No Estado, levantamento prévio do IBGE identificou 87 localidades quilombolas e 18 indígenas
O primeiro censo com identificação das comunidades quilombolas e indígenas do Brasil foi inaugurado oficialmente neste mês de agosto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nesta quarta-feira (17), foi lançado o Dia de Mobilização do Censo Quilombola e, no último dia 10, iniciada a Mobilização Indígena. As datas marcam a apresentação da metodologia da operação censitária nessas áreas e pretende mobilizar as lideranças a abrirem suas comunidades para que a populações quilombola e indígena respondam ao Censo 2022.
A mobilização se explica porque essa primeira iniciativa conta com a parceria de diversos órgãos federais envolvidos na garantia de direitos desses dois povos tradicionais brasileiros, além da autorização e participação direta das próprias comunidades, em respeito à Convenção 169 da Organização Mundial do Trabalho (OIT), que define a consulta livre, prévia e informada às comunidades, em todas as ações que as impactem diretamente.
No Espírito Santo, o levantamento prévio feito pelo IBGE e parceiros identificou 87 localidades quilombolas em 28 municípios, sendo quase metade em Conceição da Barra e São Mateus, norte do Estado, no território tradicional conhecido como Sapê do Norte. Já as indígenas somaram 18 localidades, em quatro municípios.
No caso dos quilombolas, especialmente, o número final tende a ser maior, como considera a principal entidade parceira do trabalho, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). “Nós trabalhamos com um número de 100 comunidades quilombolas no Espírito Santo”, afirma Arilson Venturam coordenador-executivo das Comunidades Quilombolas do Espírito Santo – Zacimba Gaba e Coordenador Nacional da Conaq. “Brigamos muito para fazer esse censo. Dialogamos com o IBGE desde os preparativos do Censo de 2020”, contextualiza.
Das 100 estimadas pela entidade, metade já está certificada pela Fundação Cultural Palmares, órgão do governo federal responsável pelos primeiros passos no longo e burocrático caminho de titulação dos territórios quilombolas do país, processo que é finalizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A maior parte das certificadas, 32, também estão no Sapê do Norte.
São cerca de quatro mil famílias nas comunidades certificadas, segundo a Conaq. A outra metade é formada por comunidades autodeclaradas, explica Arilson, ou seja, aguardam ainda a primeira ação formal para a titulação. Entre elas, estão Mocambos e Jacarandá, em Guarapari; São Mateus do Sul, em Anchieta; e Timbó e Vargem Alegre, em Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Estado – todas não pontuadas no levantamento prévio do IBGE.
A planilha provisória elenca alguns nomes repetidos, pois considera três tipos de fontes de informação: Território quilombola oficialmente delimitado; Agrupamento quilombola; e Localidade quilombola identificada por registro administrativo (veja lista abaixo).
“Quantos de fato somos? O censo vai nos aproximar mais dessa resposta. Porque até agora não temos dados oficiais, somente o que a Conaq conseguiu levantar. Isso é muito importante para definição de políticas públicas de saúde, educação cultura, e etc..”, afirma Arilson.
A vacinação contra Covid-19, por exemplo, esbarrou nessa dificuldade de quantificar as doses necessárias. As ações previstas na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 742, impetrada em 2020, pedindo um plano emergencial de enfrentamento da pandemia nos quilombos, se baseou no Censo de 2010. “As cestas de alimentos, da ADPF 742, vão sair agora em 2022. Foi com base no Censo de 2010. Vai ser um problema nos territórios, porque a população quilombola cresceu”, aponta. “O IBGE vai realmente nos dar uma atualização dos dados muito importante, e dados oficiais”.
O atual governo federal, ressalta o coordenador da Conaq, “tem promovido muitos retrocessos no acesso aos direitos das comunidades quilombolas, inclusive na própria Fundação Palmares, que paralisou os processos de certificação”.
No Espírito Santo, prossegue, o cenário não é muito diferente. Renato Casagrande (PSB) foi o vice-governador e secretário de Agricultura que, em 1998, no governo de Vitor Buaiz (PT), assinou uma lei que determinava a titulação das terras devolutas identificadas como quilombolas. A Conaq solicitou uma reunião com Casagrande na atual gestão, conta Arilson, mas ainda não foi atendida. O único encontro com o governador, no Palácio Anchieta, explica, ocorreu por uma situação momentânea, que levou a uma reunião “a toque de caixa”, mas a titulação prevista na lei de 1998 não avançou.
A Mesa de Resolução de Conflitos Fundiários, coordenada pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH) e seu GT Quilombola, também não tem trazido avanços, apesar de dois anos de funcionamento. “Não avança nada. Quando avança um pouco, retorna. Vai terminar a gestão e não tem resultado para o foco principal, que é titulação das terras para a nossa gente”.
