A Unidade Negra Capixaba comunicou oficialmente sua retirada dos Grupos de Trabalho (GTs) do Governo do Estado, criados após reivindicações, para discutir ações de combate à Covid-19 entre a população negra, principais vítimas fatais da doença. A saída foi comunicada nesta quarta-feira (8) por meio de uma nota, na qual a Unidade afirma que deixou claro que participaria dos GTs somente se fossem deliberativos, o que não foi atendido.
Segundo uma das representantes da Unidade, a assistente social e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Maria Helena Elpídio, que comporia o GT de Assistência Social, manter a participação da Unidade nos grupos seria “assinar o atestado de óbito dos mortos pela Covid-19 juntamente ‘com esse governo irresponsável”. De acordo com ela, os GTs não deveriam ter caráter consultivo, como propõe o poder público estadual.
“A proposta de enfrentamento à Covid-19 já foi feita e entregue ao Governo do Estado, o que precisamos é de espaço de definição de políticas, de decisão. Ficar discutindo em um GT consultivo só vai fazer a gente perder tempo, e quando se perde tempo, perde-se vidas. Não está na hora de burocratizar política pública, está na hora de agir”, desabafa.
A proposta a qual Maria Helena se refere são as contidas em um documento que conta com 105 medidas urgentes de combate à pandemia em meio à população negra, entregue ao Governo do Estado no dia quatro de junho e elaborado por mais de 60 entidades.
Para ela, o Governo do Estado quer criar uma imagem de participativo, mas não permite que a sociedade civil diga o que deve ser feito. A representante da Unidade Negra Capixaba aponta que não há de fato políticas de prevenção e combate à Covid-19 em meio à população negra. “Muito pelo contrário, o que se vê é a política de flexibilização, colocando uma massa de trabalhadores no Transcol cheio todos os dias”, critica.
Entre as 105 reivindicações, que incluem diversas áreas, como saúde, educação e cultura, estão o decreto imediato de lockdown até o início do achatamento da curva de contágio do vírus; a criação de hospital de campanha e espaços de acolhida para pessoas com Covid-19 que não têm condições de fazer isolamento em casa; subsídios para artistas negros desempregados durante a pandemia, pequenos agricultores e quilombolas; e combate à intolerância religiosa nas unidades de saúde.
A Unidade Negra é composta por lideranças de religiões de matriz africana, artistas, pesquisadores, professores universitários, profissionais da saúde, advogados, líderes comunitários, líderes estudantis e lideranças históricas, entre representantes de outros segmentos sociais e profissionais.
Funcionamento dos GTs
A criação dos Grupos de Trabalho (GT) foi publicada pelo Governo Renato Casagrande (PSB) no Diário Oficial da última sexta-feira (3). No primeiro momento foram criados os GTs de Educação e Ciência e Tecnologia, Assistência Social e Saúde, tendo o Governo do Estado se comprometido a criar outros dois posteriormente, que são os de Segurança Pública e Justiça; e Habitação e Mobilidade Urbana.
Cada GT contaria com dois representantes titulares da Unidade Negra Capixaba e um suplente, além de representante da Secretaria Estadual de Direitos Humanos (SEDH). Representantes de outras secretarias também comporiam os grupos, de acordo com as temáticas de cada um.
A criação dos GTs foi definida em reunião ocorrida no dia 18 de junho entre a Unidade Negra Capixaba e o Governo do Estado.
Combate à Covid-19 nos municípios
O documento com as 105 reivindicações também conta com propostas para os municípios e foi protocolado nas prefeituras no final de junho e entregue à Associação dos Municípios do Espírito Santo (Amunes). Assim como alertado ao governo, tem como base estudos que o racismo estrutural como causa da vulnerabilidade social que atinge grande parcela da população negra na pandemia.
Pastoral também saiu
A Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de Vitória também anunciou sua saída de Grupo de Trabalho (GT) Intersetorial do Governo Estadual, que conta com representantes do poder público e da sociedade civil, no dia primeiro de julho. O motivo, segundo o coordenador Júlio César Pagotto, é que as ações do GT não reverteram em praticamente nada a situação de vulnerabilidade das pessoas em situação de rua durante a pandemia da Covid-19.
Com a saída da Pastoral, o Círculo Palmarino, o Fórum Capixaba de Lutas Sociais e o Fórum de Educação de Jovens e Adultos também se retiram do GT, já que atuavam em conjunto com a Pastoral na representação da população de rua. Júlio relatou na ocasião que, desde abril, quando a Pastoral ingressou no GT, o governo Renato Casagrande afirmou que iria repassar verba para as prefeituras com foco específico na população de rua, o que ainda não havia acontecido e foi efetivado somente nessa terça-feira (7).
O coordenador da Pastoral afirmou na ocasião que acredita que não é possível prosseguir no GT, se as políticas não chegam ao seu público alvo. “Permanecer seria, de certa forma, uma conivência com o que está acontecendo”, desabafou.