Um exemplo disso, aponta, é na própria área da educação. “Na Secretaria Municipal de Educação de Vitória temos a Comissão de Estudos Afro Brasileiros. A questão racial é debatida somente nesse espaço. Não estou descredenciando o espaço, que é uma vitória para nós, mas não podemos deixar a potência das nossas narrativas reservada em um único lugar, ela tem que perpassar todos os outros. O racismo institucional privilegia uma só narrativa, a branca e europeia”, diz.
Lavínia destaca, ainda, que não é possível falar sobre questões muitas vezes consideradas gerais sem fazer recorte racial. Ela exemplifica com a temática da mulher. “Quando se fala em mulher, não dá para fazer isso sem falar da mulher negra. Quando não se fala dela, na verdade está se falando de um grupo muito pequeno, pois a maioria das mulheres são negras no Brasil”, afirma Lavínia, que rebate as críticas de quem acha que, seja nas matérias jornalísticas, ou em outros espaços, fazer recorte racial incentiva a segregação. “O racismo faz parte de uma estrutura de opressão, só se muda essa estrutura falando disso”, defende.
Comunidade negra na academia
Segundo o integrante do Coletivo Negrada e mestrando em Ciência Política da Ufes João Victor dos Santos, as cotas possibilitaram um número maior de negros nos cursos de graduação da universidade, mas o mesmo não se vê na pós-graduação. Um dos motivos, de acordo com ele, é o fato de que somente sete dos 94 cursos de pós-graduação da Ufes possuem cotas raciais, que são os mestrados em Ciências Sociais, Psicologia Institucional, Artes, Comunicação e Política Social, além dos doutorados em Ciências Sociais e Política Social.
Outro fator, explica João Victor, é que na universidade as bolsas destinadas aos estudantes negros são, em grande parte, para cumprir funções administrativas, e não as de pesquisa. “Se reproduz aí a ideia de que o trabalho braçal é da população negra e o intelectual é dos brancos”, diz. João Victor afirma que os estudantes negros fazem pesquisas sobre temas relacionados à negritude, mas também a muitos outros. “Nossas vivências são múltiplas. Podemos falar delas e de muitas outras coisas”, diz. A afirmação de João Victor é devido ao fato de que muitas vezes pesquisadores negros são convidados a falar somente sobre temas relacionados à negritude.
Um exemplo recente dessa realidade, aponta, foi a entrevista no Roda Viva, da TV Cultura, com o Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Silvio Almeida, autor do livro “O que é Racismo Estrutural?”. Segundo João Victor, Silvio Almeida tem pesquisas sobre diversos temas, entre eles, o Direito Tributário, mas a entrevista se restringiu à temática desse livro.
Guia de Fontes Negras
O Guia de Fontes Negras ao qual a Ufes aderiu é uma iniciativa das jornalistas Marília Marasciulo, de Florianópolis, em Santa Catarina, e Luísa Martins, de Pelotas, no Rio Grande do Sul, que iniciaram o projeto em junho deste ano após a onda de protestos antirracistas iniciada nos Estados Unidos suscitarem as pautas ligadas à temática racial. As jornalistas afirmam que, ao procurar um especialista negro para falar sobre o tema, ele reclamou que fontes negras só eram buscadas em pautas sobre racismo.