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Serra cria iniciativa inédita voltada para mulheres cuidadoras de PCDs

Plano de Ação em elaboração visa apoiar mulheres como Sirlaine, que tem deficiência e cuida de filha também PCD

Cuidar de quem cuida de pessoas com deficiência (PCDs). Adaptar políticas públicas de saúde e assistência social, já existentes, para as especificidades de quem se dedica em tempo praticamente integral a prover as necessidades essenciais dos filhos ou familiares que têm seus direitos negados cotidianamente e são invisibilizados pela sociedade em pleno século XXI. 

Esse é o objetivo da Portaria Intersetorial nº 01, publicada pela Prefeitura da Serra, criando o “Grupo de Trabalho Intersetorial para a construção do Plano de Ação visando atender cuidadoras(es) e familiares de pessoas com deficiência no âmbito do município da Serra”. 

O GT é coordenado pela Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania (Sedir), representada pela secretária Lilian Mota, e servidoras, todas mulheres, de outras quatro pastas municipais – Políticas Públicas para as Mulheres (Seppom), Saúde (Sesa); Assistência Social (Semas); e Educação (Sedu) – do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência (COMDEPD) e da sociedade civil, cujas cadeiras foram assumidas pelo coletivo Mães Eficientes Somos Nós (MESN).

Redes sociais

“O GT é pioneiro no Espírito Santo. É fruto da nossa luta. Cuidar da mulher que cuida de pessoas com deficiência. Vai abrir portas para que outros municípios façam o mesmo e permitir que este debate específico garanta políticas públicas que atendam estas mulheres nas suas especificidades”, afirma Lucia Mara dos Santos Martins, coordenadora-geral do MESN.

Em suas redes sociais, o coletivo parabenizou o município pelo pioneirismo. “É lindo ver que, por mais que haja nosso desgaste em ir à luta e fazermos os enfrentamentos, aos poucos vamos colhendo os resultados. Sabemos que ainda temos muitos desafios, mas vamos superá-los se não desistirmos de lutar. Lutamos com a consciência de que se não o fizermos nunca seremos vistas, nossos filhos/as continuarão apagados/as, invisibilizados pelo sistema”. 

Representando as Mães Eficientes no GT, a assistente social e pesquisadora de políticas públicas para mulheres pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), Célia Barbosa da Silva Pereira, conta que o Grupo Intersetorial surgiu a partir do amadurecimento das reuniões mensais realizadas entre o coletivo e a Secretarias de Saúde e Educação, que tratavam da saúde integral da mulher, de acordo com o que é estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Assim, outras secretarias foram se aproximando, até ser tornar um grupo intersetorial.

Facebook

O objetivo do GT e do futuro Plano de Ação, ressalta, é garantir a continuidade das políticas públicas. “Fazer com que as ações se tornem políticas públicas, para não recomeçar do zero de novo a cada mudança de gestão municipal”.

Na prática, as integrantes do GT irão elaborar arranjos que possam adaptar as ações e programas já realizados pela prefeitura às necessidades das mulheres cuidadoras, desburocratizando a marcação e realização de exames e consultas para essas mulheres, por exemplo. 

“Madrugar na fila para pegar uma senha e ficar um dia inteiro para fazer uma consulta, isso não condiz com nossa realidade. Não temos como ir com uma criança com deficiência e ficar na fila um dia inteiro. Não somos consideradas prioridade, mesmo estando com as crianças que têm prioridade”, explica Celia. “Uma mãe que fica de manhã até a noite com a criança na rua, andando de ônibus, da creche pra terapia, almoçando de marmita no ônibus…ela não consegue priorizar um exame preventivo para ela, por exemplo. Há pessoas com deficiência há anos sem atendimento no posto de saúde”, expõe. 

“Não é para inventar a roda”, ressalta, repetindo uma frase dita dentro do GT. “Os serviços de saúde e assistência já estão postos. Vamos buscar, em cada um deles, protocolos de atendimento para as mulheres que cuidam de pessoas com deficiência, sendo que muitas delas também possuem deficiência ou transtornos mentais. E ainda atender outras especificidades, como a mulher negra, ou a mulher homoafetiva ou trans, que são mais discriminadas ainda”, afirma. 

