Articulação da base atendeu a interesses de Pazolini, após reações da Igreja Católica
Prevista para esta quarta-feira (13), a votação do Projeto de Lei (PL) 57/2023, do vereador Luiz Emanuel (Republicanos), que proíbe pessoas em situação de rua na Capital e impõe multa, foi antecipada em uma articulação do prefeito, Lorenzo Pazolini (Republicanos), em regime de “urgência, urgentíssima”. A proposta foi derrotada por 11 votos contrários e dois favoráveis. A movimentação da base atendeu a interesses do prefeito, responsável por sancionar ou vetar o projeto depois da tramitação na Câmara, para evitar desgastes, principalmente após as duras reações da Igreja Católica.
A antecipação da votação desmobilizou, ainda, a ampla presença popular organizada para ocupar as galerias do legislativo nesta quarta. Nesta terça, conseguiram comparecer, em número reduzido, representantes da Igreja Católica, como agentes da Pastoral do Povo de Rua, de igrejas evangélicas e do Movimento das Pessoas em Situação de Rua, e ainda a vereadora eleita, Ana Paula Rocha (Psol).
Além dos vereadores de oposição, André Moreira (Psol), Karla Coser (PT), Vinícius Simões (PSB), foram contrários ao projeto Aloísio Varejão (PSB), Anderson Goggi (PP), André Brandino (Podemos), Chico Hosken (Podemos), Dalto Neves (SD), Duda Brasil (PRD), Luiz Paulo Amorim (PV) e Maurício Leite (PRD).
Os favoráveis foram o autor da matéria e Davi Esmael, ambos do Republicanos, aliados e correligionários de Pazolini. O presidente da Casa de Leis, Leandro Piquet (PP), não vota, e Leonardo Monjardim (Novo) estava ausente.
Em suas manifestações em plenário, André e Karla Coser apresentaram dados do Ministério Público Estadual (MPES), de que, hoje, existem na Capital 1,2 mil pessoas em situação de rua, número muito acima da capacidade oferecida pela prefeitura em abrigos, que soma 225 vagas. Caso o projeto de Luiz Emanuel fosse aprovado e virasse lei, esse enorme contingente não teria para onde ir. O órgão ministerial também se posicionou contrário à proposta e havia apresentado pedido de informação à Câmara.
O “PL Higienista” foi arquivado junto com o projeto 290/2023, de autoria de André Moreira, que foi votado em seguida e também rejeitado, por 10 a três. O PL de André institui a “Política Municipal para a População em Situação de Rua do Município de Vitória”, e foi apresentado como contraproposta ao de Luiz Emanuel. Apesar disso, ele comemora. “É uma vitória, com certeza. Mas acho que precisamos parar de nos defender dos ataques da extrema direita e apresentar propostas nossas, do campo progressista, enquanto sociedade, para enfrentamento do problema das pessoas em situação de rua e muitos outros”, avalia André.
Repúdio da Igreja
Nesse sábado (9), o arcebispo Dom Dario Campos, da Arquidiocese de Vitória, manifestou rejeição ao PL de Luiz Emanuel, e classificou a iniciativa como “uma afronta direta aos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal”.
A Arquidiocese de Vitória fez referência ao artigo 1º da Constituição Federal, que considera o princípio da dignidade da pessoa humana como o “fundamento maior da República Federativa do Brasil”. Ressaltou, ainda, que o PL contraria o Evangelho. “Jesus nasceu pobre, caminhou entre os pobres, acolheu os desamparados e nos ensinou a prática do amor e da misericórdia. Como Igreja, não podemos aceitar que a exclusão e a estigmatização de nossos irmãos e irmãs em situação de rua sejam institucionalizadas. O exemplo de São Francisco de Assis, que dedicou sua vida ao serviço dos pobres, é um modelo que nos inspira a lutar contra toda forma de exclusão”.
Para a Arquidiocese de Vitória, o PL tratava como infração “a simples presença de pessoas em espaços públicos”. A Igreja disse, ainda, que “o direito de ir e vir, também consagrado no art. 5º, inciso XV da Constituição, não pode ser restringido arbitrariamente, sobretudo quando tal restrição se baseia na condição econômica e social dos cidadãos”. Acrescentou que “criminalizar a pobreza e privar os mais vulneráveis do direito a ocupar os espaços públicos constitui não apenas uma ofensa legal, mas também uma grave violação ética”.
A nota enfatizou que “o projeto contraria, ainda, o princípio da função social dos espaços urbanos, previsto no art. 182 da Constituição, que orienta a política urbana em prol do bem-estar coletivo e da justiça social”. Além disso, afirmou que tratava-se de “um retrocesso que ofende tanto o arcabouço jurídico nacional quanto os valores cristãos e éticos que sustentam a dignidade humana”.
A nota de Dom Dario se somou à do Vicariato para Ação Social, Política e Ecumênica, órgão da Arquidiocese de Vitória, que se posicionou quando a discussão sobre a possibilidade de votação do PL, apresentado em 2023, retornou à Casa de Leis. “Em Vitória, mais uma vez, retoma-se a tentativa de legalizar a criminalização e expulsão das pessoas em situação de rua dos espaços que lhe sobram: a rua”, ressaltou. Mencionando o tema da Campanha da Fraternidade deste ano, que é Fraternidade e Amizade Social, afirmou que o ‘PL “parece desconhecer as implicações do que a Igreja Católica no Brasil escolheu viver na prática a partir do tema”.
De acordo com o Vicariato, o objetivo do tema da Campanha da Fraternidade é “contribuir para nos despertar sobre o valor da fraternidade humana e superar a cultura da indiferença para com os outros, que nos torna portadores do mal da cegueira, da insensibilidade, como ressalta a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil [CNBB]”.
“Em nossa cidade, a Capital do Estado, onde o orçamento público se impõe sobre os das demais cidades, onde há recursos para investimento no cuidado da pessoa em situação de rua, denúncias recentes indicam a ação de uma equipe de segurança privada agredindo fisicamente essas pessoas e jogando nelas jatos d’água, com caminhões da Prefeitura de Vitória. Denúncias que precisam ser apuradas pela atual gestão”, cobrou o Vicariato.