). O motivo de sua fúria foi o projeto “1° Parada LGBTQIAPN+ da Região 5 Tema: Flores da Terra”, aprovado em edital lançado em Vila Velha com recursos do Programa Nacional Aldir Blanc.
“Desde quando parada gay, parada LGBTQIA+, é cultura na cidade de Vila Velha? Isso não é cultura. Essas pessoas enfiam crucifixo no ânus, queimam a bíblia! Essas pessoas desses movimentos, parada gay, parada LGBTQIA+’XYZ’, essas pessoas praticam vilipêndio! Aí, muito me admira – atenção, Vila Velha, um recurso federal –, muito me admira que esse recurso seja usado para parada LGBTQIA+! Tantas formas de fazer cultura na cidade, e nós temos aí esse ‘capeteiro’, esse pandemônio que, pelo jeito, vai acontecer na 5ª Região”, vociferou Rabello.
O vereador afirmou ainda que os participantes da parada iriam “mostrar a genitália” em público, e pediu à sua assessoria jurídica que elaborasse um projeto de lei para proibir dinheiro público nesse tipo de evento. Ele também pediu apoio de seus pares para “moralizar a cidade”.
Em um discurso logo em seguida, o também vereador Pastor Fabiano (PL) elogiou a iniciativa de Rabello, e sugeriu que a investigação jurídica sobre o evento fosse mais aprofundada. Isso porque, segundo ele, uma única pessoa teria recebido R$ 150 mil para realizar a Parada LGBTQIAPN+, e outras entidades do seguimento estão entrando na Justiça para barrar um evento que, segundo ele, estimularia a “ocorrência de crime”.
Século Diário não localizou, até o fechamento desta matéria, nenhuma informação sobre uma ação jurídica ou descontentamento de entidades em relação à 1° Parada LGBTQIAPN+ da Região 5. O proponente do projeto, segundo publicação do Diário Oficial de Vila Velha, é Henrique Icsander de Freitas Pinto, artista ligado a área da dança e com vinculação a ações de diversidade sexual e de gênero. É normal, em projetos culturais de editais públicos, que uma pessoa física represente um coletivo sem personalidade jurídica.
Em nota sobre o caso, a Comissão Estadual de Diversidade Sexual e Gênero (CDSG) da OAB-ES apontou que, “ao atacar a destinação de recursos públicos para a parada do orgulho LGBTQIAPN+ no município, o parlamentar avançou em um discurso de ódio e discriminatório, em flagrante afronta aos princípios constitucionais que asseguram a igualdade e a liberdade cultural no Brasil”.
“Vila Velha tem um histórico exemplar”, continua a nota, “com mais de dez edições realizadas, celebrando a diversidade e ampliando a participação de diferentes públicos, gerando um benefício para toda a sociedade”. A OAB-ES reforça ainda que “associar o evento a práticas criminosas contraria a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, desde 2019, equiparou a LGBTfobia ao crime de racismo, proibindo a incitação ou discurso de ódio contra as liberdades.
Também é destacado que “o cenário de violência contra a população LGBTQIAPN+ no Espírito Santo é alarmante. Segundo a 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023), o Estado registrou um aumento de 322,12% nos casos”. Nesse sentido, a OAB considera “inadmissível que um agente público utilize sua posição para reforçar preconceitos e incitar o ódio e consequentemente a violência”.
O texto é assinado por Erica Neves, presidente da OAB-ES, Verônica Bezerra, diretora de Direitos Humanos, e João Paulo M. De Aguiar Mendonça, presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB-ES.
Guarapari
Em Guarapari, o projeto de lei de Vinicius Lino, protocolado no último dia 29 de janeiro, propõe a proibição da participação de crianças e adolescentes em Paradas LGBTQIAPN+, em locais públicos ou privados, “salvo expressa autorização judicial, nos termos dos artigos 74 e seguintes do Estatuto da Criança e do Adolescente”.
De acordo com a proposta, o descumprimento da lei acarretaria em multa de cinco salários-mínimos, valor que não poderá “ser objeto de mitigação ou negociação, transação ou compensação em juízo, sendo objeto de apreciação judicial o tempo de exposição da criança e do adolescente”. A obrigação de cumprimento da norma seria “dos realizadores do evento, patrocinadores e dos pais ou responsáveis pela criança”.
Na justifica da proposta, Lino argumenta que “é amplamente reconhecido que a infância e a adolescência são períodos de formação de identidade, sendo, portanto, essencial que os menores estejam protegidos de situações que possam expô-los a conteúdos complexos ou inadequados ao seu estágio de desenvolvimento emocional e psicológico”. O texto cita ainda dispositivos da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Em nota divulgada nas redes sociais, a Associação Diversidade, Resistência e Cultura classifica o projeto de lei como “discriminatório e inconstitucional”, por violar preceitos garantidos na Constituição Federal, como a igualdade, liberdade de expressão e reunião e a convivência familiar e comunitária.
“Eventos como as Paradas LGBTQIAPN+”, prossegue a nota, “são espaços de celebração, inclusão e luta por direitos, sem qualquer conteúdo impróprio para menores. A ADRC realizou duas edições do Manifesto LGBTI+ de Guarapari, consolidado como marco cultural e político da cidade, sem registros de atividades inadequadas para crianças e adolescentes. Pelo contrário, todas as ações reforçaram valores de respeito, diversidade e cidadania”.
A associação afirma ainda que tomou as medidas jurídicas cabíveis contra a proposta, exigiu a retirada do PL da Câmara de Vereadores, e convoca a sociedade a se posicionar “contra essa iniciativa discriminatória”.
‘Doutrinação de ideologia de gênero’
No início de janeiro último, a ADRC também acionou o Ministério Público e a Defensoria Pública para questionar a constitucionalidade de uma lei que proíbe discussões sobre identidade de gênero e orientação sexual nas escolas públicas e privadas de Guarapari.
O projeto de lei sobre o tema, de autoria do vereador Luciano Costa (PP), foi aprovado por unanimidade, em sessão ordinária de 10 de dezembro passado, sem debate prévio. O Poder Executivo não se manifestou no prazo regimental, e a presidente da Câmara de Vereadores, Sabrina Astori (PSB), promulgou a Lei nº 5.036/2025, conforme publicação do Diário Oficial do Legislativo Municipal dessa quarta-feira (8).
A nova lei estabelece a proibição da chamada “doutrinação de ideologia de gênero”, expressão não reconhecida no universo acadêmico e educacional, mas utilizada por conservadores em reação ao feminismo e movimentos em defesa da diversidade sexual e de gênero. O projeto foi denunciado pela associação como uma violação aos direitos humanos e à liberdade de ensino, além de uma ferramenta de censura e exclusão.