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Vigilância da Suzano intimida família quilombola em ‘operação de rotina’

Abordagens violentas no Sapê do Norte são rotina desde os tempos da Aracruz Celulose

Divulgação

“Me lembro que desde criança a minha avó, yayá Luzia dos Santos, vivia nos chamando a atenção para não tocar sequer nas folhas de um pé de eucalipto, porque senão ‘a Visel iria nos pegar’. A Visel era a empresa de vigilância da época. [Hoje,] nossa comunidade ainda vive sob o medo das repressões. Às vezes até buscamos nos esconder correndo pra dentro do mato com o cipó na cabeça ao avistarmos a vigilância da empresa”.

O relato é de Flávia dos Santos, moradora da Comunidade Quilombola Angelim II, no Território Tradicional Quilombola do Sapê do Norte, em Conceição da Barra, norte do Estado, referindo-se a um fato ocorrido na noite desse domingo (26), quando ela, o marido e os filhos, de dentro do veículo da família, a cerca de 2km de casa, foram surpreendidos por “três carros e seis homens, cada um com uma lanterna em mãos, todas elas apontadas para o carro”.


A luz excessiva, conta, dificultou a visão do marido de Flávia, quase provocando um acidente. A família entrou em “total desespero, pois só pensávamos em um assalto ou até mesmo execução, por sermos liderança dentro do território quilombola do Sapê do Norte”. Controlada a primeira reação de fugir, a família parou o carro e pôde ver que se tratavam dos vigilantes da Prosevig, empresa que presta serviço de segurança patrimonial para a Suzano Papel e Celulose (ex-Fibria, ex-Aracruz Celulose).
“Trêmula, nervosa, agitada, questionei aquele tipo de abordagem e eles informaram que era operação de rotina, que era procedimento da empresa, que ali era propriedade privada”, relata Flávia, indignada, em denúncia já encaminhada ao Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Conselho de Direitos Humanos, Secretaria Estadual de Direitos Humanos (SEDH) e Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH).
No documento, ela lembra que os moradores locais, há muitas gerações, sofrem com “inúmeras abordagens violentas por parte da vigilância das empresas que operam o monocultivo do eucalipto dentro do Território Quilombola do Sapê do Norte”. Os nomes das empresas de celulose mudaram ao longo do tempo, assim como os nomes das empresas de vigilância que lhes servem, “mas as práticas continuam as mesmas, todas utilizam abordagens violentas e agressivas”.

Essa prática, sublinha, é inaceitável. “Eles não são polícia e nós não somos ladrões”. Por isso, o questionamento aos órgãos de segurança: “Vigilância de empresa tem poder de polícia sobre moradores passando na rua? E usar lanternas dessa forma, quase causando um acidente de trânsito, é permitido? Tem poder de fazer revista em carro de cidadãos que passam pela estrada indo pra casa? Além disso, que operação de rotina é essa? Por que essas ações dentro de nosso território têm ocorrido sem avisar nossas comunidades?”.
O fato desse domingo, contextualiza, ocorre num momento de grande tensão no Sapê do Norte, quando a Suzano conseguiu na Justiça várias ações de reintegração de posse sobre pessoas que têm invadido o território quilombola e também terras nos arredores, sob posse da papeleira, alegando ligação com o movimento quilombola ou agricultura familiar. Sem comprovar nenhum dos dois vínculos nem ancestralidade com o lugar, os invasores e suas associações estão sendo condenadas judicialmente a se retirarem do local, e a Suzano autorizada a promover a derrubada dos barracos, casas e outras estruturas construídas irregularmente.
Nesse terreno conflituoso, tem sido muito comum a retirada das placas de identificação instaladas pelas comunidades quilombolas – comunidades certificadas há mais de dez anos pela Fundação Palmares e aguardando conclusão dos processos de titulação do território tradicional –, inclusive neste mesmo domingo da abordagem violenta da Prosevig, numa explícita ação de intimidação.
“A empresa está usando a reintegração de posse do entorno para oprimir nossos direitos fundamentais, a liberdade de ir e vir. As vigilâncias têm o dever de vigiar o eucalipto, que é atividade deles, mas não a nossa comunidade ou a minha família!”, denuncia a líder quilombola, reafirmando sua “indignação e repúdio dessa operação de vigilância patronal da empresa Suzano e da retirada das placas de retomadas das terras da Comunidade do Quilombo do Angelim II”.

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