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Vereador de Cachoeiro convoca audiência pública sobre ‘moradores’ de rua

Coletivo de direitos humanos critica “discurso higienista” de Coronel Fabrício

Redes sociais

O vereador Coronel Fabrício (PL), presidente da Comissão de Segurança da Câmara de Cachoeiro de Itapemirim, no sul Estado, convocou uma audiência pública para discutir políticas para pessoas em situação de rua no município. O evento está marcado para o próximo dia 30 de abril, a partir das 19h, no plenário da Câmara. Entretanto, para o coletivo Não Só Mais Um Silva, que atua na defesa de direitos humanos e da população periférica no município, a articulação se baseia em “preconceito disfarçado de proposta”.

A audiência contará com a participação de representantes da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, hoje comandada pela primeira-dama do município, a ex-deputada Norma Ayub (PP), além de integrantes do Poder Judiciário. Chama a atenção o fato de a arte de divulgação usar a expressão “moradores de rua” – o termo correto é “pessoas em situação de rua”, tendo em vista que “morador” remete a uma característica permanente.

Nas últimas semanas, tem repercutido nas redes sociais, um vídeo postado por Coronel Fabrício que apresenta o registro de falas suas durante uma reunião com o Ministério Público do Estado (MPES) sobre o tema, realizada no último dia 2 abril.

Fabrício defendeu que existem “quatro tipos de morador de rua”: o que está na rua por “necessidade”, que, para ele, “é a grande minoria”; o que está na rua por causa das drogas; o “oportunista”, que se ocuparia de vender drogas e cometer crimes; e aquele que vem “de fora de Cachoeiro”, por que a população cachoeirense teria o costume de dar dinheiro e alimentação para essas pessoas e isso “acaba virando propaganda”.

O vereador afirmou ainda que essas pessoas “não estão preparadas para o mercado de trabalho” – e “muitos nem querem” segundo a fala de uma pessoa cuja imagem não aparece no vídeo –, e defendeu obrigar usuários de drogas a fazer tratamentos contra a dependência química. “Nós precisamos criar núcleos de tratamento compulsivo (sic), entendeu? Ele está fora de seu juízo normal, é um doente”, afirmou.

“A gente passou dias digerindo essas palavras. Não porque são novas — mas porque elas doem. Doem porque revelam o que muita gente pensa em silêncio: que a pobreza é culpa do pobre, que o vício é caso de polícia, que quem está na rua tem que ser apagado da paisagem”, comenta Aline Lopes, presidente do coletivo Não Só Mais Um Silva.

Na opinião dela, Coronel Fabrício “falou de pessoas em situação de rua com desprezo, falou de usuários de drogas como se fossem lixo, e ainda defendeu a internação compulsória — como se prender, dopar e esconder resolvessem a raiz do problema”.

Procurado por Século Diário, Coronel Fabrício afirmou que a audiência foi convocada para “propor políticas públicas direcionadas a solucionar essa situação que convivemos hoje em nossa cidade”, com o objetivo de “amenizar tanto sofrimento e praticar a inclusão social dessas pessoas”.

Questionado sobre em que informações serviram de base para falar sobre os “quatro tipos de morador de rua”, disse que se baseou nos “32 anos de serviço policial, entrevistando os moradores”, acrescentando que “muitos vêm de fora, despejados por outros municípios”, situação contra a qual “não podemos mais vedar os nossos olhos!” e “fingir que esse problema não existe”.

“Mas aí eu pergunto: o que o vereador tem feito, além de gravar vídeo para internet e criticar quem tenta fazer diferente? Criticar os centros que acolhem, os projetos que cuidam, a cultura que transforma? Preconceito também é uma forma de pobreza — e pior: é uma que se escolhe todos os dias”, critica Aline.

“Enquanto o vereador ataca a cultura, a juventude e agora as pessoas em situação de rua, a gente segue lutando por políticas públicas reais, que respeitem a dignidade humana. Porque esconder o problema não é resolver. E desumanizar gente é crime. Não vamos mais aceitar esse discurso covarde e higienista. Gente não é lixo. Gente não é descartável”, completa a presidente do Não Só Mais Um Silva.

Aline Lopes faz referências a ataques recentes de Coronel Fabrício a atividades culturais praticadas por coletivos periféricos, a ponto de ser o autor de um projeto de lei “Anti-Oruam” em Cachoeiro, como ficaram conhecidas as propostas voltadas a proibir o poder público de repassar recursos a artistas que supostamente fazem apologia à violência.

‘Soluções divinas’ de Norma Ayub

A gestão do prefeito Theodorico Ferraço (PP) também esteve representada na reunião com o Ministério Público, incluindo Norma Ayub e o vice-prefeito, Júnior Corrêa (Novo). Aparentemente, há um alinhamento de pensamento com Coronel Fabrício sobre o tema, tendo em vista que o material de divulgação da prefeitura sobre o encontro reproduz a fala sobre os “quatro tipos” de pessoas em situação de rua.

