Abril Indígena é uma oportunidade de apoiar a luta por território e demais direitos, pelo bem toda a sociedade
O Abril Indígena foi oficialmente aberto nesta segunda-feira (3) pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), em sua sede federal, em Brasília, e, em paralelo, inúmeras atividades serão realizadas por outros órgãos de governo, ONGs e entidades indígenas por todo o país.
Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), uma das mais antigas e consolidadas organizações de apoio à luta dos povos originários por seus direitos, a Semana dos Povos Indígenas 2023 acompanhará a Campanha da Fraternidade da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que tem o tema “Fraternidade e fome” e o lema “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16), enfatizando a relação entre povos indígenas e segurança alimentar, por meio do tema “Territórios Livres”, e o lema “Povos sem fome”.
A insegurança alimentar cresceu exponencialmente no Brasil nos últimos quatro anos, reinserindo o país no vergonhoso Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (Onu) e o drama do povo Yanomami, na Amazônia – em que mais de 500 crianças morreram de desnutrição – chocou os brasileiros e o mundo no início do ano, por meio da denúncia e ação mitigadora, ainda em curso, feita pelo atual governo federal.
A fome também ameaça outros povos indígenas, que vivem em situação de maior vulnerabilidade, em busca pela demarcação de suas terras, vivendo em acampamentos, retomadas e à beira de estradas. Na maior parte das comunidades indígenas, no entanto, a questão da alimentação enfrenta o desafio da má qualidade e distanciamento com a cultura tradicional, por pressão da sociedade não-indígena, que avança sobre os territórios, mesmo os já demarcados e titulados, impondo hábitos de produção e consumo menos saudáveis.
No Espírito Santo, essa pressão crescente se tornou ainda mais intensa desde o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP, em 2015, que fez com que a tsunami de rejeitos de mineração alcançasse os rios que cortam as Terras Indígenas de Aracruz, no norte do Estado, contaminando água e pescados.
Como bem afirmou o vice-cacique da Aldeia Piraquê-Açu e coordenador da Comissão Guarani Ywyrupa (CGY) no Espírito Santo, Kara’i mírīm, a contaminação de um rio como o Piraquê-açu, que corta a sua aldeia, traz prejuízos não só materiais, da perda de alimentos, mas também culturais e espirituais. “Não há dinheiro que pague a perda do rio”, lamentou.
Os graves impactos do crime da Samarco/Vale-BHP perduram até hoje e uma revisão dos programas de compensação e reparação dos danos está em curso, sob coordenação da Justiça Federal, com previsão de uma audiência de conciliação no início de maio, na 4ª Vara Federal, em Belo Horizonte. Depois de uma ocupação de 42 dias sobre os trilhos da Vale que cortam a Terra Indígena Comboios, a Fundação Renova retomou o pagamento do Auxílio de Subsistência Emergencial (ASE) e participa das reuniões com as comunidades indígenas, coordenadas pelo Ministério Público Federal (MPF), para chegar a um novo acordo que atenda minimamente as necessidades dos Tupinikim e Guarani atingidos.
Afora os impactos do maior crime socioambiental do país e um dos maiores do mundo, há décadas os povos indígenas do Espírito Santo sofrem impactos de dezenas de grandes empreendimentos industriais instalados no entorno ou mesmo dentro das TIs, principalmente a Suzano Papel e Celulose (ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria), provocando poluição, violência, preconceito e até criminalização dos indígenas.
Uma ação robusta de regularização desses empreendimentos foi uma das pautas da rodada de reuniões realizadas pelas lideranças indígenas capixabas em Brasília em meados de março, quando também foram reforçadas outras pautas históricas, como saúde e educação indígenas nas aldeias.
Para além da necessidade de prover segurança alimentar, dignidade e felicidade para os próprios povos originários diretamente beneficiados por essas políticas públicas, o fortalecimento dos territórios indígenas emana benefícios para toda a sociedade, pois são eles, ao lado das unidades de conservação de proteção integral, os principais responsáveis pela proteção das florestas e das águas e pela regulação do clima em âmbito global.
Os saberes e práticas ancestrais, por sua vez, constituem uma fonte genuína de inspiração e referência para a implementação de tecnologias e padrões de desenvolvimento que podem garantir um futuro de maior equilíbrio ambiental e saúde também para os povos da do campo e da cidade, ditos civilizados.
Nas palavras do Cimi, “o riquíssimo universo indígena do Brasil – formado por mais de 300 povos, com uma variedade de 270 línguas – [contribuem] no processo de segurança alimentar e saúde do país. Por meio de suas experiências, os indígenas mantêm as florestas em pé, a água limpa e pura, sem venenos, garantindo alimentos saudáveis e vida plena. Além de proporcionarem, a eles mesmos, a autossustentabilidade”.
E, ainda, “os mitos indígenas mantêm o futuro aberto. Retomando o princípio da esperança na realidade, os povos celebram a reconstrução da vida em sua inteireza e a busca da “terra sem males”. Ao garantir seus territórios livres de invasores e devastadores do ecossistema, assegura-se o jeito próprio dos povos originários viverem – em harmonia com a Mãe Terra, levando o Bem Viver para todas e todos.