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Trabalhadores da educação se manifestam contra episódio de preconceito em Cmei de Vitória

Trabalhadores da educação lançaram nesta quinta-feira (17) um manifesto contra o episódio ocorrido no Centro Municipal de Ensino Infantil (Cmei) Cida Barreto, classificado como racismo, na última quinta-feira (10), quando um trabalho feito pelos alunos simbolizando a boneca Abayomi foi retirado de um mural do Cmei.

O Cmei funciona em uma estrutura alugada pela prefeitura de Vitória dentro da Igreja Evangélica Batista de Vitória (IEBV), no bairro Jardim da Penha. Após a polêmica, o pastor João de Brito afirmou à imprensa que o trabalho das crianças simbolizaria “macumba” – termo pejorativo usado para se referir a religiões afro-brasileiras – e por isso havia sido retirado.

No manifesto, os trabalhadores da educação pedem que a Secretaria Municipal de Educação (Seme) de Vitória, na figura da secretária, Adriana Sperandio, se posicione sobre o ocorrido. “É urgente uma posição oficial que demonstre o cumprimento das diretrizes curriculares e de garantir o respeito à diversidade, que é elemento norteador da educação no município”, diz a nota pública.

A nota esclarece que a palavra abayomi tem origem yorubá que é um idioma da família Níger-Congo de dois países africanos e é falado na parte oeste da África, principalmente na Nigéria, Benin, Togo e Serra Leoa. A boneca se originou na época da escravidão, quando mães que estavam nos navios negreiros as confeccionavam com o pano de suas saias, único disponível no navio, para entreter os filhos.

A representação, ao contrário do que o pastor alegou, não guarda qualquer relação de cunho religioso, mas é parte da identidade cultural do que é ser negro.

O manifesto também aponta que os documentos norteadores da educação infantil estabelecidos como Parâmetros Nacionais de Qualidade pelo governo federal, e seguido pelo município de Vitória estabelecem que “crianças expostas a uma gama ampliada de possibilidades interativas têm seu universo pessoal de significados ampliado, desde que se encontre em contextos coletivos de qualidade. Essa afirmativa é considerada válida para todas as crianças, independentemente de sua origem social, pertinência étnico-racial, credo político ou religioso, desde que nascem”.

Além disso, a lei municipal 4.747/98, de Vitória, que institui as regras para o Sistema Municipal de Ensino determina que o ensino será ministrado com base nos princípios de igualdade para o acesso e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, a arte e o saber; e pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, considerando a diversidade de expressão cultural.

O manifesto também reivindica que a Seme assuma um compromisso de uma educação antirracista pautada em um novo espaço para o funcionamento do Cmei, que não pode estar subordinado aos desejos e ordens do locatário, visto que as crianças e a educação do município não podem ficar à mercê do preconceito preconizado por alguns.

Manifesto na íntegra

MANIFESTO DOS TRABALHADORES DA EDUCAÇÃO CONTRA O CRIME DE RACISMO NO CMEI CIDA BARRETO
 
Na última semana, uma notícia vinculada em um jornal de grande circulação tinha o seguinte título “Pastor manda tirar boneca africana de creche e dispara: “É macumba”. Tal estabelecimento de ensino da Prefeitura Municipal de Vitória (PMV) é o Centro Municipal de Educação Infantil “Cida Barreto”, localizado no bairro Jardim da Penha na capital. Cabe ressaltar que o imóvel em questão é alugado pela PMV. A partir da notícia que rapidamente chegou aos ouvidos de professores da rede municipal de Vitória e ativistas de entidades da sociedade civil, em especial do Movimento Negro, nós trabalhadores da educação, vimos por meio desta nos manifestar com dois intuitos. Primeiro, contrapor a fala preconceituosa e racista do Sr. João Brito, que em nada contribui para melhorar o mundo, função que acreditamos pertencer aos que falam em nome do sagrado. Segundo, reivindicar da Secretaria Municipal de Educação (SEME) da cidade de Vitória, na figura da secretaria Srª Adriana Sperandio uma posição pública sobre o ocorrido. É urgente uma posição oficial que demonstre o cumprimento das diretrizes curriculares e de garantir o respeito a diversidade, que é elemento norteador da educação no município.

Vamos aos fatos: A palavra Abayomi tem origem yorubá que é um idioma da família Níger – Congo de dois países africanos e é falado na parte oeste da África, principalmente na Nigéria, Benin, Togo e Serra Leoa. Os Yorubás constituem o segundo maior grupo étnico na Nigéria, representando 18% da população total. Seu significado é aquela ou aquele que traz felicidade ou alegria. Abayomi quer dizer encontro precioso: abay=encontro e omi=precioso.

 

Sua história está ligada a época da escravização em que as mulheres negras confeccionavam as bonecas com pedaços de suas saias, único pano encontrado nos navios negreiros, para acalmar e trazer alegria para todos.  O retorno da tradição das bonecas Abayomi foi feito por Lena Martins, artesã de São Luiz do Maranhão, educadora popular e militante do Movimento de Mulheres Negras, que procurava na arte popular um instrumento de conscientização e sociabilização. Portanto, a boneca Abayomi não é “macumba” como afirmou o Sr. João Brito, ela é sim, parte da identidade de ser negra e ser negro, e parte do que é o Brasil, visto que é impossível pensar aquilo que denominamos brasilidade de forma positiva sem falar de sua origem Lembrando o que disse a professora Petronilha Gonçalves no Parecer 003/2004 para o Conselho Nacional de Educação (CNE): para reeducar as relações étnicoraciais no Brasil é necessário fazer emergir as dores e medos que têm sido gerados. “É preciso entender que o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade impostas a outros. E então, decidir que sociedade queremos construir daqui para frente” (p.1).

