Proposta passará pelas comissões do legislativo municipal, para ser votada em abril no Plenário
Foi protocolado, nesta sexta-feira (18), o projeto de lei que cria a primeira Política Indigenista em Aracruz, norte do Espírito Santo. Após quase um ano de trabalho de desenvolvimento da proposta junto às comunidades, a matéria está pronta para tramitar na Câmara Municipal, onde passará pelas comissões da Casa, com previsão de ir a plenário em abril.
“É motivo de muita alegria a realização quase total da nossa missão, que foi confiada pelas comunidades indígenas, de produzir leis que garantam seus direitos. No passado, nas gestões dos prefeitos, as comunidades ficavam muito à mercê das vontades deles, não tinha lei que regulasse a participação do município nas políticas para os povos indígenas”, enfatiza o vereador Vilson Jaguareté (PT), presidente da comissão responsável por elaborar a Política Indigenista.
O objetivo principal da proposta é disponibilizar um arcabouço jurídico que possa apoiar, assegurar e complementar as políticas federais de atenção aos povos indígenas, promovendo e estimulando medidas em oito eixos principais: Educação; Saúde; Infraestrutura Comunitária e Saneamento Básico; Meio Ambiente; Etnodesenvolvimento; História, Cultura e Cidadania; Segurança Pública; e Lazer e Desporto.
Agora, que o projeto já foi protocolado, todo o trabalho da comissão tem sido para acelerar a tramitação na Câmara. O colegiado já se reuniu com integrantes das demais comissões do legislativo para sanar possíveis dúvidas em relação ao projeto, que também já tem um apoio prévio do próprio prefeito, Dr. Coutinho (Cidadania).
“Esperamos que essa lei tramite até a primeira quinzena de abril para, logo em seguida, ir para análise e sanção do prefeito. Só estaremos completamente realizados com a aprovação”, aponta Jaguareté, enfatizando que a matéria também teve apoio do presidente da Câmara, José Gomes Lula (DC).
O vereador indígena lembra que a aceleração só é possível porque, ao longo de toda a elaboração da proposta, houve um esforço para garantir que o texto tivesse embasamento jurídico e dialogasse com os interesses das comunidades.
A comissão, formada também pelos vereadores Leandro Rodrigues Pereira (União) e Etienne Coutinho Musso (Cidadania), ouviu órgãos como Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Ministério Público Federal (MPF), além de realizar audiências nas comunidades para que os povos tradicionais participassem ativamente da construção. “A gente sabe que a política, sozinha, não resolve as coisas, mas vai ser instrumento importante para que as comunidades possam cobrar do poder municipal a atenção aos povos indígenas”, ressalta Jaguareté.
Como já dito em outras oportunidades pelo próprio Vilson Jaguareté, tudo indica que, caso o projeto seja de fato sancionado, e também considerando a forma que foi desenvolvido, a iniciativa poderá ser replicada em outras partes do Brasil.
“Eu recebi uma grande missão, que não é apenas de ser o primeiro indígena eleito na história dessa cidade, mas também de ser o vereador que tentará corrigir ou pelo menos começar a corrigir os anos de exclusão, aculturação, negação, que eu e meu povo sofremos para simplesmente nos mantermos em nossa própria terra. Para sermos sociedade, para continuar a perpetuar a nossa história e nos sentirmos parte de Aracruz”, ressaltou, quando o projeto de criação da comissão foi aprovado na Câmara.
Educação Escolar
No campo da educação, algumas das medidas presentes na proposta é a nucleação de escolas da educação infantil e ensino fundamental nas respectivas comunidades, bem como a promoção de ações para reduzir as disparidades na educação entre os povos indígenas e não-indígenas.
O texto também sugere a inserção de conteúdos específicos no currículo das escolas municipais, que reflitam as cosmovisões, histórias, línguas, conhecimentos, valores e cultura dos povos indígenas, principalmente os de Aracruz. O objetivo é promover o intercâmbio de experiências entre as escolas indígenas e não indígenas no município.
Outra medida prevista nesse campo é a criação de um cargo específico de professor indígena, por meio de lei do Executivo, na carreira de magistério, bem como a promoção de atividades educativas voltadas para jovens, adultos e idosos, fazendo com que tenham acesso à educação escolar indígena. O objetivo é promover o acesso ao aprendizado da Língua Indígena, da História e Cultura da Etnia e do Uso do Território, bem como conhecimentos técnico-científicos da sociedade nacional.
