Coordenadora do Fordan/Ufes, Rosely Silva Pires afirma necessidade de denunciar os casos e acolher as vítimas
Combater o preconceito e as múltiplas violências que ocorrem dentro dos cursos de pós-graduação das universidades brasileiras contra mulheres, pessoas LGBTQIA+ e negros. Esse é a finalidade do Simpósio Nacional sobre Ensino Superior que o projeto de Extensão Fordan, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), organiza para o próximo mês de abril.
O objetivo é reunir informações e experiências para a elaboração de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que subsidie as comunidades acadêmicas no processo de identificar, denunciar e analisar os casos de preconceito e violência, bem como punir os autores e acolher as vítimas.
“O modelo será semelhante ao que realizamos em 2021, em que buscamos discutir e encaminhar propostas sobre as violências institucionais. Como base de análise, utilizamos os casos que acompanhamos de violências contra as mulheres, que foram publicados em um boletim temático do Fordan“, conta Rosely Silva Pires, professora da Ufes, fundadora e coordenadora do Fordan: Cultura no Enfrentamento às Violências.
O boletim foi apresentado em sessão solene da Assembleia Legislativa (Ales), em alusão ao Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, comemorado anualmente em 17 de novembro, quando a coordenadora do Fordan foi homenageada, ao lado de outras seis mulheres, com a Comenda Maria da Penha.
O saldo dessa primeira experiência foi muito positivo, salienta Rosely. “E com base nela, decidimos partir para essa nova empreitada. O Fordan/Ufes tem construído parcerias em vários estados do Brasil, e isso será fundamental para o êxito da nossa proposta”, explica.
Um dos exemplos é da Universidade Federal de Ouro Preto (IUfop), que já produziu uma normativa própria para tratar de casos de violência contra mulher. “Nossa proposta é ampliar, incluindo também racismo e violências contra pessoas LGBTQIA+. É preciso evitar as violências sobrepostas a quem já está em sofrimento”, afirma.
Os casos selecionados para análise no simpósio são apresentados a partir da identificação das vítimas por meio de codinomes de heróis e heroínas negras: Dandara, Aqualupe, Cruz e Souza e André Rebouças (veja abaixo).
“Há uma coisa em comum entre todos esses relatos de racismo: são pessoas de luta, de enfrentamento e, como afirma Djamila Ribeiro no Manual Antirracista, o racismo conhece o potencial transformador da potente voz de grupos historicamente silenciados'”, destaca Rosely.
“É preciso denunciar e, concomitantemente, construir formas de acolhimento e encaminhamentos destas denúncias, visto que a burocracia e o corporativismo nas universidades inviabilizam as lutas contra as violências”, observa.
Os casos
Dandara, apresenta o Fordan, é uma mulher preta, com cabelo crespo e periférica. Militante da área de direitos humanos, em especial o enfrentamento ao racismo e violência contra mulher, fez mestrado e atualmente está iniciando o doutorado. “Continuo passando, agora no doutorado, e sinto que continuarei passando a vida inteira. O desafio é não desistir. O racismo é cruel e as instituições são estruturadas no racismo”, relata ao Fordan.
Aqualupe é uma mulher parda e atuante na periferia. Professora de Universidade Pública, trabalha com danças tradicionais de matriz africana e recentemente defendeu seu doutorado. “A minha defesa não foi tranquila, foi anunciada como um marco histórico pelos integrantes da banca e na hora me detonaram, me senti no circo dos leões (…) Foi tão traumatizante, que minha vontade foi não trabalhar mais, não entrar em pós-graduação de jeito nenhum, ficar na graduação, me dedicar apenas à graduação, e olhe lá”, desabafou.
Cruz e Souza é um homem preto, com cabelo crespo. Professor de Universidade Pública, atua no resgate de culturas de matriz africana. “Depois vou te contar minha história no mestrado. Era 1996…imagina seu orientador na UTI, enfartado, e a coordenação marca sua defesa, compõe a banca à revelia do orientador…só colocou os inimigos do seu orientador”.
André Rebouças é um jovem homem preto, com cabelo crespo e periférico. Militante de direitos humanos, fez mestrado e teve que recorrer ao Conselho de Ensino e Pesquisa, da sua Universidade, para conseguir seu diploma. “Os que açoitam o preto? Pesquisadores sobre racismo, ações afirmativas, pobreza, inclusão, que se acham deuses, ou talvez tenham certeza que são, pessoas que ao mesmo tempo que possuem belos discursos sobre suas temáticas não pensam duas vezes na hora de ‘punir exemplarmente’ um negro, são os que se juntam a branquitude racista, os que ocupam o chicote e o laço de capitães do mato”.
Denúncias
Em formato online, o simpósio irá analisar alguns casos já acompanhados pelo projeto e promover encaminhamentos possíveis sobre cada um, como apoio dos órgãos de Justiça para reparação das vítimas.
Nesse sentido, denúncias, anônimas ou não, podem ser enviadas para o email [email protected].