Em março de 2004, o CNE aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afrobrasileira e africana (BRASIL, 2004b).

Em sua fundamentação, esse documento propõe que se construam pedagogias de combate ao racismo e a discriminações. Suas recomendações estão organizadas nos seguintes princípios: consciência política e histórica da diversidade; fortalecimento de identidades e de direitos; ações educativas de combate ao racismo e a discriminações. Essas diretrizes são especialmente importantes para os currículos dos cursos de formação de professores, mas também apontam para questões que devem ser contempladas nas programações e nas práticas educativas das instituições de Educação Infantil (BRASIL, 2004b).

Talvez o referido senhor não conheça, ou faça questão de ignorar, os documentos norteadores da educação infantil estabelecidos como Paramentos Nacionais de Qualidade pelo governo federal, e seguido pelo município de Vitoria que assim se refere à questão:

Crianças expostas a uma gama ampliada de possibilidades interativas têm seu universo pessoal de significados ampliado, desde que se encontre em contextos coletivos de qualidade. Essa afirmativa é considerada válida para todas as crianças, independentemente de sua origem social, pertinência étnico-racial, credo político ou religioso, desde que nascem (BRASIL, 2006, p.15).

Também a Lei Municipal de 4747 que institui as regras para o Sistema Municipal de Ensino determina no capítulo I,  ao qual damos ênfase no Art. 4º e seus parágrafos: I- O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, considerando a diversidade de expressão cultural.

E ainda:

Capturar a identidade cultural dos CMEI’s expressava, assim, um modo de enraizar os saberes, consolidar um processo de abertura em direção aos diferentes personagens que compunham o cenário social, valorizar as singularidades e as pluralidades numa reconciliação permanente com a cultura, com as diferentes práticas sociais, enfim, com a vida. No esforço de ver os CMEI’s a partir da comunidade e ver a comunidade a partir dos CMEI’s, foi possível entrever um projeto educativo que deveria fazer uso cotidianamente dos elementos constituidores de cultura: o samba, o congo, o funk, o reggae o forró, o carnaval, as festas juninas, a capoeira, a religiosidade, as diferentes expressões artísticas enfim, de todas as tradições, manifestações e costumes presentes na comunidade sem negar a própria identidade cultural dos profissionais e das crianças reconhecidos como sujeitos da história e produtores de cultura. Se tudo isso representava um modo de valorizar as singularidades e as pluralidades dos Centros de Educação Infantil, representava também um esforço coletivo de colocar em cena o sentido de rede para a Educação Infantil do município de Vitória. Uma rede tecida por todos. Uma rede que rompe com a mesmice. Uma rede que dá garantias da descoberta, da diversidade, da busca pedagógica, que possibilita a construção de um projeto político-pedagógico que tenha como ponto de partida a identidade cultural dos diferentes contextos e sujeitos que compõem o universo da Educação Infantil (PMV, 2006, p.17).

Entre as leis que tratam desse segmento étnico, destacamos: a Lei nº 4.803, de 21-12- 1998, que institui a inclusão da História Afro-Brasileira no conteúdo curricular das escolas da Rede Municipal de Ensino de Vitória; e a Portaria nº 052, de 17-8-2004 que constituiu uma comissão para implementar, no Sistema Municipal de Ensino de Vitória, as disposições da Lei nº 10.639/03, que trata da obrigatoriedade da temática da “História e Cultura Afro-Brasileira” no currículo.

Após a denúncia apresentada na imprensa, em nosso entendimento é necessária uma posição também pública da SEME no sentido de afirmar a diretriz de uma educação pautada no respeito às diferenças e na diversidade objetivando uma educação cidadã. A PMV vem ao longo dos anos a partir das reivindicações de ativistas negros (as) e dos movimentos sociais, em especial o movimento negro investindo numa política de uma cidade em que os espaços culturais e civis possam ser ocupados por grupos e manifestações que são alvos de preconceito e racismo ao longo da história. Nesse sentido, podemos citar: o Conselho Municipal do Negro, a Coordenação de Políticas para a População Negra, o Museu do Negro (MUCANE) e o apoio a colônia de férias “Quilombinho” e ao grupo afro Odomodê, a realização de conferências de políticas de promoção da igualdade racial.

Neste sentido, acreditamos que se faz necessário a SEME, através de uma declaração oficial na imprensa e nas mídias sociais colocar e afirmar para a população em geral o compromisso de uma educação antirracista pautada na um novo espaço para o funcionamento do CMEI que não pode estar subordinado aos desejos e ordens do locatário, visto que as crianças e a educação do município não podem ficar à mercê do preconceito e racismo, preconizado por alguns que ainda insistem em viver de um passado que nós queremos e estamos superando, para a construção de um Brasil sem Racismo.

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