A legislação brasileira prevê que a mulher grávida tem direito ao atendimento humanizado de saúde, respeitando suas particularidades e desejos durante o acompanhamento e realização do parto. Entretanto, esse direito frequentemente é desrespeitado pelos profissionais de saúde e instituições, tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) quanto na rede privada. Segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo, uma a cada quatro mulheres brasileiras já sofreu algum tipo de violência obstétrica.
Uma das denúncias de violência obstetrícia mais comuns, especialmente no SUS, são as humilhação e ofensas à gestante e à família; a proibição da presença de um acompanhante para auxiliar a parturiente e a negligência no atendimento, muitas vezes se recusando a oferecer anestesias e outras formas de colaborar com o processo de parto.
Algumas dessas violências praticadas rotineiramente contra as mulheres foram reproduzidas nos depoimentos em destaque ao longo desta reportagem. Os depoimentos foram retirados da cartilha “Violência Obstétrica é Violência Contra a Mulher”, publicado pelo Fórum de Mulheres do Espírito Santo e a rede Partindo do Princípio. Os nomes das mulheres são fictícios.
Outra prática já naturalizada, chegando a números alarmantes na rede privada, é o incentivo à cesariana, mesmo quando a mulher inicia a gravidez idealizando um parto normal. Procedimentos agressivos como a epistemologia, manobra de Kristeller e o uso do fórceps, mesmo que necessários em alguns casos, também são usados de maneira indiscriminada por alguns médicos, quando poderiam ter sido evitados.
O médico Elvidio dos Santos, presidente da Associação de Ginecologistas e Obstetras do Espírito Santo (SOGOES), faz um alerta para tipo de prática no Estado. “Qualquer coisa que é feita de maneira desrespeitosa, desnecessária ou que não é consentida pela paciente é uma violência no parto”, adverte.
Segundo Mariana Gava, representante do Fórum de Mulheres do Espírito Santo, além dos insultos as mulheres em trabalho de parto e os procedimentos sem consentimento da parturiente, o grande número de cesáreas sem real necessidade também é um tipo de violência obstetrícia. “É mais confortável para o médico. Mas podemos observar que muitas vezes os bebês acabam nascendo prematuros, o que leva uma superlotação nas UTIs neonatais e muito risco de infecção para a mãe, que passa por um procedimento cirúrgico desnecessário”, explica a militante do Fórum de Mulheres.
Apesar da Organização Mundial de Saúde recomendar 15% de cesáreas, somente em situações emergenciais, a pesquisa “Nascer no Brasil” aponta que o país é recordista nesse procedimento, totalizando 52% dos nascimentos realizados no bloco cirúrgico. Somente no sistema privado, são 88% de crianças nascidas por cesariana. A média mundial é de apenas 18%.
Elvidio dos Santos reconhece que, apesar do desejo das mulheres, muitos profissionais relutam em atender a demanda: “O médico é o responsável por qualquer problema que possa acontecer durante o nascimento, por isso, muitas vezes ele acaba preferindo fazer a cesárea, onde o risco de complicações é menor”. Entretanto, Santos destaca que é fundamental respeitar o desejo da mãe, desde que ele não coloque em risco a vida dela e a do bebê.
O médico também destaca que, muitas vezes, há necessidade de procedimentos que auxiliem o parto, mas que eles não podem ser realizados como rotina: “O problema não é o procedimento, mas o abuso desse tipo de recurso e a falta de informação a paciente”. O médico ainda critica a estrutura do sistema de saúde, que impossibilita o profissional de saúde de realizar o melhor atendimento possível. “O maior problema acaba sendo a falta de estrutura, as equipes incompletas e o próprio sistema de saúde. Não oferecer tudo aquilo que a mulher tem direito, também é uma forma de violência”, explica o profissional.
Ary de Oliveira, gerente do programa do Governo do Estado, “Rede Bem Nascer” destaca que boa parte dos relatos de violência estão ligadas ao atendimento e acolhimento da paciente: “Existe uma cultura do medo e da dor criada em torno desse ambiente. Por isso, é preciso fazer um trabalho de educação e informação para os profissionais de saúde e a população em geral”.
Para lidar com essa questão, a Secretaria de Saúde tem realizado ciclos de capacitação para os profissionais, incentivando boas práticas na hora do parto para garantir um atendimento mais humanizado à parturiente.
O Fórum de Mulheres também tem se comprometido com um trabalho de educação, através de ciclos de palestras e debates sobre o tema. A organização capixaba também elaborou cartilhas informativas sobre o tema em parceria com a rede Parto do Princípio. Nela, estão todos os direitos assegurados a parturiente durante o atendimento de saúde.
Os especialistas concordam que a violência obstetrícia existe e deve ser resolvida com capacitação e políticas públicas que garantam o respeito aos direitos concedidos por lei à mulher. Para isso, é necessário que os profissionais de saúde, as instituições tenham estrutura e capacitação para fornecer um atendimento humanizado e que a parturiente tenha conhecimento de seus direitos assegurados por lei. “Esse é um momento muito sensível e muito especial para a mulher, ela deve ser tratada com respeito e humanidade”, concluí a representante do Fórum.
As mulheres que sentiram vítimas desse tipo de violência devem denunciar os agressores a Defensoria Pública ou através do Disque Mulher 180 e Disque Saúde 136. As clientes do serviço privado de saúde também devem procurar o PROCON de seu município.