Localidades
No levantamento prévio do IBGE, constam as seguintes localidades quilombolas no Espírito Santo: Santana, Angelim I, São Domingos, Córrego do Macuco, Angelim III, Linharinho, Morro da Onça, Roda d´Água, Cochi, Córrego do Sertão, Porto Grande, Córrego do Alexandre; Angelim II, Angelim III, Dona Guilhermina, Córrego Santa Izabel e Angelim Disa (Conceição da Barra); Beira Rio, Dilô Barbosa, Chiado, Nova Vista I e II, Córrego do Tapá, São Jorge, Palmitinho, Serraria e São Cristóvão, Mata Sede, Cacimba e São Domingos, Córrego Seco, Palmitinho, Angelim III, Divino Espírito Santo (São Mateus); Monte Alegre, Pedra Branca, Sítio dos Crioulos e Barro Branco (Cachoeiro de Itapemirim); Graúna (Itapemirim); Sítio dos Crioulos e Serteo (Jerônimo Monteiro); Boa Esperança (Presidente Kennedy); Pedra Branca (Vargem Alta); Córrego do Sapato (Brejetuba); Córrego do Sapato (Conceição do Castelo); Córrego Amarelo (Divino de São Lourenço); São Pedro (Fundão); Córrego Azul e Córrego Sossego (Guaçuí); Alto do Iguape (Guarapari); São Pedro (Ibiraçu); Monte Belo (Iconha); Terra Corrida (Iúna); Palmitinho (Jaguaré); São Pedro (João Neiva); Degredo (Linhares); Graúna, Boa Esperança, Santa Luzia (Marataízes); Meia Quarta, Terra Corrida, Córrego Rico (Muniz Freire); Andes, Sítio dos Crioulos, Fazenda Santa Joana (Muqui); Santa Luzia (Pedro Canário); Córrego do Sertão (Pinheiros); São Pedro (Santa Teresa); Araçatiba (Viana).
Já o levantamento prévio indígena traz as seguintes localidades: Boa Esperança, Irajá, Três Palmeiras, Pau Brasil, Piraquê-açu, Caieiras Velha, Córrego do Ouro, Areal, Comboios, Novo Brasil, Olho d´Água, Amarelo (Aracruz); Chapada do A (Anchieta); Yaka Rexaka Porã (Divino de São Lourenço); Areal (Linhares). O Censo de 2010 identificou, em Aracruz, pouco mais de três mil pessoas autodeclaradas indígenas.
Em âmbito nacional, o mapeamento identificou 5.972 localidades quilombolas e 2.308 agrupamentos quilombolas – aqueles em que há 15 ou mais pessoas residindo em um ou mais domicílios próximos espacialmente e nos quais as pessoas estabelecem laços de parentescos ou comunitários.
Entre os indígenas, foram identificadas 632 terras indígenas, 5.494 agrupamentos indígenas – que são o conjunto de 15 ou mais indivíduos em uma ou mais moradias contíguas até 50 metros de distância e que estabelecem vínculos familiares ou comunitários – e 977 outras localidades indígenas, em 827 municípios brasileiros.
Metodologias
Em ambos trabalhos, os recenseadores passaram por treinamentos específicos. “Para que as pessoas se sintam confortáveis em responder ao Censo, é importante que percebam que sua identidade e forma de organização social serão respeitadas. Para isso, foi necessário preparar os recenseadores para saberem lidar com a diversidade e alteridade, na chegada a uma comunidade quilombola ou indígena”, explica o IBGE.
O IBGE considera quilombola toda pessoa que se autoidentifica como quilombola, assim como sobre as pessoas ausentes no domicílio no momento do recenseamento. O recenseador perguntará “Você se considera quilombola?”. Em caso afirmativo, é feita uma segunda pergunta: “Qual o nome da sua comunidade?”. Por comunidade quilombola, o IBGE considera o que está definido no Decreto 4887 de 2003, que define que comunidade quilombola são grupos étnico-raciais de autoatribuição com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.
Durante a coleta, será concretizada mais uma etapa do processo de consulta quando, na chegada à comunidade, o recenseador procura as lideranças responsáveis e faz uma reunião de abordagem para explicar como será o censo e as áreas de trabalho e pede apoio e colaboração para sensibilizar a população a responder ao censo.
“A divulgação dos resultados do Censo também será negociada na etapa pós-censo, em reuniões e oficinas nacionais para chegar aos melhores formatos que atendam à população quilombola”, explica a coordenadora do Censo de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE, Marta Antunes.
Nos territórios indígenas, o Censo 2022 assegura uma pergunta de cobertura. “É comum que o informante se declare pardo ou preto por conta da cor da pele ou de algum documento emitido”, afirma o gerente de Territórios Tradicionais e Áreas Protegidas do IBGE, Fernando Damasco. Para corrigir essas possíveis imprecisões nas áreas indígenas, a questão “você se considera indígena?” será aplicada nessas comunidades, em caso da não-declaração da cor ou raça “indígena”.
Após a resposta “indígena” ser dada seja no quesito “cor ou raça” seja na pergunta de cobertura nos territórios, o questionário do Censo 2022 abre para as questões de etnia, povo ou grupo e de língua falada no domicílio. Há uma lista prévia de etnias ou línguas, mas o recenseador poderá adicionar novas respostas que surgirem. Também há a opção de resposta “não sabe”, e, além disso, poderão ser registradas até duas ou três línguas indígenas. “É importante destacar que a ausência de informe de etnia ou de língua falada do respondente não altera a autodeclaração indígena”, avisa Damasco. No Censo 2010, foram identificados 890 mil indígenas, sendo 305 etnias e 274 línguas faladas.