Após o ato, foi feita solicitação coletiva de representação criminal por racismo ao MPF contra o vereador Gilvan da Federal
Os tambores ecoaram em frente à Câmara de Vitória na manhã desta quarta-feira (15), em um ato realizado por integrantes de religiões de matriz africana. Eles protestaram contra o racismo religioso cometido pelo vereador Gilvan da Federal (Patri) na sessão ordinária de 29 de novembro. Após a manifestação, foi feita uma solicitação coletiva de representação criminal por racismo ao Ministério Público Federal (MPF).
Devido à sessão em homenagem ao Dia da Consciência Negra, realizada em 26 de novembro e proposta pela vereadora Karla Coser (PT), Gilvan subiu na tribuna da Câmara no dia 29 mostrando detergente e bucha, que, segundo ele, seriam utilizados “para limpar a mesa e pedir orações a Deus para nos livrar de todo o mal”, referindo-se à benção feita por mães de santo no plenário da Câmara durante a sessão solene.
A coordenadora do Movimento de Juventude de Terreiro, Ana Karolina da Fonseca Oliveira, afirma que, ao agredir as mães de santo, o vereador agrediu também as mulheres e negros. “Ele está usando o poder público para ofender as mulheres, os povos tradicionais, os negros. O vereador mexeu com todos os povos tradicionais do Espírito Santo. Ele quer dizer o que com a bucha e o detergente? Ele quer lavar a cor de todo mundo? Negros têm que rasgar a pele para ser da cor dele?”, questiona.
O secretário geral da Federação de Cultura e Povos Tradicionais de Matriz Africana/Clã Omorodés, Ogã Marcos de Odé, destacou que quando se é mulher, LGBT, preto e periférico, a discriminação é muito grande, “principalmente quando tem os bolsominions, negacionistas, machistas, que junta tudo e vira uns monstros dentro das Casas de Leis”.
O ogã acredita ainda que a agressão a esses grupos demonstra medo por parte de quem agride. “Eles têm medo dos povos tradicionais, medo das mulheres no poder. Aí, o que fazem? Agridem para abaixar a autoestima desse povo para que ele saia”, diz, salientando ainda a existência do preconceito linguístico.
“Quando as mães cantaram Oní Sáà wúre na sessão, estavam dizendo ‘que Oxalá abençoe seus filhos, que Oxalá dê forças’, ela não fez nada além de pedir bênçãos para essa Casa de Leis, e vem um e diz que aquilo é satanismo. Se a nossa religião falasse alemão ou qualquer língua que não fosse de preto, estaria tranquilo”, denuncia.
Camila classificou o protesto como um “ato de grandeza, uma prova de que os povos tradicionais não vão se calar, de que não têm medo”. Também colocou seu mandato “à disposição para todas alternativas de resistência, de enfrentamento a esse projeto político que quer nosso aniquilamento”.
Durante a sessão, a vereadora também se pronunciou saudando os integrantes de religiões de matriz africana que se encontravam no Plenário “para exigir e cobrar respeito, dizer que existem e querem ser respeitados na forma como professam sua fé”. Camila classificou o comportamento de Gilvan como um ato de racismo religioso ao associar essas crenças ao satanismo e recordou que ela mesma foi chamada de satanista pelo parlamentar. “Intolerância e racismo religioso não passarão sem o nosso protesto”, destacou.
Representação criminal
Após a manifestação, foi feita solicitação coletiva de representação criminal por racismo ao Ministério Público Federal (MPF), assinada por 114 organizações. Segundo o documento, durante a sessão do dia 29, “o vereador tomou uma posição racista, desrespeitosa a religião de outrem”, além de ferir o estado laico, mostrando a bíblia dizendo ser a sua arma”.
Na denúncia, os manifestantes se baseiam em leis e tratados internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a lei orgânica municipal. O documento mostra ainda a insatisfação com o “comportamento omisso do presidente da Casa de Leis, Davi Esmael [PSD]”, pedindo providencias judiciais também em relação a ele.
Nessa segunda-feira (13), Karla Coser, com o apoio de 108 organizações, protocolou no Ministério Público do Espírito Santo (MPES) uma notícia de fato criminoso em face de Gilvan pelo ato de racismo religioso.
Na notícia de fato criminoso, Karla Coser e as organizações afirmam que o vereador “excede o mero descontentamento pessoal, estando alocado já na seara do discurso de ódio”, além de salientar “o escárnio, a intolerância, o deboche, a chacota e a intenção de marginalizar os grupos que professam cultos religiosos de matriz africana, como Umbanda e Candomblé, reduzidos de maneira ofensiva pelo vereador, como ‘macumba’ e ‘essa coisa ruim”.
Acrescentam ainda que “há enorme desrespeito e acinte ao subir à tribuna da Casa de Leis munido de esponja e desinfetante, simbolizando a necessidade de uma faxina no Plenário da Casa após a presença de grupo professante de crenças arraigadas em matrizes africanas”. O grupo aponta que a liberdade religiosa é prevista na Constituição Federal de 1988, assim como a “proteção das culturas populares das populações indígenas e afro-brasileiras”.