Saúde
Problema recorrente nas comunidades, a política prevê a garantia da atenção básica de qualidade para as populações indígenas de Aracruz, com ações que promovam a integração do atendimento em todos os níveis de assistência, respeitando as especificidades das comunidades. O texto também prevê a garantia dos critérios especiais de acesso e acolhimento, principalmente considerando a avaliação de risco clínico e vulnerabilidade sociocultural.
Outra premissa no texto desenvolvido pela comissão é o respeito às medicinas tradicionais e a articulação com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). A matéria também prevê a inserção de ações voltadas à saúde dos povos indígenas no Plano Municipal de Saúde de Aracruz, de forma compatível e articulada com o Plano Distrital de Saúde Indígena.
A política estabelece ainda a elaboração de um Termo de Compromisso de Gestão e de um Termo de Pactuação Específico com o Distrito Sanitário Indígena (Dsei) e com o governo do Estado, com o intuito de planejar a execução harmônica de atenção à saúde básica e especializada às comunidades indígenas de Aracruz.
O texto também sugere o cadastramento de hospitais do município que prestem atendimento à comunidade indígena. As instituições teriam o “Certificado Hospital Amigo do Índio”, incentivando um atendimento que contemple as especificidades dessas comunidades.
Infraestrutura Comunitária e Saneamento Básico
O texto prevê a execução de projetos de infraestrutura comunitária que sejam previamente submetidos à análise da Funai e da Sesai, de forma que se crie um fluxo de comunicação institucional entre os órgãos envolvidos e se respeite a participação efetiva das comunidades indígenas beneficiadas.
O projeto de lei também sugere que o município se responsabilize pelo planejamento e a execução, mesmo que indiretamente, de serviços públicos de saneamento, em cooperação com a União, além de implementar áreas de lazer para as comunidades.
Outro ponto do texto é a manutenção das estradas localizadas no interior das terras indígenas, O projeto de lei prevê a promoção de ações integradas entre as secretarias municipais, independente do zoneamento do perímetro do território. O objetivo é fazer com que não haja atendimento desigual entre as comunidades.
Meio Ambiente
A proposta pontua a responsabilidade do município na manutenção dos ecossistemas nas terras indígenas e prevê o apoio à proteção, conservação e recuperação dos recursos naturais que são fundamentais para a reprodução física e cultural “das presentes e futuras gerações dos povos indígenas”, fortalecendo também o saber dessas comunidades.
A comissão inseriu no projeto a importância da integração das políticas e planos de manejo das unidades de conservação municipais à política indigenista e ao Plano de Gestão Ambiental e Territorial (PGTA), para evitar a dupla afetação entre Unidades de Conservação e Terras Indígenas.
“Caso ocorra sobreposição, elaborar e implementar, com a participação dos povos indígenas e da Funai, planos conjuntos e integrados de gestão das áreas em sobreposição, garantida a administração pelo órgão ambiental e respeitado os usos, costumes e tradições dos povos indígenas”, diz um trecho do projeto de lei.
Além disso, a matéria sugere que o Plano Diretor Municipal defina as zonas de amortecimento no entorno das Terras Indígenas e o município promova programas de educação ambiental para conscientização da preservação dos recursos naturais utilizados tradicionalmente pelas comunidades indígenas de Aracruz.
Outras propostas
A matéria também conta com outras áreas temáticas como o Etnodesenvolvimento, que prevê o fomento da produção agrícola sustentável, além de campos relacionados à História, Cultura e Cidadania, garantindo medidas que incentivem a manutenção e a transmissão de práticas culturais dos povos indígenas.
No campo da segurança pública, o projeto prevê a integração do Sistema de Segurança ao interior das Terras Indígenas e participação de representantes das comunidades no Conselho Municipal de Segurança Pública.
No eixo temático destinado ao Lazer e Desporto, a matéria define que a prática de esportes, principalmente os jogos tradicionais indígenas, seja reconhecida como legítima manifestação esportiva desses povos, e que o município promova o ensino e a prática das modalidades nas escolas de Aracruz
Políticas públicas
O principal diferencial da política indigenista desenvolvida em Aracruz é que, caso seja sancionada, ela será considerada um instrumento transversal para elaboração de qualquer plano ou política municipal na cidade, em qualquer área temática. Todos terão que garantir que os objetivos descritos na lei sejam respeitados.
Para que isso tome forma e realmente seja efetivado, o texto prevê o desenvolvimento do Plano Municipal de Execução da Política Indigenista de Aracruz (PMEPIA), que irá garantir a implementação por meio de ações de curto, médio e longo prazo.
O texto também prevê a criação do Conselho Municipal Indigenista de Aracruz, que será responsável pela fiscalização do cumprimento dos objetivos destacados no projeto de lei.