Alunas e professor irão depor. Expectativa é de que casos sejam tratados com mais rigor e não termine apenas em TAC
Acontece nesta quarta-feira (2), uma audiência referente à sindicância que investiga as denúncias de assédio sexual contra o professor de Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Renato Ribeiro Siman, noticiado em Século Diário em abril, quando o caso foi levado aos órgãos de Justiça do Estado e da União pelo programa de extensão Fordan – cultura no enfrentamento às violências, devido à falta, como aponta, de resolutividade dentro da universidade.
Na oitiva, estão intimados a prestar depoimentos o professor, as estudantes que eram orientandas por ele em mestrado, doutorado e estágio, e o diretor do Centro Tecnológico (CT-Ufes), professor Lorenzo A. Ruschi e Luchi, que fez o pedido ao reitor Paulo Vargas para abertura da sindicância.
A investigação ocorre no âmbito do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) – nº 23068.067438/2022-11 -, cuja Comissão de PAD (Portaria n°. 211/2023-R) é presidida pelo professor Júlio Cesar Pompeu e tem como demais membros os professores Adriana Pereira Campos e José Luiz Marques Rocha.
Coordenadora-geral do Fordan-Ufes, a professora Rosely Pires chama atenção, principalmente, para dois fatos. O primeiro é o longo prazo, de cinco meses, que o reitor levou para criar a Comissão PAD, em março, já que a solicitação do CT foi feita em outubro de 2022. O segundo é a ausência, até o momento, de intimação dela e do professor Ricardo Franci, que foi quem acolheu as estudantes e fez as primeiras denúncias do caso, tanto dentro do CT quanto na Polícia Federal, na época, recebidas pelo delegado federal Eugênio Coutinho Ricas.
‘Dá nada, não!’
A atenção sobre esses detalhes da investigação se explica pelo histórico de descaso com que denúncias semelhantes são tratadas pela gestão universitária, como tem ressaltado o Fordan, que informa ter feito uma “análise indiciária de todas as peças e documentos da sindicância”.
Seguindo um comportamento que prevalece em diversas outras universidades federais do país, a Ufes tem dado preferência por concluir casos de assédio com Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), que, na prática, resultam em punições consideradas muito brandas aos agressores, o que estimula a repetição dos crimes.
“De alguma forma, a resposta que a Ufes está dando para esses professores é o que alguns alunos sempre falam: ‘dá nada, não!’. Tem casos sérios de assédio! Professores que assediaram alunos e a forma que a gestão resolveu o conflito foi afastar o professor para licença capacitação. É preciso enfrentar de verdade essa violência”, alerta Rosely Pires.
Materialidade
No caso de Renato Siman, a materialidade dos crimes é apontada desde outubro, no relatório concluído pela sindicância interna do CT, esta criada em junho do mesmo ano, sob presidência da professora Claudia Varazi. “Concluímos que há indícios de autoria e materialidade da prática de irregularidade por parte do servidor Renato Ribeiro Siman”, afirma o relatório.
“Por que o reitor leva cinco meses para abrir uma sindicância de um caso tão grave?”, questiona Rosely, citando ainda trechos do Boletim de Ocorrência (BO) da Polícia Federal, em que as estudantes relatam que “o professor enviava e-mails para elas convidando-as para sair e que, diante das recusas, ele começou a fazer constrangimento moral e tomar atitudes para prejudicar os estudos, como atrasar o envio de notas sobre avaliações acadêmicas e ameaçar de retirar bolsas de apoio financeiro”. A coordenadora do Fordan cita: “Não é só assédio sexual, tem muita coisa no BO. Ele perseguiu as estudantes. Para uma das alunas, ele chegou a dizer que ela poderia ganhar dinheiro como prostituta”.
Manual federal
Rosely acredita que, diante da entrada das Defensorias e Ministérios Públicos, é possível que o caso tenha um desfecho diferente e sirva de referência para outras universidades federais. Ela ressalta também a difusão recente de um documento federal para todos os setores da Ufes, envolvendo professores e servidores, que também pode induzir à adoção de uma nova postura por parte da gestão.
O Manual do Processo Administrativo Disciplinar, produzido pela Corregedoria Geral da União (CGU), informa que PADs preveem três punições para casos como de assédio sexual: suspensão do professor agressor por 30 dias, cassação de aposentadoria e até demissão. “Tem três tipos de punições que têm um caráter inicialmente não definitivo, que é suspensão por 30 dias, mas que já dá um bom susto, até penalidades mais rigorosas, como cassação de aposentadoria e demissão”, acentua. A chegada do documento, sublinha, significa “um sinal forte de que não serão mais aceitos esse tipo de comportamento”.
“A gente precisa saber qual vai ser o caminho que essa comissão [PAD] vai tomar, considerando que a materialidade do crime já foi apresentada. Tanto pela questão legal, que é o acompanhamento da polícia federal, da Defensoria Pública e do Ministério Público. Isso não pode acabar em um TAC, não pode acabar apenas em um termo de ajustamento de conduta. A universidade precisa fazer o enfrentamento real a esse problema, que é criminal”, pondera.