Reunião preparatória será na terça-feira; prazo para saída das famílias já começou

A Polícia Militar do Espírito Santo (PMES) e o Poder Judiciário vão se reunir com representantes da ocupação Vila Esperança, em Vila Velha, na próxima terça-feira (1), por videoconferência, para planejar a execução do mandado de reintegração de posse da área. O encontro, agendado pelo Comando de Polícia de Operações Especiais (CPOE), visa estabelecer as condições operacionais para a reintegração após uma decisão judicial que determinou a desocupação da área a partir desta sexta-feira (28), cujas consequências têm gerado grande apreensão entre os moradores e movimentos sociais.
A reunião foi convocada por ofício assinado pelo coronel Jefferson Carlos Morais, que ressalta a “necessidade de firmar tratativas com a proposta de ajustar condutas mútuas a serem desenvolvidas em cunho operacional, que visam o bom desenvolvimento e garantias de bons resultados de operação a ser realizada em cumprimento de ordem judicial”.
A situação da ocupação Vila Esperança registra forte mobilização social e preocupação entre parlamentares e organizações de direitos humanos. “Uma tragédia é anunciada no Espírito Santo, e nós estamos alertando o governador e o prefeito de Vila Velha”,declarou a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, deputada estadual Camila Valadão (Psol), ao comentar o caso da ocupação, debatido em audiência pública promovida pelo colegiado no último dia 11 de março. Ela enfatizou a gravidade da situação e a responsabilidade do poder público durante a sessão ordinária da Casa, além de argumentar que a legislação brasileira determina que é dever do Estado assegurar os direitos constitucionais, incluindo o direito fundamental à habitação.
A reintegração de posse da área, onde vivem mais de 800 famílias, foi determinada pela Justiça Estadual em 27 de fevereiro deste ano. A comunidade, que surgiu há oito anos devido à falta de acesso à moradia digna, enfrenta agora a iminência de perder suas casas. Os moradores estão em um cenário de extrema vulnerabilidade, pois, até o momento, não há propostas concretas de alternativas habitacionais.
A decisão judicial tem gerado protestos de moradores e movimentos sociais que denunciam a falta de soluções para as famílias. A presidente da ocupação, Adriana Paranhos, a Baiana, destaca que a comunidade construiu suas moradias com o pouco que possuía, após acreditar no decreto do ex-prefeito Max Filho (PSDB), de 2020, que declarou a área como de interesse social e possibilitou a desapropriação do terreno para fins habitacionais. Contudo, em 2022, a decisão foi revogada pelo atual prefeito Arnaldinho Borgo (Podemos), dando espaço para a reintegração de posse e a ameaça de despejo.
A desembargadora responsável por determinar a reintegração, Janete Vargas Simões, declarou que o terreno pertencia aos empresários e que eles tinham o direito de construir no local, relata Adriana. Segundo ela, a magistrada ainda teria orientado a representante da comunidade a convencer os moradores a “sair amigavelmente” e afirmado que a presidente teria responsabilidade sobre possíveis consequências caso ocorressem conflitos durante a desocupação.
Para Adriana, o mandado de reintegração de posse beneficia interesses imobiliários em detrimento das necessidades habitacionais da população mais vulnerável instalada no terreno, que estava abandonada antes da ocupação, ressalta. Durante o governo de Max Filho (PSDB), a área foi declarada de utilidade pública para fins habitacionais, mas essa medida foi revogada pelo atual governo de Arnaldinho Borgo (de saída do Podemos), com objetivo de viabilizar um empreendimento imobiliário, denuncia.
Diante disso, os moradores e os movimentos sociais continuam pressionando por um diálogo com a Prefeitura e com a Justiça, para que a reintegração de posse seja adiada até que se apresentem soluções habitacionais dignas e viáveis para as famílias afetadas. Até o momento, não há respostas concretas quanto ao futuro das famílias da Vila Esperança.
‘Descaso com a comunidade’
Na última terça-feira (25) o prefeito Arnaldinho Borgo reafirmou sua posição contrária à ocupação e defendeu a remoção das famílias, dizendo que “Vila Velha não aceita mais ocupações irregulares”. “As identificadas pela prefeitura e passíveis de regularização, o município está trabalhando para que isso ocorra. Neste exato momento, estamos construindo 280 moradias sociais para acolher famílias em vulnerabilidade social. E temos mais programas de habitação social que serão iniciados. Chega de grilagem de terra e manipulação das famílias de bem de Vila Velha por meio de informações falsas”.
Em resposta, a comunidade publicou uma nota de repúdio em suas redes sociais: “Prezado Prefeito Arnaldinho Borgo, estamos tentando diálogo com você e com a gestão municipal há bastante tempo. Se você realmente se preocupa com a moradia das pessoas, como insiste em dizer, mesmo se recusando a dialogar, por que retirou a área de Vila Esperança da classificação de interesse social? E por que não apresentou nenhuma solução concreta para as 800 famílias e mais de 500 crianças que estão prestes a ficar sem lar?”.
O documento prossegue: “muito se fala sobre acabar com as moradias irregulares em Vila Velha. Sendo assim, quando a prefeitura vai acabar com as moradias irregulares do Morro do Moreno? Queremos saber por que a política pública é seletiva e segue prejudicando o povo mais vulnerável. A oferta de 280 moradias para mais de 800 famílias é insuficiente e insultante. Vila Esperança exige respostas concretas e soluções eficazes para a crise habitacional. A comunidade merece respeito e dignidade!”, defende a comunidade.
O ex-prefeito Max Filho, em uma manifestação nas redes sociais, também criticou duramente o atual governo, acusando-o de “descaso com a comunidade”. Max Filho lamentou a revogação do decreto e a atual falta de compromisso da Prefeitura com a comunidade, ressaltando que a gestão de Arnaldinho Borgo não tem apresentado alternativas viáveis para as mais de 800 famílias que estão em risco de perder seus lares.

Protesto e repressão
A comunidade de Vila Esperança organizou um protesto no prédio da Prefeitura de Vila Velha, na última terça-feira (25), para exigir um diálogo direto com o prefeito Arnaldinho Borgo. A ação visava pressionar a administração municipal a apresentar alternativas concretas de moradia e garantir a dignidade das famílias da ocupação. Contudo, o prefeito se recusou a dialogar com os manifestantes e enviou representantes para atender a uma comitiva de dez pessoas, sem apresentar soluções efetivas.
A situação se agravou quando, ao começar a dispersão do protesto, os manifestantes foram cercados pela Polícia Militar e pela Guarda Municipal, que usaram spray de pimenta contra os moradores. Durante o tumulto, o estudante João Otávio Lessa foi detido sob a alegação de ter agredido uma funcionária pública. No entanto, os moradores contestam essa versão dos fatos, afirmando que a prisão do jovem foi premeditada, pois já existia um mandado de prisão contra ele antes do fim da manifestação. A detenção de João, um jovem de 18 anos diagnosticado com autismo e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), gerou grande repercussão, sendo denunciada por movimentos sociais e pela Associação Brasileira dos Advogados do Povo Gabriel Pimenta (Abrapo).
Integrante de um movimento de juventude da região de Terra Vermelha, ele já havia se posicionado contra a gestão de Arnaldinho Borgo durante a campanha eleitoral, o que teria gerado desconforto ao prefeito, relatam familiares e moradores da ocupação. Em resposta à prisão, a família de João iniciou uma vaquinha solidária para arrecadar o valor de R$ 30 mil exigido para pagar a fiança e garantir a sua liberdade. O pedido de ajuda tem sido amplamente compartilhado nas redes sociais com a hashtag #LiberdadeParaJoão.