Liminar de reintegração de posse foi concedida pela Justiça Estadual

Um protesto ocorre nesta sexta-feira (25) na rodovia ES 010, no acesso à Vila de Itaúnas, em Conceição da Barra, no norte do Estado, contra a tentativa de despejo das 200 famílias da comunidade quilombola de Angelim I, que fica no entorno e já foi reconhecida e certificada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Uma ordem de reintegração de posse foi concedida em favor da Suzano Papel e Celulose (ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria). Os manifestantes estão no local desde as 6h, e prometem ficar até que as ordem de despejo seja revista.
Moradores relatam que, no último dia 11 de abril, um oficial de Justiça, acompanhado de representante da Suzano e da Polícia Militar, foram até a comunidade informar que deveriam desocupar a área em até 15 dias. Os agentes entraram em residências e tiraram fotos, sem autorização, situação que foi denunciada ao Ministério Público Federal (MPF). Uma reunião preparatória online foi marcada para a próxima quarta-feira (30).
“Não temos ainda nem o respaldo de suspender, pelo menos para dialogar. Não tem nenhuma garantia, o povo não foi ouvido por nenhuma organização política, nenhum prefeito, nenhum governo”, reclama Terezino Trindade Alves, presidente da Associação de Agricultores da Comunidade Quilombola Angelim I (Aacqua).
O juiz Akel de Andrade Lima, de Conceição da Barra, concedeu duas liminares de reintegração de posse a favor da Suzano, nos últimos dias 17 e 28 de março, referentes a duas áreas de 1,6 mil hectares e 806,82 hectares, respectivamente – totalizando, portanto, quase 2,5 mil hectares. Ele argumentou que a Suzano comprovou “a alegada invasão do terreno limítrofe por ocasião de pequenas construções de barracos, plantios e construções de cercas”.
Entretanto, os moradores denunciam invasão de competência do Poder Judiciário estadual sobre uma matéria que já tramita na esfera federal. No último dia 28 de março, o desembargador André Fontes, do Tribunal Federal da 2ª Região, determinou que o Incra informasse os procedimentos em andamento para a titulação das terras, convertendo a apelação da Suzano em uma diligência.

Além disso, ao contrário do que informa a decisão da Justiça, os moradores defendem que as casas da comunidade são todas de alvenaria e a grande maioria possui energia elétrica, não se tratando, portanto, de um acampamento, mas de moradias já estabelecidas. A retomada quilombola na região remete a 2010, e a comunidade inclusive conseguiu recuperar ambientalmente a área antes degradada pelos eucaliptais.
Os quilombolas lembram ainda que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Aracruz Celulose, de 2002, comprovou as violações das chamadas “papeleiras” na região norte do Estado. Durante a ditadura civil-militar, as terras devolutas onde viviam as comunidades tradicionais de indígenas, posseiros e remanescentes dos quilombos eram reivindicadas por grileiros – que, no caso, eram os próprios funcionários da empresa. Após obter as áreas, elas eram imediatamente repassadas para a então Aracruz Celulose, assim os mais de 50 quilombos presentes no território Sapê do Norte, formado ainda pelo município de Sãom Mateus, foram encurralados em meio ao deserto verde.
Depois, a Aracruz Celulose foi comprada pela Fibria e, posteriormente, pela Suzano – que, como dizem os defensores das comunidades tradicionais, “comprou” os crimes da ditadura. O território original do Sapê do Norte foi reduzido a 10%, em pessoas e área, e as famílias ainda lutam pela titulação de suas terras, processo marcado pela morosidade do Incra e incontáveis contestações judiciais das empresas.

Em 2021, a comunidade afirma ter expulsado centenas de famílias invasoras do território, que seriam organizadas por grupos bolsonaristas que vendiam terras. Na ocasião, a própria Suzano teria declarado que iria “resguardar as comunidades quilombolas que estejam em luta pela retomada, reconhecimento, certificação e titulação de seu território tradicional”.
As papeleiras são responsáveis, no Estado, por décadas de violações e impactos ao meio ambiente nas comunidades quilombolas e também indígenas. Não geram dividendos suficientes para o Estado, uma vez que sua implantação se baseia em renúncia fiscal, além de gerar pouquíssimos empregos – apenas 71 em Conceição da Barra. São 61 mil hectares de eucalipto plantados no município, 37,74% da área total, e 250 mil hectares de eucalipto plantados no Estado – e a empresa ainda quer mais.