É o caso de Sirlaine Nazare da Silva, de 38 anos, mãe da pequena Thalyta Emanuelly de dois anos e meio, que foram vítimas de violência doméstica. Há dois anos, o pai de Thalyta atentou contra a vida de Silaine. Após a tentativa de homicídio, ele foi preso e depois transferido para o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), em Cariacica. Também passou um período internado na Fazenda Esperança, mas está solto, tendo voltado a agredi-la duas vezes no ano passado.

Arquivo pessoal

Sirlaine conta que o ex-companheiro tem esquizofrenia e que “no fundo, tem dó, ele tem problema desde criança”. Mas, que precisou priorizar a sua vida e a da filha. “A Thalyta sente toda essa violência que eu sofri. No dia da audiência com o juiz, ela ficou muito nervosa quando viu o pai”, conta.

As duas possuem transtorno de humor e tomam medicação controlada. Thalyta também tem diagnóstico de autismo e o neuropediatra ainda não fechou laudo, pois investiga outras possíveis necessidades especiais da bebê que ainda podem aflorar. Na Associação de Pais e Amigos de Excepcionais (Apae), a filha tem acompanhamento de psiquiatra, nutricionista e neuropediatra. Mas na rede de saúde, Sirlaine não tem conseguido fazer acompanhamento com pediatra. “Nunca tem vaga”, reclama. 

“Ela tem atraso no desenvolvimento, ainda não anda, e tem estrabismo. É minha única filha viva das seis gestações que já tive”, conta a mãe, que tem outros problemas crônicos de saúde, como neuropatia no olho, esquizofrenia leve, endocardite bacteriana, hernia de umbigo e febre reumática. Os medicamentos controlados incluem Sertralina, Clonazepam, Risperidona, Ácido Valproico, Lítio e Benzetacil. 

Sirlaine diz que está sem oftalmologista e cardiologista há muito tempo. Psiquiatria retomou em março, depois de seis meses sem atendimento. O tratamento odontológico, que ela iniciou após a tentativa de homicídio, ainda não foi concluído. O ex-marido lhe quebrou três dentes e os implantes foram iniciados em consultório particular, mas ela não teve condições de concluir. Também não consegue consulta de radiografia abdominal nem retomar o OCT, exame que mede o grau do glaucoma. 

Apesar da fragilidade social, está sem auxílio doença há três anos. Apenas recentemente conseguiu aluguel social, via Secretaria Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres (Seppom). Cestas básicas, verduras e outras ajudas pontuais também lhe são fundamentais, obtidas junto a igrejas e projetos sociais, como o “Eu me Importo com Você” e “Mão Estendida”. Trabalho remunerado se resume a algumas faxinas ocasionais, uma a duas vezes na semana, apenas em casas de famílias que já a conhecem e permitem que ele leve a filha junto. 

No dia a dia das terapias, ajudas sociais e trabalhos, Sirlaine reconhece que falta um olhar mais amoroso para a condição tão especial de sua família. “Tenho senha preferencial para atendimento de saúde, mas já fiquei quatro horas esperando, com a Thalyta chorando no colo”. No ônibus, apesar do direito a passe livre e com acompanhante, a realidade é de muita aridez. “Vivo morrendo de dor, para cima e pra baixo, com minha filha. Tenho que ficar pedindo lugar pra sentar no Transcol”. 

As mudanças de endereço são frequentes, seja devido a problemas nas casas onde consegue o aluguel social, seja para fugir do ex-marido e evitar novas agressões. E, a cada mudança de endereço, os pedidos de consultas e exames recomeçam a tramitar do zero. Há ainda a discriminação racial. “Sofro muito com racismo”, lamenta. 

Apesar de todas as dificuldades, ela se mantém firme e otimista. “Não posso me prostrar dentro de casa, tenho uma filha que depende de mim. O Coletivo [Mães Eficientes Somos Nós] me ajuda demais. E agora com esse GT, espero que as coisas melhorem”.

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