Márcia Leal/PMCI

De acordo com a gestão municipal, foram apontadas algumas propostas no encontro. Entre elas está a “realocação e reestruturação dos centros de atendimento, para proporcionarem maior acessibilidade e adesão dos moradores de rua”. Não foram divulgados detalhes sobre a proposição. Mas, nos bastidores, existe a pressão para que o Centro Pop – equipamento de referência para pessoas em situação de rua – seja transferido para um local menos centralizado e com menor visibilidade.

Outras propostas incluem “implementação de políticas intersetoriais que integrem segurança, saúde e assistência social com foco na emancipação dos moradores; e incentivar a participação das empresas e promover parcerias que facilitem a inserção dessas pessoas no mercado de trabalho, considerando as particularidades e deficiências que dificultam essa transição”.

“A nossa preocupação é muito grande. A cada dia está aumentando o número de pessoas que estão vindo para Cachoeiro. Os empresários estão aqui oferecendo trabalho para os moradores de rua. A prefeitura está disposta a capacitar essas pessoas”, disse Norma Ayub.

De acordo com a gestão de Theodorico Ferraço, a empresa Carbomix Minerais Ltda esteve no Centro Pop de Cachoeiro na última terça-feira (8), oferecendo vagas de emprego para pessoas em situação de rua. “Deus, na sua infinita bondade, colocou anjos ao nosso lado para que pudéssemos fazer a diferença”, comemorou Norma Ayub.

Especialistas no tema, entretanto, afirmam que o enfrentamento ao número crescente de pessoas em situação de rua demanda propostas multissetoriais mais complexas. Uma pesquisa nacional divulgada no início do ano indicou, entre os pontos avaliados, que a maioria desse público não completou o ensino fundamental ou é analfabeta, dificultando a inserção no mercado de trabalho.

Outra questão a ser destacada é o deficit habitacional, com muitas moradias sem cumprir sua função social, enquanto um grande número de pessoas dorme na rua. Segundo Robson César Correia de Mendonça, do Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo, o grande gargalo é a falta de interesse político para resolver o problema.

“Se nós temos 588 mil e poucos prédios ociosos na cidade de São Paulo e 90 mil de população em situação de rua, isso quer dizer que se fosse feita uma reforma nesses prédios, tornando-os habitacionais, teríamos resolvido uma boa parte dessa demanda e tirado essas pessoas da situação de rua. Isso tornaria muito mais barata a questão da moradia do que o custeio com albergue e outras questões que o governo busca fazer para tentar solucionar o problema e que nunca consegue solucionar”, defendeu em entrevista para a Agência Brasil.

Políticas higienistas

O que tem sido visto no Espírito Santo, porém, é a repetição constante de ações de caráter higienista, que basicamente buscam expulsar as pessoas das ruas. Em novembro do ano passado, em Vitória, foi votado o Projeto de Lei (PL) 57/2023, do vereador Luiz Emanuel (Republicanos). A proposta, com apenas três artigos, tinha como objetivo vedar “a ocupação por qualquer pessoa para fins de moradia e quaisquer atividades habituais, providas de assistência social, nos logradouros públicos situados no município de Vitória”.

Reprodução/Redes Sociais

Em fevereiro deste ano, a Comissão de Justiça e Paz (CJP) da Diocese de Colatina (noroeste do Estado) acionou o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) após abordagem à população de rua feita pela gestão do prefeito Renzo Vasconcellos (PSD). Um vídeo postado pela prefeitura mostra policiais militares abordando as pessoas, revistando-as e retirando seus pertences, enquanto um narrador repete constantemente a expressão “choque de ordem”.

Semanas antes do caso de Colatina, a gestão do prefeito de Guarapari, Rodrigo Borges (Republicanos), divulgou nas redes sociais uma ação intitulada de “força-tarefa”, destinada retirar de espaços da cidade pessoas em situação de rua, inclusive, com abordagem policial. A iniciativa foi alvo de críticas da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de Vitória. “A Prefeitura de Guarapari não faz distinção entre lixo e pessoa”, apontou o coordenador da Pastoral, Júlio César Pagotto.

Como contraponto, a Associação de Moradores do Centro (Amacentro) lançou, nessa semana, o Fórum de Políticas para as Pessoas em Situação de Rua. A proposta, informa o presidente da Amacentro, Wallace Bonicenha, é “garantir um espaço de escuta, análise e proposição sobre as questões que envolvem a população em situação de rua”.

“Tem uma gama de pessoas que estão em situação de rua por diversos motivos, como quebra de vínculo familiar, falta de moradia. É complicado querer falar de uma situação a partir do ponto de vista de quem não a vive”, diz Wallace.

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