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Vereadora Açucena vai ouvir religiões de matriz africana em plenária

Proposta é reunir as demandas e garantir os direitos dos que professam essas crenças

A vereadora Açucena (PT), de Cariacica, realiza nesta quinta-feira (13), uma plenária com as religiões de matriz africana. A atividade será na Câmara Municipal, às 19h. A proposta, segundo ela, é escutar as comunidades de terreiro e tomar conhecimento das suas demandas para elaboração de projetos de lei, além de possibilitar a elas informações a respeito de seus direitos e sobre como acessá-los.

Divulgação

A vereadora aponta que existe uma ascensão dos protestantes na política, ocupando cargos tanto no Legislativo quanto no Executivo, pautando suas demandas e bandeiras baseadas em suas crenças, o que acaba sendo uma forma de imposição religiosa. “Para além de ser uma jovem de terreiro, quero trazer as pessoas que estão à margem do debate político e ausentes nos espaços de poder”, destaca.

Açucena afirma que é preciso garantir às religiões de matriz africana direitos como a liberdade de culto e políticas estruturais, como saneamento básico e energia elétrica, pois muitos terreiros ficam em comunidades periféricas, que carecem de infraestrutura. “As religiões de matriz africana são produtoras de cultura e pontos de guarda da memória ancestral, precisam ter seus direitos garantidos”, defende.

Para a vereadora, é preciso garantir “a manifestação da fé em suas especificidades”. Um exemplo dado por ela é o da obra da Orla de Cariacica, que não levou em consideração que, no dia 2 de fevereiro, as religiões de matriz africana faziam a entrega do balaio de Iemanjá, e acabou não deixando um espaço que possibilitasse isso.

Para garantir a manifestação da fé, destaca Açucena, além de criar projetos de lei, é preciso que as religiões de matriz africana possam saber quais são os direitos já conquistados e como acessá-los. Um deles, informa a vereadora, é a garantia de licença nas escolas para estudantes que farão iniciação nessas crenças. Outro ponto destacado por Açucena é a dificuldade de obter regularização e alvará de funcionamento dos terreiros por falta de informações sobre o trâmite necessário.

Diálogo com as bases

As religiões de matriz africana são apenas um dos grupos que serão escutados via plenária. Já foi feita uma em janeiro, com foco na juventude, e outros grupos apresentarão suas demandas, como mulheres, professores e agentes culturais. A vereadora também quer escutar as demandas relacionadas aos direitos humanos, abarcando Pessoas com Deficiência (PCDs) e comunidade LGBTQIA+.

Na plenária com a juventude, informa Açucena, os participantes elencaram demandas em áreas como segurança, esporte e cultura, e a necessidade de financiamento para quem quer seguir a carreira esportiva. Essa reivindicação partiu de jovens que começaram a praticar lutas marciais nos Centros de Referência das Juventudes (CRJs) do município e descobriram que querem se tornar atletas e participar de campeonatos.

Mapeamento

O município de Cariacica conta com, pelo menos, 10,9 mil pessoas pertencentes a alguma comunidade tradicional. Os dados, que consideram ciganos, povos de matrizes africanas, pescadores e marisqueiros, são resultado de um mapeamento realizado por mais de um ano na cidade. O estudo, pioneiro no Espírito Santo, descortina a ausência de políticas públicas nas comunidades e pode nortear ações governamentais que amenizem o contexto de marginalização e apagamento dessas culturas em território capixaba.

O “Mapeamento dos Povos e Comunidades Tradicionais do Município de Cariacica”, realizado por meio da Gerência de Igualdade Racial da prefeitura, foi um trabalho colaborativo que envolveu pesquisadores do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal do Espírito Santo (Neab-Ufes), representantes de movimentos sociais e lideranças locais.

“O interesse de mapear essas comunidades nasceu a partir, primeiramente, do desejo dos próprios membros tradicionais do município em sair do ostracismo mediante a visibilização de suas tradições e o reconhecimento de sua cultura ancestral como um dos componentes no processo de constituição da sociedade cariaciquense atual”, explica o pesquisador e mestre em Ciências Políticas Iljorvanio Silva Ribeiro, um dos responsáveis pela parte técnica da pesquisa.

Entre a população estimada de 10,95 mil pessoas em comunidades tradicionais, 9,7 mil são de povos de matrizes africanas, 1,18 mil de pescadores e marisqueiros, enquanto 70 pertencem a comunidades de ciganos. O mapeamento foi dividido em duas partes. Primeiro, os pesquisadores se propuseram a localizar os povos tradicionais dentro do município, identificando como eles estão distribuídos no território e conhecendo a trajetória de vida das lideranças, suas narrativas e o seu quantitativo.

Em seguida, foi feito um levantamento socioeconômico dessas comunidades, analisando aspectos como Moradia; Trabalho, Emprego e Renda; e Política Assistencial Pública e Saúde. Segundo Iljorvanio, os resultados encontrados, a partir das entrevistas feitas com 290 pessoas, impactam diretamente na condição de sobrevivência desses povos e de sua reprodução cultural. É o caso dos povos ciganos identificados no município.

“Foram identificadas condições de abandono e de invisibilidade com que essas famílias sobrevivem, há décadas, em relação ao poder público, como inacessibilidades aos direitos básicos como o de saúde, alimentação e de cidadania. A escassez de alimentos nas barracas é uma realidade cotidiana para muitos deles e se acentuou durante o período da pandemia do coronavírus”, aponta o pesquisador

Já entre os povos de matriz africana, o que se identifica é o aumento da violência sofrida tanto dentro quanto fora das comunidades e territórios. As violações relatadas também incluem situações de discriminação e intolerância religiosa.

“Essa mesma violência pode ser traduzida em inúmeros casos narrados pelos entrevistados no que tange aos muitos ‘não acessos’ sofridos cotidianamente por esses povos: não acesso às políticas de incentivo cultural, não acesso aos recursos naturais do território que ocupa e do qual depende para sua reprodução cultural (como cachoeiras, rios, praças e matas), não acesso ao direito de registrar os seus centros ou terreiros, e outros tantos ‘não acessos”, declara.

Além desses três grupos registrados e entrevistados, o mapeamento identificou uma comunidade com 150 famílias de pomeranos, concentrados próximos aos bairros Itapemirim e Santa Cecília, e duas famílias remanescentes de quilombos, na região de Roda D’água, área rural de Cariacica.

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